Entrevista

Filho de prêmio Nobel de Economia defende a redução do papel dos governos

Deni Zolin


Foto: Deni Zolin (Diário)

O economista norte-americano David Friedman, que defende o chamado anarcocapitalismo, acredita que o Estado deveria assumir o mínimo de funções, pois avalia que a iniciativa privada faz isso melhor. Filho do Nobel de Economia Milton Friedman, ele esteve em Santa Maria para uma palestra promovida pelo Clube Farroupilha e concedeu uma entrevista exclusiva ao Diário. David falou também sobre saídas para a crise do nosso Estado. 


Diário - O Rio Grande do Sul teve déficit em 36 anos dos últimos 40 anos e, agora, não tem dinheiro para pagar os salários em dia. Qual sua avaliação sobre isso e que soluções o Estado poderia tomar?

David Friedman - Eu não conheço a situação do Rio Grande do Sul, mas parece óbvio que o Estado terá que gastar menos ou cobrar mais impostos, e eu acho que a maioria das pessoas vai preferir que gaste menos, já que elas não gostam de pagar mais impostos. Mas, por exemplo, alguém me contou que se você quer abrir um restaurante aqui, você precisa obter licenças do governo federal, do Estado e do município. Me parece que só duas delas são o necessário. Uma coisa que vocês poderiam fazer é abolir as licenças estaduais e, então, demitir empregados do Estado, e vocês poderiam olhar, em geral, que atividades que o Estado faz e que não há um motivo muito bom para fazer. E então parar de fazer essas atividades e economizar dinheiro.

Diário - Aqui, o Estado cobra 18% de impostos sobre consumo, e há outros impostos. Quais seriam os benefícios de reduzir as taxas sobre o consumo, assim como nos EUA, onde alguns Estados não cobram imposto de consumo? 

Friedman - O benefício óbvio é que, se você não paga impostos, então os produtos não vão custar tanto. Assim, as pessoas podem comprar mais. Mas a questão real é "pessoas compram coisas porque decidem como gastar seu dinheiro" ou "pessoas compram coisas, mas têm seu dinheiro tomado pelo governo, que decide como gastá-lo"? O jeito mais comum é que as pessoas são melhores para gastar o dinheiro das outras pessoas. Então, há uma regra e é melhor deixar o dinheiro para que as próprias pessoas gastem. Mas, com certeza, há gente no governo que diz que é importante que o dinheiro passe pelas mãos deles. Eu não sei se é mais impopular não pagar os salários ou demitir alguns deles. Parece que essa é a sua escolha. Então, parece estranho fazer isso, mas primeiro seria reduzir o que facilmente pudesse ser reduzido, e você poderia equilibrar seu orçamento, e depois ver outras coisas que você pudesse reduzir, como impostos, para que as pessoas pudessem ter mais dinheiro para gastar para si mesmas.  

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Diário - Por que o senhor defende liberdade de mercado e uma sociedade com pouco ou nenhum governo?

Friedman - Porque acredito que, de novo, há duas maneiras. Todas as sociedades enfrentam o mesmo problema: como você coordena as pessoas. Se eu quero fazer um carro, alguém vai fazer o aço que eu preciso, e alguém fará a borracha. É um problema muito complexo coordenar 200 milhões de brasileiros. Há duas soluções para esse problema, e uma delas não funciona. A solução óbvia é alguém no topo falando às outras pessoas como fazer. Isso funciona em uma escala pequena de coordenação, em uma empresa com um patrão e três empregados. Mas quanto maior o projeto, mais difícil é controlar lá de cima, porque você precisa ter informação debaixo até o topo, instruções de topo até embaixo, e pessoas do topo incomodando as demais para obedecer essas instruções. E quando você fala de 200 milhões de pessoas, isso funciona muito mal. É por isso que, em geral, a União Soviética não funcionou. O outro jeito é o menos óbvio, em que cada pessoa fica com uma pequena parte do problema. Com sua vida, você aprende um jeito de coordená-la, e o jeito que você a coordena faz o mercado definir o preço. Se minha empresa quer produzir um carro, e não há aço o suficiente, o preço do aço sobe. Agora, as empresas de aço sabem que precisam fazer mais aço, as pessoas que consomem aço sabem que devem usar menos porque está mais caro, e isso segue acontecendo até que a quantidade de aço produzida se iguale à quantidade que eu preciso. Esse é um sistema descentralizado de coordenação muito complicado, e não há outro grande sistema que funcione tão melhor. Sou a favor de qualquer possibilidade de empurrar as decisões dos sistemas centralizados dos governos para os sistemas descentralizados. Hoje, os sistemas descentralizados não são perfeitos, porque às vezes, eu tomo a decisão e você paga o custo. Por exemplo, eu queimo carvão e há muitas pessoas que sofrem com isso, com pessoas tossindo por causa do ar poluído. E às vezes, eu suporto o custo e você o benefício. Então, o mercado não é perfeito, porque as pessoas tomam ações que fazem outras pessoas suportarem os custos e elas receberam os benefícios. Isso às vezes acontece no mercado privado, mas sempre acontece no sistema político. No sistema político, se você vota em alguém, a maioria dos custos é bancada por outras pessoas. Se um legislador aprova uma lei ruim, o legislador não é quem perderá dinheiro, então por meio do sistema político, pessoas tomam decisões para outras pessoas suportarem os custos. Essa é a resposta curta, mas se vocês, leitores, quiserem a resposta longa, podem ler meu primeiro livro que está de graça em www.daviddfriedman.com.  

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Diário - Por que, na sua opinião, polícia, Judiciário e educação deveriam ser mantidos pelo sistema privado?

Friedman - Não há argumentos para o governo prover educação. Em muitas sociedades, eles não fazem isso. Em muitos países até mais pobres que o Brasil, você tem governos mantendo escolas tão ruins que até as pessoas mais pobres vão para escolas privadas muito baratas. Algumas pessoas vivem em cidades na Índia e na África onde você tem escolas públicas em que, na metade dos dias, os professores nunca aparecem e, no fim das contas, as próprias crianças têm de ensinar umas às outras. E então você tem escolas particulares muito baratas onde os pais mandam seus filhos. Assim como há bons motivos para os governos comandarem as escolas, há também bons motivos para eles não as administrem. E é o mesmo motivo que o governo não deve comandar os jornais. Se o governo manda nos jornais e imprime os livros, ambos só vão dizer coisas que o governo quer que sejam ditas. Se o governo comanda e ensina nas escolas, elas só vão ensinar aquilo que o governo quer. Isso é um sistema péssimo. Então, eu diria que ensinar seria a última coisa que você deveria querer que o governo fizesse. Polícia e Justiça é um problema mais difícil e eu debato em outro livro. Por exemplo, essas questões relativas a empresas e arbitragem de negócios internacionais são mais frequentemente reguladas pela arbitragem privada do que em cortes do Poder Judiciário. As empresas aceitam determinado árbitro privado e elas vão aceitar e manter esse acordo porque elas têm uma reputação.

  Diário - O livre mercado tem várias vantagens, mas seria certo deixar peixes (pequenas empresas) nadando num tanque de tubarões (grandes empresas) sem regras governamentais? 

Friedman - Já estamos vivendo hoje num tanque de tubarões. O que deixa um tubarão perigoso é se ele tem dentes que podem te morder. Apple Computer é uma companhia muito grande e ela não tem dentes para me morder. Eles só podem pegar meu dinheiro se eu decidir gastá-lo com a Apple. O estado da Califórnia tem dentes que podem me morder, pois ele pode dizer para mim que, se eu quero ficar em minha casa, eu preciso pagar mais imposto de propriedade por ela. Então, eu acho que o problema está menos em estar em um oceano cheio de tubarões e muito mais na política, onde pessoas que têm poder político podem fazer coisas por você. E se você olhar, não no Brasil ou nos Estados Unidos, mas há países onde as coisas foram muito mal, como URSS e Camboja, onde os governos mataram milhões de pessoas de seu próprio povo. Eles são os tubarões, eles têm o poder. Você não vê empresas privadas matando pessoas.

Diário - Hoje, Tesla, Uber, Airbnb, Google e empresas de tecnologia estão tomando conta do mundo e mudando a economia. O que o senhor vê para o futuro dos empregos e das empresas tradicionais? 

Friedman - Eu não sei. Prever o futuro é muito difícil. Eu tenho outro livro sobre o futuro, que se chama "Futuro e Perfeição", que vocês podem ler no meu site. Mas eu diria que as coisas vão mudar muito nas próximas décadas, e eu não sei como, porque há diferentes maneiras em que pode haver a mudança. Mas eu penso que coisas como Uber e Airbnb são casos em que você terá mais descentralização do mercado privado, e provavelmente o caso que eu percebo mais isso é na publicação de livros. Há 30 anos, costumava ser assim. Você escrevia um livro e não conseguia uma editora, você poderia você mesmo publicá-lo e o termo para isso era vanity press, porque todo mundo sabia que você poderia pagar para a editora, mas ninguém na verdade iria comprar seu livro. Hoje em dia, você pode publicar seu próprio livro, isso não custa quase nada, menos ainda se publicar para o Kindle, você mesmo publica seu livro e o disponibiliza na Amazon e todos no mundo inteiro podem comprá-lo. E o resultado é um aumento da leitura de livros e de pessoas comprando livros com poucas companhias decidindo que livros devem ser publicados. Estamos num mundo em que as pessoas decidem que livros devem publicar e os leitores vão decidir quais livros vão querer ler. Esse é um caso em que você terá uma descentralização e redução da mediação. Não haverá uma empresa entre o escritor e o leitor. Isso é o que está acontecendo com Airbnb, com o Uber está acontecendo parecido, porque há uma empresa entre as pessoas, mas a empresa não está contratando as pessoas, nem agendando corridas, pois as pessoas estão fazendo isso entre elas mesmas. Um movimento que vamos ver em muitas áreas é essa descentralização, mas não em todas. Eu não penso que haja uma maneira de construir carros que não envolva uma grande empresa, por exemplo.

Diário - Haverá muitas oportunidades, mas um grande desafio para o emprego. 

Friedman - Obviamente, se você é um motorista de táxi, você não vai gostar do Uber. Se você é alguém que quer fazer dinheiro sem precisar ter uma licença de táxi, você gostará do Uber. E se você é uma pessoa pobre, você gosta do Uber, porque ao menos nos Estados Unidos, Uber vão a lugares que os taxistas não querem ir. E Uber cobra um preço que pessoas pobres conseguem pagar e os táxis não. Há sempre ganhos e perdas, mas isso pode ser verdade em qualquer lugar. Nos EUA, 120 atrás, metade das pessoas eram agricultores. Hoje, são uns 3%. Isso não significa que o restante está sem emprego. O que aconteceu é que o desenvolvimento de tecnologias fez as pessoas saírem das fazendas e as liberou para fazer outras coisas. Então, não há motivo para achar que as atuais mudanças vão deixar uma massa de pessoas sem emprego, mas que as pessoas terão de mudar seus empregos. Isso sempre aconteceu.

Diário - Qual a melhor lição que o senhor aprendeu de seu pai, o prêmio Nobel de Economia Milton Friedman? 

Friedman - Uma coisa que tenho orgulho é que eu passei muito tempo da minha vida debatendo com meu pai. E ele nunca me disse "estou certo porque sou mais velho", mas dizia "eu estou certo por essa razão ou por aquele motivo". É assim que procuro criar meus filhos. Eu não falo "você não deve fazer isso porque eu estou dizendo", mas digo "você deve fazer isso por esse bom motivo."

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