Tecnologia

Para a web ser melhor, precisamos ser melhores usuários


Neste último domingo, dia 12 de março, a World Wide Web (ou simplesmente "web") completou 28 anos de vida. São 28 anos de uma das maiores invenções do século XX.

Para quem não sabe, a web e a internet são coisas diferentes. A internet é mais antiga: começou a ser criada ainda na década de 1960, por meio de experimentos feitos por universidades e agências de segurança norte-americanas, e passou a ser utilizada por instituições acadêmicas e de pesquisa a partir dos anos 1970. No finalzinho dos anos 1980, ela começou a ser explorada comercialmente, mas os sistemas digitais utilizados para acessá-la eram muito complexos. Em alguns deles, era preciso digitar códigos complicados para acessar informações textuais, como e-mails ou fóruns de conversação rudimentares.

Foi só no início da década de 1990 que a internet passou a ser "amigável" para os usuários comuns, graças a um novo sistema criado pelo cientista britânico Tim Berners-Lee, ao qual ele denominou World Wide Web. O grande diferencial deste sistema é que ele permitia distribuir informações em documentos digitais (as páginas) que podiam ser conectadas entre si por meio de hiperlinks. Em outras palavras, a World Wide Web era um revolucionário sistema hipertextual de páginas multimídia.

Berners-Lee desenvolveu sua ideia em 1989 (a proposta original da World Wide Web pode ser acessada na própria web!), mas passou a ser utilizada mesmo pela sociedade civil a partir de 1991. Desde então, a internet finalmente deslanchou como rede global de informações e passou a gerar pequenas revoluções em diversos setores da sociedade que trabalham com informação, como o varejo, a logística e a telecomunicação. É pelas páginas da web que funcionam hoje a maior enciclopédia do mundo (a Wikipédia), a maior biblioteca do mundo (o Google) e a maior praça pública do mundo (o Facebook). A web funcionou tão bem que acabou virando sinônimo de internet no imaginário popular.

Neste domingo de aniversário da web, o seu inventor, Tim Berners-Lee, publicou um texto no jornal britânico The Guardian expressando grande preocupação sobre três graves problemas que ameaçam o bom funcionamento da rede.

A primeira preocupação é a perda de controle sobre nossos próprios dados pessoais. Para nos cadastrarmos em determinados sites ou para utilizarmos certos aplicativos, somos obrigados a aceitar termos de uso simplesmente gigantes, o que obviamente evitamos de ler até o final, até porque confiamos na boa-fé destas empresas. Entretanto, a maioria destes termos indica que nossos dados pessoais e de navegação poderão ser coletados e usados livremente pelas respectivas empresas, seja para venda de anúncios personalizados, seja para venda dos nossos dados a terceiros. Além do problema óbvio da ameaça à privacidade e à segurança, a coleta de dados pessoais pode servir para problemas maiores, como a manipulações de grandes empresas, o vazamento de dados bancários e, até mesmo, o controle social por parte de governos autoritários.

Qual seria a solução para a coleta desenfreada de dados pessoais? Uma delas seria a de valorizar empresas que ofereçam seus serviços em troca de pagamentos diretos, em vez de empresas que trocam seus serviços por dados pessoais. Em outras palavras: talvez, a única forma de garantirmos nossa privacidade seria abrindo a mão e pagando pelos serviços.

A segunda preocupação de Berners-Lee é a crescente produção e compartilhamento de notícias falsas, as famosas fake news. Hoje em dia, é muito fácil criar um site visualmente parecido com um portal de notícias profissional e produzir matérias falsas em formato jornalístico. E o problema maior nem é esse, já que de nada adianta produzir informação na rede se ela não é compartilhada. O grande problema é a falta de critério dos usuários na hora de passar estas notícias adiante. Nesta segunda grande ameaça à web, a solução seria relativamente mais fácil que a primeira: bastaria às pessoas que tivessem mais cuidado e bom senso na hora de compartilharem informações recebidas nas redes sociais. Ok, pensado bem, talvez a solução não seja tão mais fácil assim.

A terceira preocupação tem mais a ver com o que se viu nas últimas eleições dos EUA: a proliferação de propaganda política enganosa nas redes sociais. A diferença para a segunda preocupação é que, neste caso, as propagandas são distribuídas diretamente às pessoas, muitas vezes por meio de computadores com inteligência artificial, que analisam os hábitos de consumo de informação dos usuários, suas opiniões e suas ideologias e, no fim, entrega uma propaganda enganosa de forma personalizada. Assim, se você tem uma leve tendência a ser de direita ou de esquerda, o que estes sistemas fazem é identificar esta tendência e propagar anúncios ou notícias (falsas ou não, mas geralmente tendenciosas e exageradas) que reforçam ou refutam suas opiniões ideológicas. Esta distribuição pode ocorrer de diversas formas: em postagens pagas em redes sociais, em janelas pop-ups que se abrem sobre páginas da web (inclusive em páginas ditas sérias, como portais jornalísticos) ou ainda em banners publicitários dentro de aplicativos de celular. Uma ótima forma de manipular a opinião pública nos dias atuais, não?

É preciso reconhecer que tais problemas são graves não só para a web, mas para a democracia, e são extremamente difíceis de serem resolvidos. O primeiro passo é, certamente, a autocrítica: eu leio toda a notícia antes de compartilha-la? Eu presto a mínima atenção na qualidade da fonte da informação? Esta fonte da informação é conhecida e reconhecida? Estas notícias que aparecem na minha linha do tempo são mesmo factíveis? Será que não existem outras informações com contrapontos a esta notícia que estou prestes a compartilhar? Eu tenho noção da quantidade de gente que esta notícia vai alcançar por mim, por meus amigos que a lerão e compartilharão e pelos amigos dos meus amigos que também deverão recebe-la e compartilhá-la? É realmente ético compartilhar uma informação que eu não tenho total certeza sobre sua veracidade, só para mostrar e reforçar minha posição política e ideológica para meus amigos? Se eu não melhorar meu uso da web, não poderei cobrar por uma web melhor (e, em certo ponto, nem mesmo por uma democracia melhor).

A web é feita de pessoas e só poderá funcionar bem se a gente funcionar bem. Vida longa à web!


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