série pedofilia no esporte

Husm é o único da Região Central que presta atendimento eficiente para crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual

Naiôn Curcino e João Pedro Lamas

Foto: Jean Pimentel (Arquivo Diário)

SÉRIE PEDOFILIA NO ESPORTE

Em 2016, ano de referência com a pesquisa mais recente que compila dados, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou 22,9 mil atendimentos a vítimas de estupro no Brasil. Em mais de 13 mil deles (57% dos casos) as vítimas tinham entre 0 e 14 anos. Dessas, cerca de 6 mil vítimas tinham menos de 9 anos.

As estatísticas estão no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que registra casos de atendimento de diferentes ocorrências médicas desde 2011. É só a ponta do iceberg do problema.

MATRICIAMENTO

O Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) conta, desde 2015, com a "Equipe de Matriciamento em Violência Sexual", que é composta por médicas, enfermeiras, assistentes sociais e uma psicóloga. É o hospital de referência para esse tipo de atendimento na Região Central do Estado. Essas profissionais se reúnem regularmente, nas sextas-feiras, para tratar dos atendimentos prestados à toda a região e assessorar equipes de saúde nos municípios e na 4ª Coordenadoria Regional de Saúde (4ª CRS).

A Equipe de Matriciamento possibilitou que o Husm operasse de "portas abertas", ou seja, toda vítima de violência sexual, dentro de 72 horas, receberá o que é chamado de "atendimento agudo". Isso significa que toda pessoa que sinalizar ter sofrido violência vai receber atendimento no local, que conta com profissionais especialistas 24 horas por dia. Esse atendimento profilático (de prevenção) busca evitar a contaminação de doenças e gravidez. É o início do tratamento médico.

Caso o abuso tenha acontecido há mais tempo, além das 72 horas, o que é caracterizado de "atendimento crônico", foi institucionalizado um canal de comunicação com a Secretaria Municipal de Saúde para que o agendamento do atendimento ambulatorial seja feito.

A adequação do hospital se deu não só por determinação legal, mas também por iniciativa do Ministério Público (MP), do próprio Husm e da prefeitura. A lei 12.8458, de 1º de agosto de 2013, trata do atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual por parte de hospitais que integram o SUS, de forma "emergencial, integral e multidisciplinar", determinando que se controle e trate os danos físicos e psíquicos decorrentes do abuso.

A lei também prevê a realização do aborto (vítimas que tiveram uma gravidez decorrente de um estupro tem direito a abordar) caso essa seja a opção da vítima. No Rio Grande do Sul, há seis hospitais credenciados para a "Interrupção Legal da Gestação". Nenhum deles está em Santa Maria (quatro ficam em Porto Alegre, e os outros dois estão em Caxias do Sul e Canoas). A situação é considerada ruim pela equipe, já que a vítima terá de viajar para realizar o procedimento (normalmente, no Hospital Presidente Vargas, em Porto Alegre), e enfrentar nova viagem, posteriormente, para o acompanhamento médico. Assim, a equipe de Matriciamento trabalha para credenciar o Husm para que possa prestar o serviço, além de poder avaliar casos que têm direito ao procedimento previsto em lei.

- Esse é mais um transtorno na vida dessa pessoa que já está fragilizada. Muitas vezes, ela não sabe que tem esse direito (ao aborto), ou enfrenta alguma outra questão, e precisa reivindicar isso na Justiça. Precisa se fazer presente em uma audiência. É burocrático, leva tempo, quando deveria ser um processo descomplicado, e rápido - conta Vergínia Rossato, responsável pela equipe.

COMO FUNCIONA O ATENDIMENTO

Em 2016, a Sala de Matriciamento foi inaugurada no hospital, além de ter sido estruturado um ambulatório para atendimento de crianças e adolescentes com idades de 0 até 18 anos. Ele funciona de forma integrada com a DPCA, Conselho Tutelar e Promotoria Estadual da Infância e Adolescência.

Como é consenso na comunidade médica que um abuso sexual é "muito grave para a saúde mental da vítima", o Husm se organizou de forma que a possibilitar que o primeiro acolhimento ocorra de forma célere. Crianças e adolescentes são recebidas por pediatras, enquanto maiores de idade recebem atendimento de um obstetra. No caso de uma eventual dificuldade, profissionais de outras especialidades são chamados.

Em paralelo à viabilização do tratamento físico, a psicóloga e os assistentes sociais organizam médicos e enfermeiros de forma que possam tratar também o psicológico. No entendimento desses profissionais, a capacitação aponta que "o atendimento psicológico é o mais importante".

- Uma rede que funcione para além do Husm é necessária. A nossa equipe vai só um pouco além para ver como fica a pessoa clinicamente. A partir desse ponto, a secretaria municipal teria de assumir, dar segmento ao tratamento médico, pois o hospital não tem como fazer isso. Há uma psicóloga no grupo que dá conta de toda a área materno-infantil - diz Vergínia.

Ao longo dos anos, conforme a enfermeira Vergínia, foi possível perceber que a maior incidência de violência sexual é contra pessoas com idades entre 0 e 18 anos. Além disso, o sexo feminino é a maior vítima. De 2014 até 2018, houve 273 notificações de pessoas que sofreram violência sexual. Do total, 90% eram meninas ou mulheres, e 73% foram crianças e adolescentes.

- A violência sexual está diretamente relacionada à violência de gênero, e crianças e adolescentes são as mais afetadas. Em relação aos agressores, são pessoas próximas, do convívio familiar - explica Vergínia.

Segundo análise feita pelo Ministério da Saúde em 2018, de 2011 a 2017 houve aumento de 83% desses casos no Brasil. Esses números reforçam os efeitos do machismo na sociedade brasileira e colocam ainda mais em evidência a necessidade, urgente, de problematizar o assunto.

Os profissionais se deixam absorver pela condição dos pacientes, já que são histórias de muita dor e trauma. É necessária capacidade de se pensar essas situações complexas de forma a poder amparar e ajudar as vítimas.

Acontece que, nos casos de estupros de crianças e adolescentes, os profissionais de saúde responsáveis pelo atendimento em hospitais devem comunicar as ocorrências aos conselhos tutelares locais. A partir desse ponto, o sistema de saúde não faz mais o acompanhamento - portanto mesmo pelos números da área de saúde não há como saber quais desses casos chegaram à polícia ou à Justiça.

Há casos em que os profissionais, inclusive, de acordo com o MP, esqueceram de fazer o encaminhamento à polícia. O ideal seria não precisar passar essa vítima de um local para o outro dentro da rede de acolhimento.

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