Política

Delegado que iniciou Lava-Jato diz que a corrupção é pior que o tráfico

Ao abrir o inquérito policial 1041, em 8 de novembro de 2013, para investigar a atuação de um doleiro na lavagem de dinheiro de um ex-deputado, o delegado Márcio Adriano Anselmo não imaginava que a apuração de um crime de evasão fiscal desencadearia em uma das maiores operações de combate à corrupção da história do país. 

O doleiro era Carlos Chatter, dono de um posto de combustível em Brasília (ponto de partida da Operação Lava-Jato), ligado a outro doleiro, Alberto Yousseff, este coincidentemente natural de Londrina (PR), mesma cidade natal do delegado, e o político, o ex-deputado federal José Janene (PP-PR), morto em 2010.

No rastro do dinheiro ilícito dos negócios de Janene – R$ 1,4 milhão –, Anselmo e uma equipe de mais três agentes chegaram à ponta de um esquema que desviou bilhões dos cofres públicos, atingindo diretamente a Petrobras, maior estatal brasileira, políticos de vários partidos (entre eles PT, PP, PMDB e PSDB) e empreiteiros responsáveis por grandes obras. 

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Com a chegada ao nome de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, começava-se a descobrir um esquema muito maior. Nascia a Lava-Jato, que já condenou empresários e políticos, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sentenciado em primeiro instância.

– Sempre houve corrupção e sempre se ouviu que empresários pagavam propina a agentes políticos, mas nunca se soube a dimensão disso, nem se imaginava que a corrupção estava tão impregnada na máquina pública – comenta Anselmo, que palestrou na noite da última quarta-feira, no Itaimbé Palace Hotel, no 5º Debate Jurídico promovido pela Faculdade de Direito de Santa Maria (Fadisma), pelo Diretório Acadêmico do Direito da instituição e pela empresa BMR Eventos.

Desligado da Lava-Jato desde março deste ano, Anselmo é corregedor-geral da PF no Espírito Santo. Outra coincidência: seu chefe, o superintendente da PF no Estado, é o delegado Ildo Gasparetto, que comandou a PF em Santa Maria e, em 2007, deflagrou no Rio Grande do Sul a Operação Rodin (fraude envolvendo o Departamento Estadual de Trânsito, empresas e as duas fundações de apoio da UFSM – Fatec e Fundae, e professores da instituição).

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SURPRESAS

Para Anselmo, o grande trunfo da Lava-Jato foi demonstrar aquilo que só se ouvia falar, e colocar atrás das grades parte da elite do poder político e econômico. 

Em março, Anselmo assumiu a Corregedoria da PF no Espírito Santo, onde é chefiado por delegado que passou por Santa Maria Foto: Lucas Amorelli / New Co DSM

O futuro das investigações preocupa o delegado, mas ele tem esperanças, assim como os brasileiros honestos, de que haja uma depuração na relação entre políticos e empresas.

– Não paramos de ter surpresas, e ainda tem toda a questão do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e outros casos pontuais. Mas ainda não surgiu o efeito corretivo – observa Anselmo.

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O delegado elogia o juiz federal Sergio Moro, que ele considera ¿extremamente preparado e célere, com conhecimento muito bom e com postura¿, mas acredita que sem a conscientização do eleitor de pouco adiantará o trabalho feito até agora. 

Para o delegado paranaense, a corrupção ¿é muito mais danosa que o tráfico de drogas, embora não tenha uma vítima direta dos seus prejuízos¿.

– Na corrupção há uma vítima difusa, mas pelos valores gigantescos desviados de obras públicas e outras ilicitudes é que falta leito nos hospitais e que não temos escolas.

 A corrupção mata – afirma, repetindo a frase final na palestra: ¿Ela (corrupção) tem relação direta com a falta de leitos nos hospitais, com a falta de escolas¿.

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Diário de Santa Maria – Quando o senhor comandou a primeira investigação que levou ao surgimento da Lava-Jato, era possível imaginar que a operação chegaria onde chegou?

Márcio Adriano Anselmo – A operação começou com um caso específico, de investigação de um doleiro, que era o Carlos Chatter, investigado por lavagem de dinheiro e evasão de divisas, crimes contra o sistema financeiro. 

Mas ninguém imaginava que se chegaria a um esquema envolvendo cifras bilionárias de uma empresa estatal comandado por grandes empreiteiras e agentes políticos influentes. 

A cada dia um fato novo surgindo, mostrando as estruturas do submundo da corrupção. De repente tudo aquilo que a gente ouvia falar, de que empresas pagavam propina a políticos para ganhar licitações, fazer obras, ia se confirmando.

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Diário – Em que momento, a PF se deu por conta do tamanho do esquema que estava investigando?

Anselmo – Quando surgiu o Paulo Roberto Costa (ex-diretor da Petrobras preso em março de 2014), vimos que o esquema era bem maior, havia chegado na Petrobras, a maior e mais simbólica estatal brasileira. 

Corrupção sempre existiu no Brasil, mas esse talvez seja o maior esquema de corrupção da história porque envolve agentes poderosos, empreiteiras poderosas e bilhões em recursos desviados. E tudo a partir da investigação da atividade de um doleiro.

Diário – A que se deve a transformação da Lava-Jato na maior operação de combate à corrupção da história do país? As delações contribuíram para isso?

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Anselmo – Ela começou com uma base bem-feita, atuando na lógica inversa do caminho do dinheiro, começou pelos doleiros e suas atividades. 

Quanto às delações, elas só começaram a ocorrer porque já existiam provas robustas das atividades ilícitas. 

As delações foram importantes e não teríamos chegado aonde chegamos sem elas, mas a delação por si só não serve para nada porque nenhum criminoso vai fazer uma delação, a confissão de um crime, por altruísmo, mas sim para obter os benefícios do instituto da colaboração premiada, entre eles a redução de penas.

Para o delegado Márcio Adriano  Anselmo, a corrupção mata: "Por causa dela faltam hospitais e escolas de qualidade" Foto: Lucas Amorelli / New Co DSM

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E para isso é preciso ter muita investigação, seguir o caminho do dinheiro até se chegar ao seu destino final.

Diário – Até que ponto a pressão popular e o apoio à PF, ao MP e ao Judiciário ajudaram as investigações a se consolidarem?

Anselmo – É evidente o papel da população e da imprensa, divulgando os casos que a toda hora surgiam, e também à implantação do processo eletrônico no Tribunal Regional Federal, que tornou tudo mais célere.

Diário – O futuro da operação está ameaçado?

Anselmo – É importante que continue esse apoio, eu espero que não mude. Os agentes políticos têm, logicamente, como inviabilizar qualquer operação, atacando o orçamento, por exemplo.

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Diário - O senhor não parece muito otimista.

Anselmo – Esperança todo mundo tem, mas depende da população, depende de todos nós. Pela primeira vez se colocou na cadeia agentes corruptos, e a corrupção mata. 

Ela tem relação direta com a falta de leitos, com hospitais lotados, com a falta de escolas.  

Ou seja, a gente é vítima quando não tem hospital público nem educação de qualidade. Enquanto tivermos foro privilegiado para políticos, enquanto houver impunidade, pouco vai adiantar. 

Parece não ter surtido um efeito corretivo com tudo o que estamos vendo ainda.

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