Diário Explica: como soluções baseadas na natureza podem diminuir o impacto das enchentes

Caroline Souza e Tayline Manganeli

Diário Explica: como soluções baseadas na natureza podem diminuir o impacto das enchentes

Beto Albert

Rios que saem do leito. Ruas que alagam. Casas que inundam. Morros que desabam. Especialistas projetam que eventos extremos como as enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul em maio serão cada vez mais frequentes. O fato nos leva ao questionamento: o que é preciso fazer para que cenas como estas não se repitam?

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As fortes chuvas que atingiram o Estado no fim de abril e começo de maio tiraram a vida de 177 pessoas e deixaram mais de 388 mil desalojadas, além de alterar paisagens urbanas e rurais de 478 municípios gaúchos. O processo de estudo e planejamento para contenção de desastres é complexo, mas permite que os impactos de tragédias como esta possam ser amenizados e, até mesmo, evitados. É o que afirmam especialistas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que estudam sobre sistemas de drenagem pluvial.

Para o diagnóstico completo dos problemas presentes em um município, é preciso considerar a situação em quatro eixos: o funcionamento de rios, sistema de esgoto, drenagem urbana e coleta de resíduos, como explica a professora Rutineia Tassi, engenheira civil e especialista em recursos hídricos e saneamento ambiental.

– Inicialmente, o precisamos fazer é um programa de diagnóstico completo de todo esse sistema, para identificar onde estão os gargalos. Somente a partir disso pensamos na resolução deles para o cenário atual, incorporando sempre as mudanças climáticas - explica.

A concentração de pessoas se soma à alteração de paisagens ao longo dos anos e faz com que a cidade se torne vulnerável a eventos assim, argumenta o professor Daniel Allasia Piccilli, hidrólogo e especialista em águas urbanas e planos de drenagem. Para o pesquisador, é preciso pensar em soluções a curto, médio e longo prazos.

– Um plano é essencial. Porque ele vai analisar numa forma macro todo o sistema de drenagem da cidade e certificar que projetos individuais e pequenos não impactem uns aos outros. Não adianta melhorarmos a situação de um bairro X, se piorar o Y – completa.

As ideias apontadas pelos especialistas convergem em dois pontos: a criação de um plano de drenagem e controle das cheias integrado, e a aplicação de soluções baseadas na natureza, por meio do conceito de cidades-esponja.

A natureza como aliada

O conceito de investir em infraestrutura verde se baseia em soluções duradouras baseadas no que já é natural. Ou seja, uma cidade-esponja é aquela que traz a natureza de volta ao meio urbano, para deixá-la fazer o que já é sua função, desde o princípio. A ideia ganhou força com o termo criado pelo chinês Kongjian Yu, um dos maiores arquitetos do mundo.

O objetivo do conceito é tornar espaços urbanos mais resilientes a eventos climáticos. Planejar ações para que a água tenha tempo de ser absorvida naturalmente pelo solo, mas sem causar estragos. Para isso, se planeja um caminho possível de infiltração e ainda, abastecimento dos lençóis, o que facilita a manutenção do ciclo natural da água – evaporação, condensação, precipitação, infiltração.

A professora Rutineia explica que é possível aplicar ações nesse sentido em cidades como Santa Maria:

– Nada mais é que a combinação da infraestrutura verde e a cinza, que às vezes já existe na cidade, mas tem que ser adaptada. Pode perfeitamente ser aplicada aqui – afirma.

Uma das estratégias usadas para pôr o conceito em prática, é adaptar infraestruturas com áreas alagáveis, para onde a água corra sem causar destruição. Ou seja, a água recebe um destino que não a casa das pessoas. Um local seguro, onde possa permanecer até ser absorvida pela terra, a fim de recarregar os aquíferos e lençóis freáticos. Veja abaixo algumas alternativas:

Criação de áreas verdes de escape para a água

  • Projetos que preveem a criação de áreas úmidas ou parques alagáveis. Locais que em períodos de tempo seco podem ser usados para lazer e em épocas de chuva se tornam reservatórios. Conforme os pesquisadores, espaços assim são geralmente projetados em regiões mais baixas, para reduzir as chances da água atingir o nível de moradias. É como a formação de um grande açude que se alimenta de forma natural ou por canos que ajudam a escoar inclusive a água de rios.

Reconstrução da margem dos rios, córregos e arroios

  • Retirada de concreto e implementação de vegetação às margens dos cursos de água, principalmente os que correm no meio da cidade, para auxiliar na absorção de água e minimizar o transbordamento.

Jardins de chuva ou biorretenções

  • Áreas que podem ser espalhadas pela cidade e em condomínios. O objetivo é reduzir o escoamento superficial e destinar a água de calhas de prédios e casas para espaços projetados para receber um maior fluxo de água. No local pode ter plantas que auxiliam na absorção - como é o caso da bananeira.
Exemplo de jardim criado na UFSM. Beto Albert

Telhados verdes

  • Quando a estrutura do telhado é coberta por vegetação. Também dispersa o escoamento da água.

Pavimentos permeáveis

  • Os pavimentos permeáveis podem ser aplicados em edifícios residenciais, comerciais e até mesmo em calçadas e ruas. A estrutura é pensada para permitir a infiltração. Na UFSM foram projetados dois exemplos: um que se mescla à vegetação, indicado para calçadas e estacionamentos, e outro de concreto poroso, com porcentagem mínima de areia, que facilita o escoamento.
Beto Albert

Abaixo, o infográfico exemplifica uma cidade com aplicações de soluções baseadas na natureza:

Arte: Tales Trindade

Exemplos no sul do Brasil

O conceito de cidades sustentáveis já é aplicado em alguns locais do mundo, como na China e nos Estados Unidos, mas também é encontrado em cidades brasileiras. Um exemplo próximo é a cidade de Jaraguá do Sul, no norte de Santa Catarina. O município criou um parque com área de escape para a água da chuva. Em épocas com menos chuva, a população aproveita o local que tem academia, pista de skate e outras opções de lazer. Em épocas de cheia, o local inunda de propósito.

Prefeitura de Jaraguá do Sul/ Divulgação

A criação do Parque Linear Via Verde ocorreu em 2020. A ação foi recomendada pelo Ministério Público de Santa Catarina para evitar a inundação pela cheia do Rio Itapocu, que corta o município. A prefeitura limpa o local e os equipamentos, para que a comunidade volte a ocupar o espaço.  

Prefeitura de Jaraguá do Sul/ Divulgação

Planos integrados

O hidrólogo Daniel Allasia Piccilli acredita que em paralelo ao trabalho de planejamento urbanístico, também é preciso considerar a previsão, para que autoridades consigam se antecipar aos eventos:

– Tenho um diagnóstico, sei os gargalos, tenho um planejamento, mas também vou preparar a cidade para o que fazer quando tem evento extremo se aproximando. Então mapeamos as regiões, rios que vão ter extravasamento, redes de drenagem que vão colapsar e que não puderam ser melhoradas a tempo e fornecemos subsídios para a Defesa Civil em seus alertas, no planejamento da organização de evacuação – exemplifica.

Para que esse sistema funcione de forma eficaz, é necessário que se tenha um estudo prévio, o que especialistas chamam de Plano de Drenagem e Controle das Cheias. Com alternativas e possibilidades de como agir em situações extremas.

– Quais vão ser os pontos seguros, qual vai ser a área, por exemplo, de escola na crise? Onde vai ficar o posto de saúde se alagar? Não podemos ficar sem o serviço de saúde. Para onde a população do bairro X vai? – detalha.

Para auxiliar na previsão, uma das estratégias aguardadas pelos pesquisadores da Região Central é Centro Brasileiro para Previsão e Estudos de Tempestades Severas, previsto para ser instalado no campus da UFSM. O projeto é capaz de prever eventos meteorológicos extremos com até uma semana de antecedência e prevê a instalação de um radar meteorológico de grande capacidade que pode cobrir informações de cidades em um raio de 240 km.

Na terceira e última reportagem da série vamos abordar os estudos que são feitos para mapear as regiões de risco em Santa Maria e que soluções são apontadas pelos pesquisadores. 

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