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VÍDEO: pacientes de esclerose múltipla falam da luta contra a doença durante pandemia

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data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Divulgação (Guerreiro | Agência ALRS)
Raphael Simon é presidente da Apemsmar

Dia 30 de maio é o Dia Mundial da Esclerose Múltipla. A campanha global que chama atenção para a causa tem como tema "Conexões". Em um período em que pessoas e instituições se reinventam para buscar conexões virtuais em meio ao isolamento social, a mensagem da Multiple Sclerosis International Federation (Federação Internacional da Esclerose Múltipla) busca uma conexão real. O movimento pretende derrubar as barreiras sociais que deixam as pessoas afetadas pela Esclerose Múltipla (EM) sozinhas e isoladas.  

Santa Maria é uma das cidades com maior incidência da doença no país. Segundo o presidente da Associação dos Portadores de Esclerose Múltipla de Santa Maria e região (Apemsmar), Raphael Simon, no final do ano passado, o número chegava a 30,4 casos por 100 mil moradores da cidade. O levantamento foi feito pela entidade. A estatística considera o número de pacientes que retiram medicamento proporcionalmente ao número de habitantes. Segundo a Federação Internacional de Esclerose Múltipla, a média no Brasil é de 15 casos para cada 100 mil habitantes. A causa do alto índice local ainda é objeto de estudo na ciência:

- Sabe-se que não é uma doença hereditária, mas que tem um componente genético que é ativado por algum gatilho. Já foram levantados aspectos como o clima moderado, a ascendência europeia e o maior número de diagnósticos, por exemplo - enumera Raphael.

À frente da entidade, que é uma das mais atuantes do Estado, Raphael expõe algumas das feridas abertas no sistema de saúde no atendimento aos pacientes de EM: as falhas nos protocolos de entrega de medicamentos, a falta deles, o diagnóstico tardio e o acesso ao tratamento.

O diagnóstico, inclusive, é um obstáculo por si só. Há uma infinidade de doenças associadas aos sintomas da Esclerose, por isso a medicina utiliza diagnóstico por exclusão. Na prática, o médico precisa pedir uma série de exames para descartar as outras enfermidades.

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CONCEITO
Como explica o médico neurologista Ricardo Pereira Gonçalves, 32 anos, esclerose múltipla é uma doença neurológica, crônica, degenerativa e que é causada por uma reação autoimune. Ou seja, as células do corpo atacam a mielina (substância que envolve as células nervosas) acreditando que esta seja algum agente invasor.

- É uma doença que acomete normalmente adultos jovens, entre 20 a 40 anos, e que causam sintomas neurológicos dos mais variados, sendo os mais comuns alteração da visão, perda da força, alteração da sensibilidade e desequilíbrio - conceitua o neurologista.

Ricardo escolheu se especializar em esclerose múltipla por conta da presença da doença na família. O pai dele, Sérgio Ricardo Sanches Gonçalves, 64 anos, e a tia, Rosalina Sanches Gonçalves, 65 anos, foram diagnosticados há mais de 20 anos. Ele teve a confirmação da doença seis anos antes dela.

Em março, pai e filho, além do namorado de Ricardo, William Denis, 29 anos, estiveram em viagem à Europa. Em meio à explosão da Covid-19 no continente, vieram embora, fizeram exames e tiveram resultado negativo para o novo coronavírus. Agora Ricardo e Sérgio têm evitado contato. A medida vem sendo uma das maiores dificuldades da família:

- Está sendo complicado como para todos, com aumento da ansiedade e nervosismo pelo quadro que se apresenta. Vejo meu pai uma vez por semana, na porta do prédio onde ele mora, quando levo algo que necessite, sempre respeitando o uso de máscaras, a distância de dois metros, uma situação que incomoda pelo vínculo que temos - confidencia o médico.

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Arquivo Pessoal
Dona de casa Vanessa Meirelles (à direita) começou a notar os sintomas em 2005 e só chegou ao diagnóstico da esclerose múltipla em 2008

A DIFICULDADE DO DIAGNÓSTICO
Vanessa morou 13 anos em Santa Maria. Por conta da transferência do marido, Rogério Meirelles Nunes, 47, que é militar, para Manaus, deixou a cidade há dois anos. Este ano, a família mudou-se para Porto Alegre. Hoje Vanessa também é voluntária das ações de marketing da Associação dos Portadores de Esclerose Múltipla de Santa Maria e Região (Apemsmar) e da Associação Gaúcha dos Portadores de Esclerose Múltipla (Agapem).  

Ela teve perda dos movimentos em uma das pernas, em um dos braços e teve perda de visão. Como os episódios foram de surto-remissão, que são eventos que melhoram após o tratamento, conseguiu recuperar as funções motoras e recuperar a visão.

- Na época, não tive as informações corretas. Me disseram que o tratamento era caro, cerca de R$ 8 mil por mês, mas não sabia que poderia pedir auxílio via judicial - conta.

Mesmo antes da pandemia, Vanessa e outros pacientes já lutavam com a dificuldade para superar os efeitos da esclerose múltipla. O primeiro obstáculo vem logo no início, na fase do diagnóstico, segundo ela:

- É difícil encontrar alguém que foi diagnosticado na primeira consulta - expõe.

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Outra dificuldade é a burocracia para adquirir os medicamentos e a retirada deles, o que ficou ainda mais difícil com as medidas adotadas pelo sistema de saúde público para enfrentar a Covid-19. O pedido da medicação precisa da apresentação de exames e laudos atualizados. Como ela e a família estavam em outro Estado, Vanessa precisaria renovar os exames e laudos com profissionais de Porto Alegre. Com as restrições de atendimento nos hospitais para casos de urgência apenas, ela ainda não conseguiu encaminhar o pedido.

A paciente também teve um dos surtos durante a pandemia e precisou ser hospitalizada. No momento em que a reportagem do Diário entrou em contato com a dona de casa, na última terça-feira, ela estava no Hospital Militar de Aérea de Porto Alegre.

- Relutei muito para vir ao hospital num período como este, mas precisei fazer pulsoterapia (administração de altas doses de corticóide e esteróide para reduzir a inflamação da fase de surto). A equipe médica achou melhor que eu ficasse internada para não ter que passar reiteradas vezes pelo PA com a imunidade baixa - explica.

ENTREVISTA

Para falar sobre a doença, o Diário conversou com o médico neurologista Ricardo Pereira Gonçalves.

Diário - Qual a maior dificuldade para os pacientes com EM?
Dr. Ricardo Pereira Gonçalves -
Acredito que haja ainda alguns pontos de dificuldade para o paciente com EM. Do ponto de vista médico, o diagnóstico é desafiador, pois, como não temos um exame específico que comprove a doença, temos que fazer uma avaliação minuciosa, excluir outras possibilidades para firmar o diagnóstico, o que muitas vezes gera angústia no paciente. Outra grande dificuldade é a questão dos medicamentos que são distribuídos pelo SUS, pois ainda há muita falta, o que deixa o paciente desassistido e com medo de ver a progressão da doença pela falta do suporte do sistema de saúde.

Diário - Com a pandemia, como ficou a assistência a esses pacientes na rede pública? A rede privada está tendo restrições?
Dr. Ricardo -
Tanto na rede pública como na privada houve um impacto na assistência dos pacientes. A limitação das consultas é um exemplo, mas buscamos soluções como a telemedicina para mantermos o vínculo com esses pacientes. A oferta de medicações também é um impacto importante, já que, por serem medicações que baixam a imunidade dos pacientes e isso não ser bom em momento de pandemia por um vírus, ter um controle sobre o paciente e seus exames laboratoriais é muito importante.

Diário - Quais os prejuízos, para esses pacientes, de ficar sem o tratamento ou atendimento adequado?
Dr. Ricardo -
A perda de alguns sinais típicos de evolução da doença, como sintomas novos ou surtos que o paciente possa apresentar devido à falta de medicações.

Diário - O que você recomenda aos pacientes que não encontrem os recursos necessários para o tratamento nesses meses de pandemia?
Dr. Ricardo -
É importante que o paciente procure o seu médico e veja se há outras formas de atendimento que não a presencial. Hoje, com a telemedicina, estamos vendo uma grande possibilidade de assistir esse paciente, mesmo que remotamente. Assim, não deixamos que algo em relação à doença ou à sua qualidade de vida se perca. E sempre lembrar que, caso o paciente apresente sintomas novos que se enquadrem em alguma possibilidade de surto da doença, deve procurar a emergência, e seu médico, para o tratamento adequado.

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O DESAFIO DA RETIRADA DA MEDICAÇÃO
O presidente da Apemsmar, Raphael Simon, relata que um dos problemas que mais se agravou depois das medidas para conter a Covd-19 está relacionado a medicamentos. Estão nesta lista cerca de nove medicamentos. Um deles é o Fingolimode 0,5 mg, que custa de R$ 6 a R$ 8 mil a caixa para 28 dias. Os remédios são fornecidos pelo Estado e entregues na Farmácia de Medicamentos Especiais da prefeitura.

- Monitoramos o estoque de medicamentos no Estado todo, investigamos quando não é enviada a demanda completa, fazemos a fiscalização e buscamos corrigir problemas junto ao governo do Estado - explica.

Enquanto instituição, a Apemsmar pratica o "advocacy", um exercício de cidadania que pode ser empregado por organizações ou indivíduos para lutar por políticas públicas ou cumprimento de legislações de amparo a determinado público. A entidade intervém junto a agentes públicos para sugerir medidas para a melhoria do atendimento aos pacientes.

Uma delas é a chamada dispensação antecipada de medicamentos. Como os pacientes de esclerose múltipla fazem parte dos grupos com risco de complicações se infectados pelo novo coronavírus, a Apemsmar solicitou que os pacientes possam retirar medicamentos para dois meses de tratamento em vez de um, como acontecia normalmente. No entanto, segundo Raphael, apenas um medicamento está com dispensação antecipada, o que leva à falta de isonomia no tratamento dos pacientes.

A paciente Márcia Denardin utiliza o Fingolimode 0,5 mg. Segundo ela, a medicação costuma faltar especialmente nos primeiros e nos últimos meses do ano. Márcia reclama da grande burocracia e da dificuldade dos gestores de saúde fazerem uma previsão para além do próximo mês, tendo em vista que a medição é de uso contínuo. Além disso, expõe as consequências da falta do medicamento:

- Se ficar mais de 14 dias sem o remédio, é necessário todo um protocolo que envolve internação e uma série de exames para monitorar a função cardíaca. Não é um comprimido que a gente pega e pode tomar quando quiser - esclarece.

AJUDA
Como a associação está de portas fechadas, os voluntários estão trabalhando de casa. Os pacientes podem tirar dúvidas por meio do telefone (55) 3214 2799. Hoje, cerca de 100 pacientes buscam os serviços da entidade.

O QUE DIZEM AS AUTORIDADES

  • A Secretaria Estadual de Saúde (SES) informou, por meio da assessoria de comunicação, que só poderia verificar a situação dos remédios em falta no momento e não justificou os relatos de falta que aconteceram no passado
  • Já a Prefeitura de Santa Maria informou que a gestão orçamentária para a compra dos medicamentos é de responsabilidade da Secretaria Estadual de Saúde (SES). Conforme o executivo, a dispensação antecipada (entrega de medicamentos para dois meses) também é de competência da SES, pois o município depende do fornecimento desses medicamentos pelo Estado. Todas as solicitações estão sendo realizadas.
  • A Farmácia de Medicamentos Especiais também está adotando medidas por orientação da SES em função da pandemia. São elas: flexibilidade na documentação para cadastro do usuário, prorrogação do prazo de validade das receitas de medicamentos controlados para até três meses, não exigência de exames para reavaliação do tratamento, prorrogação da validade dos exames de todos os tratamentos que não estavam bloqueados, por mais três meses, automaticamente

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data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Renan Mattos (arquivo Diário)
Márcia Denize Denardin, 50 anos, é tenente aposentada da Brigada Militar e ativista em esclerose múltipla

ATIVISTA DIMENSIONA PESO DO ISOLAMENTO
Márcia Denize Denardin, 50 anos, é tenente aposentada da Brigada Militar e ativista em esclerose múltipla. Ela teve o diagnóstico em 2004 depois de três anos tentando descobrir o que tinha. Do ano do diagnóstico até hoje, teve 52 internações. Em 2007, chegou a usar cadeira de rodas, e teve problemas de deglutição que a impossibilitavam até de beber água.


- Em uma das vezes que estive internada, cheguei a fazer um "testamento" deixando meus filhos aos cuidados das minhas irmãs, porque achei que não iria voltar para casa - conta.

Hoje, recuperou as funções que haviam sido prejudicadas pelos surtos e, segundo ela, "voltou a usar salto e sair para cantar no karaokê", uma de suas atividades favoritas. Porém, com o isolamento social imposto pela Covid-19, encontros com amigos, parceiros de ativismo e até mesmo com o médico que a acompanha ficam restritos ao meio virtual. Contato físico só com os filhos Fernando, 25 anos, Rafael, 24, Léo, 20 e Júlia, 18, além da nora, Iana, 25, que moram com ela.

Há anos Márcia alimenta o blog Vivendo Além da Esclerose, que virou uma página no Facebook e um perfil no Instagram. Foi roteirista, junto com a jornalista Erenice Gonçalves, do documentário Esclerosada Não É a Vó, gravado em setembro do ano passado em Santa Maria, da Filmes de Junho Produtora com direção de Luiz Alberto Cassol.

Esta semana, Márcia lançou o PODEM, primeiro podcast do Brasil sobre esclerose múltipla. O programa é ancorado por ela e Erenice e é gravado na Rádio Armazém, com sede na Vila Belga em Santa Maria.

Neste momento, além das dificuldades rotineiras da doença, como a luta por medicação e o medo de um surto e, consequentemente, de uma internação, o peso do isolamento social tem sido um desafio para Márcia:

- Essa relação que temos com o médico neurologista, que é muito direta e frequente, se perdeu um pouco. O fato de saber que não podemos ir a uma consulta presencial ou procurar o Pronto-Atendimento já causa grande angústia. E como sabemos que o estresse é um desencadeador dos surtos, aumenta a ansiedade - aponta.

FIQUE LIGADO

  • Para marcar o Dia Mundial da Conscientização da Esclerose Múltipla, este ano, a Apemsmar vai realizar uma live pelas redes sociais da entidade (Instagram e Facebook) no dia 30 de maio. Convidados e horário ainda estão sendo definidos, mas um dos temas deve será a demanda dos pacientes durante a pandemia
  • O perfil do médico neurologista Ricardo Pereira Gonçalves no Instagram está realizando uma ação este mês com várias informações sobre a esclerose múltipla. Haverá uma live no dia 30, às 14h, com participações de pessoas relacionadas ao assunto. Márcia Denardin é uma das convidadas

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