Reportagem especial

Onde estão os 135 prédios que estão na lista do tombamento provisório em Santa Maria

Pâmela Rubin Matge


Pode ser na rua em que você mora.
Pode ser onde você trabalha
Por ser naquela rua por onde você passa todos os dias.
Erguidos na área central de Santa Maria, 135 prédios com valor histórico entraram para a lista de imóveis protegidos de demolição e foram incluídos em um processo de tombamento provisório. O relatório foi protocolado pelo Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural (Comphic) no dia 27 de julho.

A reportagem especial do Diário deste fim de semana faz um panorama dos fatos que antecederam a emissão deste relatório e as futuras medidas da cidade relativas ao patrimônio. E mostra onde estão localizados as edificações em 23 ruas da área central da cidade:



A lista foi motivada pela lei do novo Plano Diretor, sancionada no mesmo dia e que determina as regras de planejamento e construção urbana de Santa Maria pelos próximos 10 anos. Também no dia 27, foi assinado pelo prefeito Jorge Pozzobom, o decreto 84/2018, que regulamenta a Lei 3999-96, a "Lei do Patrimônio", vista por algumas entidades ligadas à conservação e memória da cidade como uma legislação defasada.

O decreto permitiu que essa lista validasse o tombamento provisório, por tempo determinado, daquelas edificações e trouxe esclarecimentos que a Lei 3999-96 não abordava, seja em relação aos proprietários do bem, ao Comphic e à prefeitura, bem como os prazos que precisam ser cumpridos.

- Foi necessário pedir de forma emergencial (a proteção dos 135 imóveis), pois havia risco de perda pela desproteção que a mudança do Plano Diretor trouxe. Agora, com calma, os processos serão analisados conforme a necessidade. Regularizar essa situação também é um entendimento positivo para quem tem imóvel histórico. É preciso dar incentivo, pois ter um bem não pode ser um fardo para esses proprietários - avalia o presidente do Comphic, Francisco Queruz.

A desproteção que Queruz se refere é pelo fato de o Plano Diretor anterior exigir que qualquer intervenção em bens na Zona 2 - o centro histórico da cidade -, passasse pelo Instituto de Planejamento (Iplan) e pelo Comphic, o que tornava os procedimentos demorados. A partir de agora, a regra ficou restrita aos imóveis tombados.

Nos últimos dias, a reportagem do Diário percorreu as 23 ruas onde estão essas edificações. A Avenida Rio Branco, seguida da Rua do Acampamento, lidera. A equipe fotografou e bateu à porta. Muitos imóveis dividem a fachada com marcas de lojas. Outros estavam fechados, com placas de "aluga-se" ou com ausência de numeração, e 15 não foram localizados. A prefeitura não soube informar quantos estão destinados à moradia, ao comércio ou mesmo os que estão abandonados.


Foto: Charles Guerra (Diário)

Segundo o Comphic, a maioria dos imóveis pertence ao núcleo central de formação de Santa Maria, e foram edificados, em geral, até a primeira metade do século 20, com até quatro pavimentos. Preponderam prédios com a presença do estilo Art Déco - sobretudo na Avenida Rio Branco, que, conforme abordou a reportagem especial do Diário nos dias 21 e 21 de julho, abriga o segundo maior patrimônio mundial do estilo em via contínua, ficando atrás de Miami, nos Estados Unidos. Mas, exemplares de estilo moderno e com traços de neoclássico, o que configura o estilo eclético, também estão contemplados.

ENTENDA

  • Plano Diretor - Determina regras de planejamento, construção e organização urbana de Santa Maria pelos próximos 10 anos e é composto pelas leis do Plano Diretor de Desenvolvimento Territorial; a de Uso e Ocupações do Solo; e o Código de Obras e Edificações
  • Decreto 84/ 2018 - Dispõe sobre proteção do patrimônio histórico e cultural, a tramitação dos processos de tombamento em âmbito municipal. Regulamenta a Lei Municipal nº 3.999, de 24 de setembro de 1996. Esclarece, desta forma, pontos que a lei não explica e elucida a tramitação de processo para o proprietário, para o Comphic e para o Executivo, além dos prazos que precisam ser seguidos
  • Lista dos 135 imóveis - Ação protetiva, que tem o objetivo de resguardar o bem até que se tenham levantadas todas as informações necessárias para proceder com o tombamento definitivo ou a impugnação do tombamento. O prazo é de um ano, prorrogável por mais seis meses
  • Lei 3.999/96 - É a Lei de Patrimônio Municipal, sancionada à época em que a Vila Belga foi tombada. Até o final deste ano, está prevista a discussão e a formulação de uma nova lei equivalente
  • Zona 2 - Chamada de centro histórico da cidade. Conforme levantamento concluído pelo Iplan, na sexta-feira, a área tem 1.250 móveis. A maioria dos 135 prédios que estão em processo de tombamento provisório está instalado nessa região

MOBILIZAÇÃO NA CIDADE

Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

Questionamentos em relação aos trâmites legais e prazos, audiências, debates e contradições entre setores da construção civil e frentes ligadas ao patrimônio antecederam a aprovação do novo Plano Diretor e geraram uma atmosfera de polêmica na cidade. O assunto segue inquietando. Na última quinta-feira, entidades e moradores de Santa Maria criaram um coletivo em defesa do patrimônio histórico, cultural e arquitetônico, publicando um manifesto nas redes sociais junto de uma petição pública, buscando adesão da comunidade.

O documento foi entregue à Câmara de Vereadores e também será enviado à prefeitura e ao Ministério Público. Assinam o manifesto o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) - Núcleo Santa Maria, Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-RS), Comphic, Conselho de Políticas Culturais, União das Associações Comunitárias (UAC) e Associação do Moradores da Vila Belga.

- O novo Plano Diretor foi um desastre. Nosso objetivo é defender nosso passado, nossa história, nossa identidade e fisionomia enquanto cidade, o que nos torna únicos. Destruir nossa referência e os monumentos urbanos é transformar Santa Maria em uma cidade como todas as outras. Os mecanismos para isso são o tombamento e um inventário técnico em que nos digam quais são esses prédios e ainda ampliem a lista, para além desses 135 - adianta o jornalista Marcelo Canellas, que integra o coletivo e doou o sobrado histórico da Rua Floriano Peixoto, esquina com a Rua Ernesto Beck, à TV OVO.

Neste sábado, o coletivo fez uma intervenção na Praça Saldanha Marinho, às 10h, para divulgar a iniciativa. O grupo deve seguir com outras ações ao longo do ano.

Desde o dia 11 de julho, o Legislativo protocolou um requerimento para criar uma comissão especial que acompanhará a nova legislação e as diretrizes para a preservação dos bens com valor histórico do município.

Sindicatos, associações e demais entidades empresariais organizaram uma reunião com donos de imóveis para a próxima terça, às 18h30min no Centro de Desenvolvimento Empresarial (Rua Ângelo Uglione, 1.509).

Porém, ainda pairam dúvidas por parte de donos dos 135 imóveis e da comunidade em geral. O que é um tombamento provisório? Qual critério para que esses 135 prédios fossem listados, já que outros imóveis de imponência semelhante ficaram de fora?  

Por meio de um edital, publicado também no dia 27 de julho, foi dado aos donos dessas edificações, o período de 15 dias para que contestassem a inclusão na lista. Conforme o Iplan, até o fechamento desta edição, formalmente, apenas um proprietário havia feito encaminhamento.Outros apenas fizeram contato telefônico.

O CAMINHO ATÉ O TOMBAMENTO DEFINITIVO

Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

Conforme o Instituto de Planejamento (Iplan), o decreto assinado no dia 27 de julho é uma ação protetiva. O tombamento provisório dos 135 imóveis abarca bens de propriedade de conhecidos personagens da história de Santa Maria. Constam na lista nomes como Astrogildo de Azevedo e José Mariano da Rocha Filho. Por outro lado, estão de fora imponentes edificações, entre elas, o Edifício Mauá e o Hotel Jantzen. A propósito, outro questionamento do coletivo recém-criado é a fragilidade deste decreto. Em um dos trechos questiona-se que, "embora o efeito deletério das mudanças do Plano Diretor sobre o patrimônio arquitetônico tenha sido amenizado pelo decreto do prefeito municipal, não há segurança de sua efetiva proteção".

Segundo Daniel Pereyron, presidente interino do Iplan, o decreto possibilitou proteger bens até que se tenham levantadas todas as informações necessárias para proceder com o tombamento definitivo ou a impugnação do tombamento. O prazo é de um ano, prorrogável por mais seis meses. Serão analisados caso a caso, mas, segundo Pereyron, na maioria dos imóveis, o nível de proteção será relativo à fachada e ao volume. A providência antecederia a formulação de uma nova Lei de Patrimônio Municipal, cuja elaboração está prevista até o final deste ano. A seleção dos 135 prédios também considerou como critérios, os bens passíveis de demolição ou descaracterização.

_ A Catedral Metropolitana e a Igreja Anglicana, ambas na Avenida Rio Branco, por exemplo, têm valor histórico inquestionável e não estão na lista. Isso porque é pouco provável que alguém as colocará abaixo - explica Francisco Queruz, presidente do Comphic.

A lista foi feita em 2005, pelo Comphic e Iplan (à época, Escritório da Cidade). Porém, nunca houve o aparelhamento suficiente para viabilizar o reconhecimento dos elementos de valor histórico. Conforme o levantamento concluído na última sexta-feira, são cerca de 1.250 móveis na Zona 2. Somente cerca de 10% entraram no processo de tombamento provisório, já que a maioria dos 135 está nessa região. Os critérios foram morfológicos, ou seja, a representatividade do imóvel no conjunto e as características relevantes quanto ao estilo arquitetônico.

Em caso de os imóveis serem tombados definitivamente, as contrapartidas do poder públicos serão reavaliadas, além das que já são permitidas por lei, como desconto no IPTU em até 80% e a possibilidade da transferência do potencial construtivo, no qual o proprietário do imóvel tombado pode vender os metros quadrados que não serão erguidos para uma construtora edificar o chamado Índice a Agregar (IA) em outro local da cidade.

_ O tombamento não é um acordo, é uma imposição, mas não significa que prédio tombado será é imexível. Depende de cada caso. É preciso deixar claro que haverá incentivo fiscal para esses proprietários - completa Pereyron.

OS  DONOS DO PATRIMÔNIO

Foto: Ranan Mattos (Diário)

O respeito pela arte e com o que é antigo se reflete no empreendimento do comerciante José Vicente Righi, 63 anos. Ele é proprietário de dois prédios de valor histórico na Avenida Rio Branco - números 453 e 532 -, sendo que, em um deles, Righi abriu um antiquário. Ambos imóveis entraram no inventário de bens com tombamento provisório.

- Eu sou apaixonado por isso aqui e, enquanto eu estiver vivo, vou primar pelo estado de conservação sempre. Mas, e daqui a anos? Um prédio tombado deprecia, vale menos, não dá para expandir. Quem vai querer investir? Tenho maior interesse em tombar, mas a prefeitura vai incentivar com a isenção de impostos? Não temos nem segurança para manter o estabelecimento aberto no sábado à tarde aqui na Avenida Rio Branco - avalia o proprietário.

Righi comprou o prédio onde está o antiquário há cerca de 20 anos. Antes, o local abrigava uma delegacia de polícia. Já o outro imóvel foi adquirido em um leilão judicial. O que ele e outros proprietários da chamada Zona 2 - o centro histórico - temem é que o tombamento seja apenas uma medida isolada, isto é, que o entorno das edificações não recebam a devida atenção do município com relação à iluminação, pavimentação e segurança. A falta de clareza nas medidas também gera dúvidas.

- Não me consultaram e colocaram meus prédios nessa lista. Não sei no que posso mexer se eu precisar reformar alguma coisa. Só fiquei sabendo pelo jornal e vou procurar um advogado para entender que projeto é esse, já que tenho 15 dias para me manifestar - declarou Righi.

O prefeito Jorge Pozzobom alega que as medidas visam à agilidade e ao desenvolvimento econômico e sustentável da cidade sem ferir a preservação da história. Disse, ainda, que os donos dos imóveis tombados terão regras e benefícios claros:

- Não é justo demorar cinco anos para um dono de um prédio saber se tem valor histórico ou não. Enfrentamos vários segmentos, cerca de 30 audiências, e chegamos a um consenso. Dentro de um ano e meio teremos ainda mais avanços para nossa cidade.

ATÉ UM ANO E MEIO PARA AJUSTES 

Desde que chegou à Câmara do Vereadores para ser votado, o projeto do Plano Diretor foi polêmico justamente porque permitia intervenções e até demolições de prédios não tombados. A partir de então, emergiram movimentações na cidade, foram retomadas análises, como a revisão da Lei do Patrimônio, sem alterações de 1996, e protocoladas novas medidas - algumas em curso e outras a serem definidas em até um ano e meio, período de constantes ajustes.

- Não somente o Plano Diretor não se preocupa adequadamente com a preservação dos bens edificados, como parte da população também não os reconhece como bens a serem preservados, para que possamos legar algo aos nossos sucessores. E são ações como essas que auxiliam na construção de pertencimento e identidade dos moradores com sua cidade, Santa Maria - enfatiza Roselâine Casanova Corrêa, professora de História da Universidade Franciscana (UFN) e especialista em História Urbana e Patrimônio.

CENÁRIO DE BENS TOMBADOS NA CIDADE

  • Tombamentos estaduais - Três exemplares (1 - Sítio Ferroviário, que engloba a Vila Belga, a Gare, o Colégio Manoel Ribas e porção do entorno; 2 - O Instituto Estadual Educação Olavo Bilac; e 3 - Prédio da Sociedade Cultural Ferroviária Treze de Maio)
  • Tombamentos nacionais - Três exemplares (1 - Estação Ferroviária de Santa Maria; 2 - O Edifício do Centro de Formação Profissional; e 3 - antiga sede da Associação dos Empregados da Viação Férrea) 
  • Tombamentos municipais - Além da inserção dos 135 prédios listados no dia 27 de julho, conforme o Iplan, há 15 decretos executivos de tombamento, provisórios e definitivos, nos quais são contabilizados conjuntos de edificações, como a Vila Belga; o Complexo de Oficinas do Km 3 e a Mancha Ferroviária - essa última engloba o Prédio da Estação Férrea; as Construções de Apoio; a Gare e os Antigos Depósitos com frente para o Largo; o próprio Largo e o Muro de Pedras que o limita, e a área arqueológica de patrimônio histórico-cultural conhecida como Sítio da Alemoa 

    ASSINAM ESTA REPORTAGEM:
  • Produção e texto - Pâmela Rubin Matge
  • Fotografia - Charles Guerra, Gabriel Haesbaert e Renan Mattos
  • Vídeo - Rafael Guerra

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