Reportagem especial

Os desafios que os próximos governantes terão para melhorar a saúde na região

Pâmela Rubin Matge

Foto: Gabriel Haesbaert

Por volta das 10h da manhã da última quarta-feira era possível ouvir os próprios passos dentro do Hospital Regional Centro em Santa Maria. Descrito pela dona de casa Teresinha de Freitas Nardo, 52 anos, uma das poucas pacientes a serem atendidas naquele dia, o espaço é claro, amplo, bonito e sem o vaivém frenético da maioria dos hospitais. A contemplação de Teresinha foi interrompida quanto questionou a manutenção do gigante, mas ainda moroso complexo hospitalar. A propósito, complexa também será a situação para o próximo governador diante do cenário da saúde na região central do Estado. Com base nas pesquisas sobre os problemas que mais preocupam os brasileiros, até de 23 de setembro, o Diário traz uma série abordando esses temas em Santa Maria e região, além do drama das contas públicas do Estado e o que aguarda os próximos governantes. Neste fim de semana, a primeira reportagem mostrará um panorama da saúde .

OS DESAFIOS NA REGIÃO

O caso do Hospital Regional é um dos que mais preocupa, já que a estrutura de área total de 20 mil m² e custo da obra de 70 milhões é mantida pelo Estado e administrada pelo Instituto de Cardiologia. Ocorre que o funcionamento pleno só tem previsão de ocorrer daqui 20 meses e apenas um, dos três ambulatórios - o de especialidades em doenças crônicas - está aberto. O custo para abertura e manutenção deste espaço é de R$ 17.389.335,90, mas, apenas o primeiro repasse, no valor de R$ 5,7 milhões, foi liberado.

- Foi o melhor hospital que já entrei e já fui em vários. Os médicos se preocupam com a gente. Acho que faltava um restaurante lá dentro. Tomara que não feche e vingue, né? Parece que não tem movimento. Dia 24 volto para fazer uns exames em um hospital particular, mas quem vai pagar é a prefeitura - relatou Teresinha, que saiu de Jaguari para o tratamento de diabetes.

Para sua primeira consulta, Teresinha saiu de Jaguari às 5h e só retornou às 19h. Veio com um ônibus da prefeitura, que transporta pacientes a outros municípios.

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Situações semelhantes se repetem com pacientes de várias cidades que procuram, no Coração do Rio Grande, atendimento de média e alta complexidade. O Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) e a Casa de Saúde são endereço. O primeiro está com as obras de conclusão de uma central de UTI paralisada e, há sete anos,e spera pelo funcionamento de um equipamento de ressonância magnética. O segundo, cujo foco são os serviços de obstetrícia e traumatologia, convive com atraso nos repasses do governo do Estado:

- Recebemos menos que a demanda e o recurso é insuficiente. No ano passado, de setembro a novembro foi um período crítico por conta dos atrasos salariais. Nosso desafio é manter a qualidade dos serviços para comunidade - diz Rogério Carvalho, administrador da unidade.

UM RAIO X NAS PRINCIPAIS NECESSIDADES

Cidades como São Pedro do Sul, Faxinal do Soturno e Santiago acumulam demanda de outros municípios para atendimentos em algumas especialidades ou mesmo de urgência e emergência, já que 14 cidades não têm nem sequer hospitais e, ainda que atenção básica funcione, em todas, as queixas se repetem: falta de especialistas, demora por exames, falta de leitos.


Na maioria delas, a média e alta complexidade oferecida pelo SUS padece dos mesmos sintomas: quando o sistema falha se recorre à Justiça como última saída para quem luta pela vida. E, independentemente da população - 14, dos 39 municípios têm menos de 10 mil - o diagnóstico é o mesmo: a receita a pagar é alta, e os investimentos em saúde baixos.

Roberto Schorn, delegado da 4ª Coordenadoria Regional de Saúde (4ª CRS), que atende a 32 municípios, argumenta que o Estado vem desenvolvendo a Planificação da Atenção Primária à Saúde (PAPS) que prevê mudanças nos processos de trabalho de profissionais que compõem as equipes assistenciais e de gestão. Em relação aos investimentos, Shorn não quis se manifestar:

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- Estamos permanentemente trabalhando nos municípios através de capacitações e treinamentos aqui na 4ªCRS e com visitas técnicas às unidades de saúde. 17 municípios já fizeram a planificação,13 estão iniciando e dois optaram em não fazer: Agudo e São Martinho da Serra.

A maioria dos gestores municipais reclamam do panorama da saúde. O prefeito de Santiago, Tiago Gorski, menciona que, isoladas, as capacitações são solucionam o problema. Diz que a diminuição de repasses de órgãos estaduais e federais onera para os municípios da região, os quais precisam descentralizar os serviços:

- Isso envolve logística, eleva o custo em transporte e o desgaste das pessoas que estão doentes. Sem falar da dificuldade do acesso a leitos e aos especialistas. Eu não conheço um cardiologista que atenda pelo Estado. O SUS é muito bom, porém, os entes precisam fazer sua parte. O paciente não mora no Brasil ou no Rio Grande do Sul, mora em Santiago, em Jaguari... e é na porta das cidades que as pessoas vão bater.

Médico sanitarista, pesquisador da Fiocruz e ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão salienta que os desafios são imensos em virtude do cenário de corte de recursos financeiros que vem sendo implementado pelos governos. Ele assinala que é necessário um forte fortalecimento e expansão da Política de Atenção Primária em Saúde por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF). Ao Diário, o pesquisador ainda se posionou contrário aos planos de austeridade, isto é, planos que exigem rigor no controle ou corte de gastos, e salientou que a realidade as 39 cidades da região, apesar das suas peculiaridades, são um reflexo de todo país:

- Essa situação (Santa Maria e região) é comum a muitos Estados: estrutura física da rede que deixa a desejar, obras inacabadas, falta de recursos para ampliação da rede, aumento do tempo de espera por cirurgias, falta de leitos, sofrimento e mortes evitáveis. A austeridade faz mal à saúde.

COMPROMETIMENTO DO SUS ENCARECE AS CONTAS


Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

Por melhor que seja a administração, gerir as contas e assegurar a qualidade dos serviços de saúde com pouco dinheiro é difícil e arriscado. No início deste mês, um estudo realizado pela equipe de Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e encaminhado ao Ministério das Relações Exteriores cobrou que o Brasil reveja seu programa econômico. O texto do documento destaca que cortes em programas sociais e restrições orçamentárias estão agravando desigualdades e penalizando os mais pobres, além de criticar a aprovação da Emenda Constitucional 95 de 2016, uma iniciativas do governo federal, que limita o crescimento de gastos por 20 anos.

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Ainda que não esteja na mão do futuro governador decidir a fatia orçamentária que chega ao Estado, cabe a ele, administar e destinar no mínimo 12% da arrecadação tributária à saúde, buscar representatividade e articulação no âmbito federal e criar suas próprias políticas, bem como garantir a sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS).

-A saúde é um poço sem fundo, não há recurso que chegue. A demanda é sempre maior, principalmente, para nós que somos referência em oftalmologia e atendemos 34 cidades. No caso de outros especialistas e exames mais complexos, apelamos para convênios e tiramos da conta do município, o que o Estado não cobre - diz o secretário de Saúde de Faxinal do Soturno, Lourenço Domingos Moro.

O médico sanitarista e pesquisador da Fiocruz, José Gomes Temporão propõe a derrubada da EC 95 e elenca (ao lado) , algumas das prioridades dos representantes políticos.

- No RS, cerca de 20% da população é coberta por planos e seguros de saúde, mas há heterogeneidade entre as regiões. Sem a derrubada EC 95 e com a ampliação dos gastos públicos, a situação irá piorar. Precisamos de uma reforma fiscal e tributária séria, que permita alocar mais recursos para as políticas públicas que impactam diretamente na saúde - defende Temporão.

O QUE CABE EM CADA UM

  • Deputados e senadores - Priorizar o SUS, o que não vem acontecendo. São eles os responsáveis pela aprovação da EC 95 que congela os gastos públicos com políticas sociais por 20 anos, o que já vem sendo denunciado no país e no Exterior como motivo para o recrudescimento da mortalidade infantil e materna, para o retorno de doenças imunopreveníveis e para a fragilização das redes de proteção social, principalmente para os mais pobres. Deputados e senadores devem optar por cargos técnicos a indicações políticas
  • Governador - O papel central é colocar o fortalecimento do SUS como "A" bandeira central da política estadual
  • Presidente - Além do papel de liderança e do trabalho nos programas, é preciso inovar no desenho de estratégias para integração das políticas que impactem diretamente na saúde como saneamento, habitação, questão urbana, segurança, alimentação e geração de renda
  • * Por José Gomes Temporão - Médico Sanitarista e pesquisador da Fiocruz

Comitê é criado para evitar que saúde vire caso de Justiça


Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

A Defensoria Pública de Santa Maria tem ajuizado um número expressivo de ações judiciais voltadas ao atendimento da demanda de saúde. Conforme a defensora pública Raquel Dorneles Loy, em relação a medicamentos foram ajuizadas, apenas em 2018, 191 ações, uma média de 24 ações por mês. Se não considerarmos sábado, domingos e feriados, todos os dias, pelo menos uma pessoa, recorre à Justiça para ter acesso a remédios. Esse número não leva em conta solicitações como internações e transferências de hospitais.

Diante desse aumento, representantes de cidades vinculadas à Associação dos Municípios da Região Centro do Estado (AM Centro) estão criando, desde junho, o Comitê Regional de Judicialização da Saúde. O órgão visa compreender como se dão os processos de judicialização, verificar as causas, tornar mais efetivo o atendimento administrativo que evite ter de recorrer à Justiça. Raquel atuará como coordenadora do grupo.

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- A demanda judicial encarece o serviço. É um prejuízo para todo mundo, pois acaba saindo do cofre público um valor mais alto para um mesmo medicamento, que seria mais barato, sem acessar à Justiça - explica a defensora.

Raquel esclarece que, na área da saúde, o ajuizamento de ações ocorre toda vez que um cidadão comprove que tem uma necessidade não atendida pelos entes públicos a quem a Constituição Federal destina esse papel.

Presidente da AM Centre prefeito de Santiago, Tiago Gorski informa que o comitê fará um levantamento completo de dados para analisar a situação em cada município da região:

- Só em Santiago gastamos cerca de R$ 700 mil por ano em judicializações. É um recurso do orçamento, que planejamos para investir em outras atividades e, da noite para o dia, chega uma demanda que deveria ser paga pelo Estado, mas que bloqueia esse valor do município. É algo injusto.

A SAGA DOS PEQUENOS MUNICÍPIOS

Sem hospital em São Martinho da Serra, a agricultora Adriana Lima de Oliveira, 51 anos, fazia nebulizações e recebia remédios direto da unidade de sáude do município. Uma gripe evoluiu para uma infecção respiatória. A única alternativa de tratamento foi buscar o Hospital Universitário de Santa Maria (Husm), o maior do interior do Estado a atender 100% pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e receber pacientes de 44 municípios das regiões Centro, Fronteira-Oeste e Nordeste.

Longe de casa, Adriana precisou fazer uma cirurgia pulmonar e ficou 19 dias internada no superlotado Pronto-socorro (PS) do hospital.

Na tarde da última quarta-feira, quando recebeu alta, o PS, que dispõe de 24 leitos e 19 macas, seguia com pacientes além de sua capacidade: 61

- Primeiro fiquei em uma maca, naqueles dias mais rigorosos deste inverno. Depois conseguiram uma cama. A gente sabe que não é culpa dos profissionais, que fazem tudo o que podem. Mas é absurdo não termos hospital na nossa cidade e chegar aqui e ver toda essa gente em uma situação parecida - lamenta a agricultora.

 Enquanto esteve internada, o irmão e o marido de Adriana se revezavam para acompanhá-la. Passavam as noites em uma cadeira, também no corredor do PS do Husm.

A saga de Adriana é rotina para centenas de outros pacientes da região, conforme relata a secretária de Saúde São Pedro do Sul, Deisy Doeler. O município onde é gestora é referência, sobretudo, em consultas de ginecologia e traumatologia, para quatro pequenas cidades que não têm hospital, tampouco especialistas: Jari, Toropi, Quevedos e Dilermando de Aguiar. Já a construção de um bloco cirúrgico no hospital de São Pedro, encampada pelo Estado, ficou parada três anos. Foi por meio de emendas parlamentares e de 70% de investimentos municipais que o serviço deve ser concluído até setembro:

- Estamos limitados financeiramente e a situação é cada vez mais triste. Temos gastos com exames e transporte. Pacientes doentes precisam correr estrada pelo Estado todo em busca de um atendimento digno. Muitos, já perderam a vida nessas esperas. Isso é reflexo de uma política de Estado que prioriza os grandes hospitais, enquanto os pequenos ficam sempre relegados.

Deveres do Estado e da União

Uma das mais importantes obras do Husm, que já deveria estar pronta há quatro anos, parou. É a nova Central de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), que aguarda um processo lictatório previsto somente para 2019. Isso porque o último contrato entre a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e a empresa responsável pelos serviços foi rescindido em junho.

Outra situação reflete a burocracia e, por vezes, a inoperância que pune a saúde pública. Um aparelho de ressonância magnética ficou quase sete anos parado.

A promessa é que funcione a partir de setembro deste ano. A determimação é do Ministério Público Federal (MPF), que deu 30 dias, a contar de 8 de agosto, para que o equipamento, que custou R$ 1,6 milhão, operasse. Enquanto o aparelho não era usado, o Husm comprou a cota dos exames na rede particular do município. Desde 2001, conforme a Controladoria-Geral da União (CGU), o hospital teve de desembolsar R$ 8,3 milhões.

A maioria dos entraves do Hospital Universitário envolve a esfera federal, mas há as que passam pelo Estado. Os leitos de retaguarda, por exemplo, são uma tratativa junto à 4ª Coordenadoria Regional de Saúde (4ª CRS). O objetivo é que esses leitos internem pacientes estabilizados, melhorando o fluxo de atendimento e diminuindo a superlotação. O serviço está ativo desde novembro de 2017, mas longe de ser uma solução.

- Ainda é muito paciente e o Estado está em atraso com os repasses referentes aos leitos. Outro problema é que tudo mandam para o Husm. Tem municípios que não fazem um teste de hemograma e mandam para nós. O Estado tem de assumir as responsabilidades - diz o médico responsável pelo Pronto-socorro do Husm, que também é diretor-Técnico da Casa de Saúde, Vivakanand Satram.

O Diário tentou contato com a superintendência do Husm. Por meio da assessoria de comunicação, foi informado que, conforme orientação do governo federal, está vetada a manifestação pública dos gestores durante o período eleitoral.

AS PROMESSAS

Na próxima quarta-feira, o Diário candidatos a governador do Estado irão falar das propostas para o enfrentamentos dos principais problemas da região e de como pretendem sobreviver aos sintomas de uma saúde que anda doente e perpassa diferentes gestões com imperceptíveis sinais de cura.

REPORTAGEM

Produção e textos - Pâmela Rubin Matge
Fotos - Gabriel Haesbaert
Levantamento - Gilson Alves

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