Quem é César Lattes? Conheça físico brasileiro homenageado pelo Google e que dá nome à plataforma de currículos

Quem é César Lattes? Conheça físico brasileiro homenageado pelo Google e que dá nome à plataforma de currículos

Foto: Divulgação/Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas

Quem cursou o ensino superior provavelmente teve contato com a plataforma Lattes, ferramenta que reúne currículos acadêmicos de pesquisadores e professores brasileiros na base do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). O nome do sistema é uma referência ao cientista brasileiro César Lattes que completaria 100 anos de nascimento nesta quinta-feira (11). Como reconhecimento, o Google homenageou o pesquisador na página inicial. Quem acessa o buscador encontra uma foto de Lattes e a seguinte mensagem:

"Feliz aniversário, César Lattes! Obrigado por abrir caminho para a física experimental na América Latina e em todo o mundo!", felicita a plataforma.

Para além da trajetória do seu campo de pesquisa, o Lattes defendeu, durante toda a vida, a ciência no Brasil.

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Quem era César Lattes

No alto do Monte Chacaltaya, a 5,5 mil metros acima do mar, em La Paz, o jovem físico brasileiro César Lattes, de apenas 23 anos, estava, naquele ano de 1947, diante do cenário da sua mais incrível descoberta. Ele puxava o ar para respirar na altitude boliviana porque sabia que iria valer a pena.  Preparou um experimento com emulsões químicas em chapas fotográficas e conseguiu identificar partículas méson Pí, uma hipótese que estava antes apenas no campo da teoria para explicar o funcionamento do átomo.

Nota 10

César Lattes foi um jovem que, com 19 anos, formou-se em física na Universidade de São Paulo (USP). Ele ingressou no início de 1941 e terminou no final de 1943. 

– Nas disciplinas do último ano, que tinham temas mais avançados, relacionados ao que a gente chama de física moderna do século 20, associada à relatividade e aos conhecimentos quânticos, ele tirou 10 em todas as matérias –  afirma o professor Ivã Gurgel, da USP. Era raro alguém ter um desempenho desse tipo naquele curso que estava, segundo o docente, atualizado com os principais conhecimentos do que se fazia no mundo. 

Quando se formou, Lattes ficou entusiasmado ao ficar sabendo do que era feito na Inglaterra na detecção de partículas de raios cósmicos, tema que já trabalhava com seus professores Gleb Wataghin e Giuseppe Occhialini, no Departamento de Física. Em 1946, a convite de Occhialini, Lattes foi para a Universidade de Bristol, Reino Unido, com bolsa da British Council, trabalhar no laboratório de Cecil Powell na calibração das novas emulsões nucleares, um detector de partículas que era um aperfeiçoamento das chapas fotográficas comuns.

Por que não explode?

O que eles buscavam entender é como prótons (partículas com carga positiva) ficam juntos no núcleo do átomo sem se repelir. Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Antonio Augusto Videira, da área de filosofia e história da ciência, considera que esse é um problema muito importante da física nuclear na década de 30: entender como o núcleo do átomo fica coeso e o que está fazendo o papel de “cola” entre os prótons.

– As partículas mesons estavam sendo procuradas há uma década por físicos não apenas na Inglaterra, mas também nos Estados Unidos – afirma Videira. 

Foto: Divulgação/Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas

O professor da UERJ, que também é colaborador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), explica que Lattes começou rapidamente a imaginar outros processos para conhecer melhor as emulsões a fim de que os experimentos fossem mais confiáveis.

– Antes, eles não conseguiam extrair dados quantitativos. Conseguiam registrar, mas não sabiam a massa e energia do evento. O meson é como se fosse uma partícula intermediária entre o próton e o neutron.

Primeiro, ele buscou realizar o experimento no Pic du Midi, a 2.880 metros acima do nível do mar, na França, com emulsões tratadas com Boro. Mas ainda não foi o suficiente. 

– O Lattes tem a ideia de ir a uma montanha ainda mais alta, na Bolívia. Ele deixou as chapas e um mês depois voltou ao monte, recolheu as chapas e conseguiu encontrar os registros.

Revelação

Para chegar ao monte, havia uma estrutura porque lá estava um clube de esqui e era uma região que abrigava refugiados europeus que foram para Bolívia para fugir do fascismo e do nazismo durante a Segunda Guerra Mundial. 

– O governo boliviano, interessado em conhecer o clima da região, tinha instalado uma estação meteorológica. Então, havia como chegar lá.

 Lattes, então, faz a primeira revelação na antiga Faculdade Nacional de Filosofia, que era ligada ao Museu do Brasil. 

– Ele ficou muito animado. Chegou a dar um seminário aqui sobre isso. anunciando que as chapas que havia exposto na Bolívia tinham resultados positivos. Depois, voltou para a Inglaterra, e a equipe percebeu muitos eventos. Eles acabam publicando trabalhos que vão ser conhecidos e que vão confirmar a existência do meson. Esses resultados vão beneficiar Cecil Powell, em 1949, que era o chefe laboratório em Bristol.

Antonio Augusto Videira explica que pesquisadores brasileiros buscam entender por que o prêmio não foi para Lattes. 

– Ele acabou não ganhando o Prêmio Nobel por uma série de razões. Ele foi indicado sete vezes para o Prêmio Nobel e acabou não ganhando.

Nos anos seguintes, as pesquisas de Lattes passam a ficar conhecidas e a ter destaque na imprensa. 

Luta pela ciência

Segundo o professor Ivã Gurgel, da USP, César Lattes foi convidado para trabalhar em institutos e universidades de várias partes do mundo, mas resolveu voltar para o Brasil. E ele passa a não somente defender os temas da física, mas se juntar a outros pesquisadores para exaltar a necessidade de investimento na ciência. 

– Eles queriam, por exemplo, obter o chamado tempo integral para os professores, que hoje em dia a gente chama de dedicação exclusiva.

Lattes fez carreira também na USP e Unicamp depois de voltar ao Brasil. O contexto daquele final dos anos 1950 ajudava no convencimento. 

– Todos os eventos que aconteceram durante a 2ª Guerra foram por avanços científicos e tecnológicos. Mostraram a importância que a ciência tinha para a segurança de um país, não apenas para a segurança, mas para o desenvolvimento econômico, social e cultural – diz Videira. 

Nesse contexto, deu-se a criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por exemplo. 

– Eles não pensavam apenas na física. Para que a física pudesse se desenvolver de forma positiva, ela precisava de químicos, de engenheiros de diversas áreas, ela já precisava de matemáticos – afirma o pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, entidade também criada em 1949.

Para o pesquisador, isso aconteceu de forma muito rápida e intensa, levando em conta que as comunicações ocorriam por cartas e telefonemas, com dificuldades. Segundo os professores entrevistados, a história de César Lattes deve inspirar os mais jovens. O professor da USP Ivã Gurgel testemunha que, mesmo com os alunos na graduação, há quem não conheça quem foi o pesquisador. A trajetória do homem que resolveu defender a ciência poderia, de acordo com Antonio Videira, ser exemplo, porque Lattes demonstrava ideais nacionalistas. 

*Com informações da Agência Brasil

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