especial Kiss, 5 anos

5 anos de espera

É como se todos os familiares e sobreviventes falassem a mesma língua: a impunidade ecoa em protestos, discursos inflamados e nas falas mais mansas e resignadas. A ausência de respostas, os revés judiciais e a morosidade da Justiça ferem fundo àqueles que carregam a dor da perda e, aprendem, ainda que contra a vontade, a lidar com as esperas.

O Caso Kiss, que compreende a maior tragédia do Rio Grande do Sul, ganhou repercussões mundiais e envolveu processos indenizatórios, trabalhistas, cíveis e criminais. A tragédia completa cinco anos sem nenhuma pessoa presa pelo incêndio. O processo criminal, considerado o principal, ainda está em aberto. Em janeiro do ano passado, a denúncia do caso chegou a ser protocolada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA). A petição foi encaminhada pelo Instituto Juntos - Justiça, Cidadania e Políticas Públicas, em parceria com a AVTSM. Com apelo intenacional, se abre a possibilidade da reabertura dos inquéritos arquivados pelo Ministério Público contra gestores municipais e estaduais.  

VAIVÉM DE DECISÕES E CONDENAÇÕES 

 

O PROCESSO EM ABERTO

Até o dia 27 de janeiro de 2018, data em que a tragédia completa 5 anos, a definição é que os quatro réus que respondem criminalmente, em liberdade, pelo incêndio na boate Kiss serão julgados por um juiz criminal de Santa Maria, e não pelo Tribunal do Júri, isto é, não haverá Júri Popular. Vale lembrar, que do inquérito da Polícia Civil, foram indiciadas 28 pessoas (16 por homicídio doloso qualificado, homicídio culposo, fraude processual e falso testemunho, 12 por indícios de homicídio culposo e improbidade administrativa - entre elas, o então prefeito Cezar Schirmer). 

Atualmente, permanece a última decisão, do dia 1º de dezembro, quando oito desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ/RS), que deram quatro votos favoráveis e quatro votos contrários aos recursos dos réus. Os chamados embargos infringentes pediam a desclassificação do crime para homicídio culposo, retirando a qualificadora de dolo eventual (quando o acusado assume, por meio de suas ações, o risco de matar). Com o empate, de acordo com regimento interno do Tribunal, prevalece o voto mais favorável aos réus. A última movimentação judicial ocorreu em 8 de janeiro, quando o Ministério Público interpôs embargos de declaração contra decisão do 1º Grupo Criminal do TJRS. 

No último dia 18, o advogado Ricardo Breier, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB-RS) protocolou o pedido de habilitação para atuar como assistente de acusação no processo criminal do incêndio e trabalhar e conjunto com o advogado Pedro Barcellos Jr. Breier anunciou que trabalhará para reverter a decisão da 1ª Câmara Criminal junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

OS RÉUS

O Diário tentou contato com os quatro réus para saber o que fazem atualmente e para avaliar o andamento do processo. Em todos os casos, o contato só foi viabilizado por meio de seus advogados.

Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko


Ex-sócio da boate Kiss, Kiko foi internado porque inalou fumaça no incêndio e ficou sob custódia no Hospital Santa Lúcia, em Cruz Alta, até receber alta em 5 de fevereiro de 2013, quando foi para a Pesm, onde estavam os demais presos. Ao sair do presídio, Kiko foi para Porto Alegre. Atualmente, mora na Capital com a companheira e as duas filhas, a mais velha, com cinco anos. A mãe da menina estava grávida à época da tragédia. O perfil do Facebook como o seu nome não é atualizado desde janeiro de 2013.

"A defesa avalia que a prova dos autos mostrou que o funcionamento da casa noturna aconteceu por concessão de PPCI pelos bombeiros e alvarás pela prefeitura para os antigos proprietários em 2009, antes da gestão de Elissandro Sphor, e depois, por autorização dada em um TAC feito com o Ministério Público em investigação ampla feita ocorrida em dois inquéritos civis, com ciência evidente do promotor Ricardo Lozza. Assim, não há como falar em dolo eventual, quando as autoridades disseram que a boate estava completamente irregular e podia estar aberta. O Tribunal de Justiça afastou a tese do dolo, admitindo que foi permitido que a casa funcionasse. Fica a pergunta: os agentes públicos ficarão impunes?"

Jader Marques, advogado de Kiko

Mauro Londero Hoffmann, o Maurinho

Ex-sócio da boate Kiss, Mauro foi preso no dia seguinte ao incêndio e ficou na Pesm até o dia 29 de maio de 2013, quando os quatro réus saíram da prisão. O perfil oficial no Facebook não é atualizado desde a véspera da tragédia, mas Mauro mantém outro, falso, onde é marcado em fotos em que aparece de bigode e cavanhaque. As imagens são feitas em churrascos, jogos de futebol e encontros com amigos e com a companheira.

 

"Entendemos que o processo encontrou, com a decisão do TJRS, a forma jurídica correta com a qual deveria ter iniciado, ou seja, não se trata de crime doloso contra a vida. Ao contrário de algum sentimento popular, a forma culposa não indica ausência de responsabilidade daqueles que porventura sejam condenados, mas apenas faz a devida separação entre acidentes e intencionalidades. Ademais, a forma culposa poderia fazer inserir mais pessoas em uma denúncia, o que é mais difícil na forma dolosa. Inclusive isso foi admitido esta semana por um Membro da Administração Superior do MP. Sabemos que isso não foi feito na época muito mais por opção política (pelo delito doloso) do que por convicção jurídica, talvez pela pressão daquele momento, mas que agora se revelou inconsistente. Assim, imediatamente se impõe o prosseguimento do processo aqui em Santa Maria, a ser julgado por juiz de Direito"Mário Cipriani, advogado de Hoffmann, que diz não ter autorização para falar sobre a vida pessoal do cliente

Marcelo de Jesus dos Santos 


Era o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava na noite da tragédia. Era ele, segundo a denúncia do Ministério Público (MP), quem segurava o artefato pirotécnico que deu início ao incêndio. Marcelo foi preso no dia seguinte ao incêndio e ficou na Pesm até o dia 29 de maio de 2013, quando seu advogado, Omar de Tarso Obregon, conseguiu na Justiça a liberdade dos quatro réus. Depois de sair da prisão, Marcelo retomou sua atividade principal, de azulejista, profissão que desempenha há cerca de 18 anos.

 

"Marcelo continua casado, tem duas filhas e trabalha de forma eventual colocando pisos e azulejos. Sobre o processo criminal, com certeza, agora está tomando o correto e justo rumo, visto que a denúncia apresentada pelo Ministério Público foi rechaçada no Tribunal de Justiça, o que em verdade foi correto e justo. A denúncia, principal instrumento da acusação foi pelos desembargadores interpretada como inepta aos fins desejados, razão pela qual desclassificaram o delito imputado. De resto se tem a espera pela justiça, uma vez que vivemos em uma democracia, onde a justiça é sempre a última palavra.O resultado final será com certeza justo e equânime a todas as partes, talvez não seja satisfatória a uma delas, mas ainda assim será a justiça"
Omar de Tarso Obregon, advogado de Marcelo

Luciano Bonilha Leão

Luciano era o assistente de palco da banda na noite da tragédia. Foi ele que, segundo a acusação, comprou e acionou o artefato usado por Marcelo e que teria começado o incêndio. Ele foi preso no dia seguinte ao incêndio e ficou na Pesm até o dia 29 de maio de 2013. Assim como o colega de banda, Luciano continuou morando na cidade, com a mulher (ele não tem filhos). Conforme o advogado Gilberto Weber, após sair da prisão, Luciano voltou a atuar como motoboy até 2016, recebeu atendimento psicológico no Husm.

 

"O Luciano tem 40 anos, continua residindo no mesmo local, continua casado, não tem filhos, é telemoto e faz sonorização festas e eventos. Quanto ao processo, sempre foi entendimento não se tratar de crime doloso, então, a decisão dos embargos infringentes, que considerou o crime como culposo vem de encontro a tese defensiva. Só que o fato de os acusados não serem conduzidos a júri não quer dizer que não vão responder o processo, apenas o julgamento será do juíz singular o que entendo como a forma que mais se adequa ao evento"
Gilberto Weber, advogado de Luciano

 

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