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'Eu cumpri aquilo que me foi proposto', diz juiz Ulysses Louzada sobre Caso Kiss

Leonardo Catto

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Pedro Piegas (Diário)

Ulysses Fonseca Louzada é titular da 1ª Vara Criminal e do Tribunal do Júri de Santa Maria. Aos 63 anos, também comanda a vara de execuções. Louzada conduziu o maior caso do Judiciário gaúcho, o caso Kiss.

Foram três anos e quatro meses do recebimento da denúncia até a sentença ser proferida. Quando o incêndio completava pouco mais de sete anos, ocorreria o júri, presidido por ele. A transferência dos réus para Porto Alegre fez com que Louzada saísse oficialmente do caso. Em entrevista, o juiz, sem ser redundante, buscou ser justo quanto à celeridade do processo, criticou o processo penal e preferiu, na posição de magistrado, não comentar sobre quem deveria ser réu no caso. Como atleta de futebol veterano que é, Louzada não treme ao afirmar que bastaria a convocação para jogaria "de meia ou centroavante" e que "não fugiu". Crava, ainda no indicativo, que está preparado. Como estaria para qualquer outro.

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Na vara de execuções, Louzada é responsável por 11 presídios. Acredita, nos sentidos etimológico e sociais, na ressocialização. Mesmo sem comandar o maior caso do Rio Grande do Sul, o juiz manteve a carreira e o trabalho. Em alguma instância, como no exercício atual, o trabalho do juiz tem como objetivo diminuir a dor do mundo.

Diário - O senhor consegue enxergar que pode ser feita justiça?

Ulysses Fonseca Louzada - O que é justiça para uma pessoa pode não ser para outra. O júri é um reflexo da comunidade. A justiça de uma determinada localidade pode ser diferente de outra. Depende do enfoque, do fato e da repercussão. O júri é um órgão de justiça. 1% dos delitos são julgados por júri. É muito difícil fazer justiça.

Diário - Com qual expectativa o senhor aguarda o julgamento quase nove anos depois do incêndio?

Louzada - Esse processo, para mim, levou três anos e quatro meses. Eu recebi essa denúncia em março de 2013 e, em agosto de 2016, proferi uma sentença. Esse período de oito anos não é meu. As pessoas não sabem disso e me cobram. "Poxa, Louzada, será que não dava para diminuir esse prazo?". Que prazo? Qual o parâmetro? Esse prazo de nove anos já é bem razoável pela complexidade e tamanho do processo. O meu foi de três anos. E isso é um processo comum que demora.

Eu espero que seja o mais correto possível. A gente conseguiu trazer pra dentro do processo tudo que Ministério Público e defesas queriam. Tudo que fosse possível para que os jurados tenham manancial para decidir se encontra no processo. Estou dizendo na minha ótica. Evidentemente que outro magistrado tenha a metodologia dele e possa entender que falta alguma coisa. Mas, na minha ótica, o processo está pronto.

Diário - E sobre o processo, o que deveria ter sido diferente?

Louzada - Como professor, não há necessidade de sete jurados. O Código de Processo Penal tem que sofrer uma mudança geral. Não como é feito ultimamente, de forma pontual. Isso tem dificultado ainda mais. O processo penal hoje é um "frankenstein". Se coloca tecido novo em roupa velha.

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Inclusive no rito do júri. Não pode demorar como demora, ainda mais na era cibernética. Evolução. Tudo é informatizado. Durante um dia, eu faço 15 audiências. Significa 15 processos. Júri, um só. Tinha que haver uma reforma geral.

Diário - O senhor acredita que mais pessoas deveriam constar como réus?

Louzada - É uma coisa que não cabe ao juiz. Quando surge um fato que desestabiliza a ordem, nasce um direito subjetivo de reparar aquele dano. Uma pretensão investigativa. Uma pretensão acusatória. Alguém que investiga, que remete a alguém que analisa se é caso de denunciar. Um juiz que manda citar o réu, que tem uma pretensão defensória para então tentar convencer o juiz se aquilo é ou não verdade. Ao juiz, não cabe escolher esse ou aquele réu. Cabe à pretensão acusatória, que é do MP. O juiz não conhece, as partes conhecem. Elas levam ao juiz, tentam convencê-lo, mostram quem é que teria praticado aquele fato. Não é o juiz que pode decidir. Não estou fugindo, estou dizendo a realidade. O juiz não sai procurando fato que aconteceu. Não sai procurando autor. Não é tarefa. É, sim, buscar provas para afirmar seu convencimento. Não é para ajudar o MP ou ajudar a defesa. Isso tem que vir pronto. Mas isso também não significa que aquilo é a verdade. Aquilo tem que ser instruído, oportunizando para a defesa, com igualdade de armas, rebater aquilo. Isso que aconteceu e acontece em todos os processo criminais.

Diário - Como o senhor se sente com o júri em Porto Alegre?

Louzada - Eu me sinto tranquilo. Acredito, na minha leitura, que eu cumpri aquilo que me foi proposto. Procurei dar tudo de mim. Tudo. Física, psicologicamente. Acredito que eu fiz um bom trabalho para que agora ocorra o júri da melhor forma possível.

E eu sou o torcedor número um que esse júri seja o mais correto. Que seja dada uma resposta. Seja qual for. Estou sendo sincero. Não que esteja desprezando vítimas ou réus. Não é isso. A minha atividade era de ajudar a fazer uma prestação jurisdicional.

Se fosse eu a pessoa a presidir esse júri, eu estava preparado. Estou preparado. Não só para esse, para qualquer outro. Eu não fujo da raia. Eu vou lá e jogo de meia-esquerda, vou de centroavante. Me convocou, eu vou. Não só esse, como qualquer outro. Eu vou. Estava preparado? Sim. Esperava? Sim. Tinha tudo programado? Sim.

Mas não me sinto desconfortável, até porque ingressei em outra caminhada que achei maravilhosa, que é a infantaria da vara criminal, que é a execução criminal. Já tive muitos processos. Já fiz mais de 1,5 mil júris, mais de 50 mil audiências. Absolvi, mas também condenei muita gente. Me sinto no dever de também ajudar de alguma forma a recuperação dessas pessoas.

Diário - Sua carreira e seu trabalho não se resumem ao caso Kiss. Atualmente, o senhor tem se voltado para a recuperação.

Louzada - Eu sou juiz de uma vara de execuções criminais, que eu sou responsável por 11 presídios. Então, venho trabalhando no sentido de propiciar recuperação. Nós temos na Penitenciária Estadual de Santa Maria (Pesm), pouca gente sabe, uma fábrica de sabão. Sabão é muito importante nos presídios. Temos uma fábrica de ração para cachorro, que está se espalhando pelo Estado inteiro. Nós temos uma padaria na Pesm. Pouca gente sabe disso. Quantas pessoas estamos ajudando? Tem uma fábrica de costura masculina. Por que masculina? Porque é um presídio masculino, e temos uma oficina de costura.

Venho pensando em fazermos uma Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) feminina, de presídio feminino. Não existe presídio feminino no Rio Grande do Sul. Aí vai dizer: "E o Madre?" (penitenciária feminina em Porto Alegre). Só um pouquinho. Não existe presídio feminino no Rio Grande do Sul, o que existe é presídio masculino adaptado ao feminino. Como assim? Não existe, por exemplo, um vaso para mulher. São aqueles lá embaixo, tipo de quartel. Não é. Não existe uma cama para amamentação. Ou presa não pode amamentar? Não existe dispositivo para absorvente. A mulher que é presa tem direito.

A Constituição não é só para homem, mulher, réu, vítima. O primeiro princípio de todos é o da dignidade da pessoa. A gente tem que ter olhar para as pessoas. Nossa Constituição não pode começar no Artigo 5º e dizer que só o réu tem direitos. Por quê? Porque a vítima também não? Por que as pessoas não têm direito a um ambiente sadio? Por que as pessoas não podem ter direito a uma água sadia? Eu não consigo entender determinadas coisas. As pessoas se dirigem a outras, porque dá mídia, talvez? É uma coisa muito complexa, não podemos ter uma visão monocular, em que se valoriza mais uma caminhada em detrimento da outra.

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