entrevista

'A saída para vencer a pandemia é a coletividade', alerta médico e professor da UFSM

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data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: reprodução
O especialista foi entrevistado pela repórter Thays Ceretta no programa Direto da Redação

Em entrevista ao Diário na última terça-feira, o médico epidemiologista, coordenador do Centro de Referência Municipal e professor da UFSM, Marcos Lobato, explicou como está funcionando o setor epidemiológico do Centro de Referência sobre a Covid-19 na cidade. A conversa foi transmitida pelas redes sociais e no site do Diário, além da TV Santa Maria, que está retransmitindo a programação especial do jornal dedicada à cobertura do novo coronavírus na região central do Estado. Confira a entrevista a seguir:

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Diário - O senhor coordena o setor epidemiológico no Centro de Referência. Qual é o papel de vocês e o que estão fazendo nesse momento?

Dr. Marcos Lobato - O serviço que a gente criou é, na verdade, uma divisão da Vigilância Epidemiológica do município que sempre existiu. Nesses momentos de crise, precisamos concentrar esforços para ajudar no controle populacional. Assumimos responsabilidades como reunir e centralizar informações, analisá-las em tempo adequado, quase que em tempo real, e subsidiar os gestores e os comitês. Outra ação importante é a investigação de casos. Investigamos, vamos aos domicílios, conversamos com os profissionais de saúde. E isso é muito importante, porque vai nos dar, no tempo certo, a ideia sobre quais medidas e ações devemos implementar. Tudo depende de os profissionais de saúde do município, principalmente os médicos, nos passarem as informações, para que a gente possa notificar.

Diário - Onde o Centro está instalado?

Dr. Lobato - Na Rua Conrado Hoffmann, número 277, e tem um telefone para contato, que é o (55) 3220-0390. O Centro começou a funcionar no final da manhã de hoje (terça-feira) e já está atendendo. A função principal é orientar os profissionais de saúde e serviços. O Centro de Referência foi criado justamente para fazermos essa investigação, recolher os números e conhecer os dados. 

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Diário - Vocês vão fazer um mapa? Como está a estrutura para divulgar os dados?

Dr. Lobato - Quando tivermos um número de dados suficiente, poderemos detalhar esses dados melhor. Com poucos casos, precisamos tomar o cuidado de preservar a identidade das pessoas. Provavelmente, até o final dessa semana, a gente vai começar a elaborar boletins informativos, dando mais detalhes, pois teremos mais casos para analisar. Por enquanto, a gente só dá o número total de casos confirmados e casos descartados. Depois, vai dar para explicar como trabalhamos nos casos suspeitos aqui em Santa Maria e dar mais detalhes. Não queremos expor bairros onde moram (os pacientes) para não expor as pessoas. Estamos trabalhando para divulgar as informações da melhor forma possível, sem gerar pânico. O importante é as pessoas aderirem às medidas de isolamento social e, principalmente, aderirem às medidas de cuidado, como estamos fazendo aqui: distanciamento, não compartilhar espaços, uso do álcool gel. Essas são as medidas importantes. E isso a gente tem que ir monitorando. É como um painel de carro, com todos aqueles instrumentos de controle para ver a velocidade. Conforme os dados apresentados, aperta-se ou afrouxa um pouco o isolamento.

Diário - Qual é a fonte principal de informação para saber dos casos suspeitos?

Dr. Lobato - Os canais de atendimento telefônico e o Lauduz. Eles anunciam em tempo real ou uma vez ao dia o número de atendimentos. Até a sexta-feira, antes da declaração de transmissão comunitária no país pelo Ministério da Saúde, éramos mais detalhistas nos dados. Precisávamos entender quando era um momento de solicitar declaração de transmissão comunitária. Então, o governo federal declarou que é transmissão comunitária em todo o país. Isso significa que eu não consigo identificar de quem eu peguei o vírus, mas que ele está circulando entre nós. Logo, nos concentramos em duas situações, em termos de informação. A primeira é "casos graves", os quais tivemos muito poucos em Santa Maria. Foram em pessoas com sintomas leves, que estão muito bem. Além de acompanhar o estado de saúde, nos certificamos se estão em isolamento domiciliar.

Diário - Quanto tempo tem que ficar em isolamento? Quando é liberado?

Dr. Lobato - Sim! Pegando a maioria dos casos, depois que a pessoa se contaminou, os sintomas aparecem entre dois e 14 dias. Na maioria dos casos, mesmo sendo sintomas leves, o pico dos sintomas acontece em torno do quinto dia. Alguns dias depois, dependendo da evolução do caso clínico, a pessoa ou vai melhorando ou pode piorar. A pessoa não começa, em geral, no primeiro dia de sintomas com uma situação grave. Existem evoluções rápidas. Mas isso nas pessoas mais frágeis, como os idosos. Diferentemente do que foi a pandemia de H1N1, em que os grupos de risco eram crianças e gestantes, desta vez, são os idosos que estão no grupo mais frágil e mais suscetível à doença. E quem têm imunidade muito baixa, imunodeprimidos. O Brasil é um país muito desigual, e os dados que temos mostram que as doenças se apresentam de forma diferente para cada grupo populacional e em cada momento da história. Em uma população que é bem nutrida, que têm boas condições de vida e saúde, previamente, a doença vai se apresentar naquela população de um jeito. Aqui no hemisfério sul, onde temos essas desigualdades, com milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza, podemos ter uma apresentação da doença de um jeito. E isso depende muitos fatores diferentes. Não esqueçam das condições de vida e das condições do sistema de saúde. Nós não temos os mesmos recursos e nós não temos as mesmas condições de vida. O vírus chegou aqui entre as classes de melhores condições de vida. A gente começou a transmitir essa doença entre as pessoas de classe média, classe média alta, que vieram da Europa. Não estou culpabilizando ninguém, é só uma evidência. São dados. E quando chegar no grupo de pessoas que têm menos privilégios, que têm menos condições de vida, que têm mais limitações e mais vulnerabilidade, socialmente falando, a gente não sabe como vai acontecer ainda. Quando a gente diz "fica isolada em casa, se separa dos seus familiares", para quem tem uma casa muito, muito pequena, é quase impossível. Com muitas pessoas, não tem como isolar. Todas essas variáveis a gente tem que estudar ainda. A epidemiologia estuda para tentar prever e prevenir a ocorrência dos problemas de saúde nas populações.

Diário - Doutor, seria possível que outros laboratórios, além do Lacen, possam confirmar casos suspeitos?

Dr. Lobato - Existe uma portaria do Ministério da Saúde que permite que laboratórios tanto públicos, quanto privados, desde que façam uma validação, um teste de qualidade apresentado aos grandes laboratórios nacionais, tipo o Fiocruz. E se esses laboratórios menores puderem reproduzir o mesmo processo ou técnica de resultados, daí, eles podem ser validados. A questão é que não é muito simples ter essa técnica. Por isso, precisa dessa contraprova dos Lacen, que é a referência em tecnologia para diagnóstico.

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Diário - Mas por que tem que ser o Lacen? Isso dificulta a confirmação dos casos não é mesmo? Como é que vai ser a partir de agora?

Dr. Lobato - Um pouco, dificulta. Mas não são só os casos graves que o Lacen vai testar. Eles são a ponta do iceberg, entende? Do ponto de vista da saúde pública, do ponto de vista da assistência individual, tem os seus transtornos. Então, o nosso termômetro, literalmente, é o número de casos confirmados ou casos graves, que não é o caso em Santa Maria. A gente não teve nenhum caso grave confirmado até agora. Mas vai ter! Em algum momento! Aí, seria mais a população idosa. Provavelmente, na matemática, apesar de os matemáticos terem ganhado bastante divulgação por causa daquelas projeções de modelos matemáticos para epidemias. Nós fazemos também. É aquela coisa das curvas. O que vai acontecer, na verdade, é uma projeção. É uma aposta de futuro, mas ela só ocorre se, agora, fizermos algo para evitar. As curvas podem ser pessimistas, otimistas ou moderadas: depende do que nós estamos fazendo agora.

Diário - É possível afirmar que o pico seria de 6 a 20 de abril e que, se isso acontecer, a maior contaminação seria nessas duas semanas?

Dr. Lobato - Não. Isso seria uma previsão, para o caso de não termos contenção e baixa no isolamento social. Mas estamos fazendo um alto isolamento. A ação de hoje é o que define o futuro. Se estamos fazendo ações adequadas hoje, esse futuro próximo pode se prolongar e a gente pode chegar até aquela velha história da curva que se achata, diminui. Não acho conseguiremos evitar o total de casos. Mas a gente quer conseguir estender, prolongar o tempo em que esses casos ocorrerão. Por exemplo, mil casos em 10 semanas seria muito pior do que mil casos em 10 meses. As ações públicas de prevenção são muito importantes. Infelizmente, a gente ainda não tem vacinas. Vacinas não são simples de serem desenvolvidas.

Diário - E quanto à medicação eficaz contra o vírus?

Dr. Lobato - Ainda não temos, mas já há estudos. Talvez seja o momento em que tenha o maior número de pesquisadores, do mundo, trabalhando sobre o mesmo assunto. Por isso, é tão importante a gente investir em ciência. Não vai ter vacina tão cedo. A gente não vislumbra também uma aposta de medicação definitiva ou muito boa para o tratamento em pouco tempo.

Diário - Conforme os boletins que vão saindo todos os dias, é possível que o número de casos suspeitos aumente, mas não quer dizer que serão casos graves. É isto?

Dr. Lobato - Exatamente! É muito provável que aumente exponencialmente. É assim como tem sido divulgado na TV: que uma pessoa passa para duas três, quatro, e vai acumulando. E a gente tem um tempo de incubação que é longo, e tem o tempo de adoecimento, que não é tão curto assim. Pode ser duas, três semanas. Dependendo de cada um. Eu posso transmitir para uma pessoa que vai adoecer. Mas eu posso não estar doente, então vai somando e empilhando casos. O vírus tem um tempo para se manifestar. Depois, quando o sintoma aparece, tem o tempo de isolamento. E vai chegar o momento em que essa pessoa vai estar liberada, digamos, em 14 dias, dependendo do caso. Ela pode até voltar à vida normal, pode se relacionar de novo com a família, se estiver em boas condições. O que se sabe, até agora, é que a pessoa fica naturalmente imunizada se ela for exposta ao vírus e o organismo dela foi capaz de reagir e se curar. Até agora, o que se sabe, é que essas pessoas adquirem uma imunidade que é longa. Mas é tudo tão recente. É uma epidemia, pandemia que começou há poucos meses.

Diário - É difícil acreditar que se espalharia tão rápido.

Dr. Lobato - É porque temos um mundo diferente, globalizado. As pessoas circulam muito.

Diário - É bom que esteja calor? É melhor que não esteja tão frio?

Dr. Lobato - No frio, a gente acaba se isolando mais. É a mesma lógica das doenças respiratórias de inverno. As pessoas adoecem mais porque estão mais próximas mesmo, a gente fecha janelas, compartilha espaços menores por mais tempo. A gente tem um problema também hoje com ar condicionado. Tudo isso aumenta a probabilidade das pessoas transmitem a doença umas para as outras. É só isso. Não se sabe se o clima mais quente ajuda a prevenir o vírus, a gente não pode confirmar isto.

Diário - Há alguma outra orientação importante?

Dr. Lobato - Eu só queria lembrar que a gente tem que cuidar muito com as informações que circulam por aí. A gente pode ter informações que são relevantes, que são importantes e que mantém a gente protegido. E outras informações não ajudam. Uma coisa que não ajudou, por exemplo, foi a questão do uso da medicação chamada de cloroquina, que acabou sendo esvaziada das prateleiras por pânico e por desinformação. Isto prejudicou as pessoas que precisavam desse medicamento. Eu falo desse exemplo porque a gente corre riscos com a desinformação. Não adianta, é preciso lavar as mãos, tomar banho. Detergente também é muito eficiente nesse momento. A gente tem que ter paciência. Vai demorar e não vai ser fácil. Mas depende de, primeiro, as pessoas entenderem que é um momento crítico. E entenderem que as medidas de saúde pública ou as medidas e as políticas públicas são necessárias. Os países que tomaram essas medidas conseguiram controlar melhor a pandemia. Os países que não fizeram isso estão com muitos problemas. E as pessoas têm de aceitar e colaborar com as medidas. É preciso tomar medidas individuais e ajudar, também, as pessoas da sua família, da sua comunidade mais próxima, do seu grupo social mais próximo. Ajudar, por exemplo, os idosos que devem evitar sair de casa. Ajudar fazendo compras ou ajudar em alguma tarefa. Porque a gente tem que proteger as pessoas mais fracas. Então, a saída para vencer a pandemia é uma saída coletiva. É a coletividade! A gente se organizando e aceitando que tem que ter uma ação do poder público.

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