Série pedofilia no esporte

VÍDEO: investigação aponta que homem que se passava por técnico de futebol abusou de adolescentes em 44 cidades do Estado e SC

Naiôn Curcino e João Pedro Lamas

Foto: Renan Mattos (Diário)

SÉRIE PEDOFILIA NO ESPORTE

A investigação do caso do adolescente de 14 anos de Cruz Alta foi rápida. Após a denúncia feita pela mãe, o delegado da Polícia Civil da cidade Josuel Muniz e sua equipe conseguiram a prisão do suspeito em seis dias, o que ocorreu em 15 de novembro do ano passado, na casa dos seus pais, com quem morava, no Bairro Santa Marta, na região oeste de Santa Maria. O nome dele não é revelado porque o processo corre em segredo de justiça e para proteger as vítimas.

Na oportunidade, também foram apreendidos diversos documentos, como procurações de pais autorizando que seus filhos viajassem sob a responsabilidade do suspeito. Além disso, só em seu celular, foram encontradas mais de 2 mil imagens de adolescentes em posições pornográficas.

Foram 44 autorizações apreendidas, com datas entre dezembro de 2014 e setembro de 2016, de adolescentes do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná. Sete delas em cidades da região: Faxinal do Soturno, Dona Francisca, Cruz Alta e quatro de Santa Maria.


INDÍCIOS

Cidades em que há suspeitas de mais vítimas 

  • Itaqui 3
  • Carazinho 2
  • Bagé 1
  • Cerro Largo 3
  • São Borja 2
  • Nova Erechim-SC 2
  • Santa Maria 4
  • Sobradinho 3
  • Guaíba 1
  • Uruguaiana 2
  • Ouro-SC 2
  • Luiz Alves-SC 1
  • Palotina-PR 1
  • Orleans-SC 1
  • São João do Itaperiú-SC 1
  • Faxinal do Soturno 1
  • Concórdia-SC 1
  • Frederico Westphalen 2
  • Cruz Alta 1
  • Alegrete 3
  • Dona Francisca 1
  • São Bento do Sul-SC 1
  • Porto Alegre 1
  • Palmitos-SC 1
  • Caxias do Sul 1
  • Florianópolis-SC 1
  • Gravataí 1
  • Total 44

Cidades em que há vítimas identificadas pelo suspeito

  • Passo de Torres-SC 1
  • Tubarão-SC 1
  • Antônio Carlos-SC 1
  • Biguaçi-SC 1
  • São Borja 2
  • Frederico Westphalen 3
  • Cerro Largo 2
  • Itaqui 2
  • Palmitos-SC 1
  • Carazinho 1
  • Chapecó-SC 1
  • Nova Erechim-SC 2
  • Caxias do Sul 2
  • Florianópolis-SC 1
  • São Paulo-SP 1
  • Bagé 1
  • Torres 1
  • Total 24

Foto: Naiôn Curcino (Diário)
Delegado Josuel Muniz, que investiga o caso, diz nunca ter visto tanto material com uma só pessoa

Além disso, em seu depoimento, o suspeito confessou o crime e revelou o nome e o sobrenome de 24 adolescentes que foram abusados por ele em solos gaúcho, catarinense e paulista. O modo de agir era sempre o mesmo: o contato por mensagem via redes sociais, a promessa de presentes ou ajuda na carreira e, depois, os pedidos de fotos pornográficas e encontros para atos sexuais.

Por todos esses motivos, a Polícia Civil de Cruz Alta abriu outra investigação para apurar novas vítimas e a possibilidade de o homem fazer parte de uma rede nacional de pedófilos.

- Esses nomes ele recordou, mas deixou bem claro que o número é muito maior. Também está claro que ele não está sozinho, já que ele manda e recebe fotos e contatos de outros adolescentes. Já me deparei com algumas situações um pouco parecidas, mas não nessa dimensão - destaca o delegado Muniz.

O suspeito também é investigado em Santa Catarina. Lá, alguns pais que liberaram seus filhos para, supostamente serem levados pelo homem para testes em times de futebol, registraram ocorrência contra ele. O santa-mariense teria alugado uma casa na cidade de Gaspar, onde alojava cerca de 10 atletas.

Em uma das ocorrências, uma mãe descreve que seu filho contou que era acordado durante a noite pelo suspeito e era obrigado a deixar que o homem praticasse sexo oral na vítima. O casal, pais de outro adolescente que estava na casa, conta que foi visitar o filho na referida casa em uma ocasião. Naquela oportunidade, o falso empresário teria ido para Goiânia e deixado alguns adolescentes sozinhos na casa, sem alimentação.

Pelo aliciamento e pedidos de fotos do adolescente de Cruz Alta, o homem já foi indiciado e denunciado. Ele responde pelos crimes de facilitar, recrutar ou coagir adolescente em cena pornográfica, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem pena de quatro a oito anos de prisão. Ele também responde pelo crime de induzir ou atrair à prostituição ou exploração sexual menor de 18 anos, que, conforme o Código Penal, prevê reclusão de quatro a 10 anos.

O QUE DIZ A DEFESA

O advogado contratado pela família do suspeito, Tiago Carijo, diz que "não vai entrar no mérito pelo segredo de justiça". Ele diz ainda que não houve nenhuma espécie de violência.

- Não houve ameaça ou coação. Ele está colaborando com a Justiça, confessou os erros que cometer. Então, com as provas do indiciamento, vamos debater para tentar uma pena mínima - resume.

O suspeito está preso preventivamente desde o dia 15 de novembro, no Presídio Estadual de Cruz Alta. As primeiras audiências, quando serão ouvidas a vítima e testemunhas, foram marcadas para os dias 26 de fevereiro e 9 de abril.

ESPORTE

Em seu livro "Futebol: sonho ou ilusão", o ex-goleiro profissional Alexandre Montrimas relata sua experiência dentro e fora das quatro linhas e fala sobre casos de pedofilia e abuso sexual no meio futebolístico. E ele garante: há abuso sexual em todos os esportes, e muito mais no futebol.

- O mais importante é mostrar aos jovens o que caracteriza abuso, porque a maioria deles não sabe, acha que aquilo é uma brincadeira, algo normal. Não é algo forçado, não é um estupro, há uma sedução. Acontece pelo sonho dos meninos de ser jogador e o poder que os abusadores têm de influenciar nisso - disse o ex-goleiro, que sofreu assédio por 10 anos quando estava nas categorias de base.

No ano passado, segundo o agora ativista e palestrante pela campanha "Chega de abuso", do Sindicato dos Atletas de São Paulo, nos últimos seis anos, apenas 102 casos de assédio ou abuso em clubes foram registrados.

Uma das precursoras no combate aos abusos sexuais no esporte foi a nadadora Joanna Maranhão. Em 2008, ela denunciou o seu ex-técnico, que abusou da atleta quando ela tinha apenas 9 anos. Mas, nos últimos anos, dois casos em especial chocaram o mundo esportivo e ligaram o sinal de alerta.

Em 2016, o ex-médico da seleção de ginástica dos Estados Unidos Larry Nassar foi condenado a 360 anos de prisão por abusar de 260 atletas ao longo de 20 anos. Em 2018, o então técnico da seleção brasileira de ginástica, Fernando de Carvalho Lopes, foi denunciado por mais de 40 ginastas, que alegam ter sido abusados pelo treinador.

CLUBES QUE TRABALHAM DO JEITO CERTO

Foto: Renan Mattos (Diário)
Há 23 anos, escolinha do Novo Horizonte, criada pelo militar da reserva Roberto Ruy, abre as portas para que os pais acompanhem de perto os treinamentos e competições dos filhos

Apesar de haver aproveitadores que exploram os sonhos dos meninos para o mal, a maioria das escolinhas são tocadas por abnegados e apaixonados pelo esporte, que acreditam tanto quanto os adolescentes no sonho de viver da bola. Alguns exemplos são a SER Santos, que tem 17 anos, e o Novo Horizonte, que existe há 23. Ambas as instituições realizam um trabalho transparante e, inclusive, com a presença dos pais. 

E mesmo nessas instituições sérias e que realmente trabalham em prol dos sonhos dos meninos, há quem tente, mesmo assim, se aproveitar. O presidente do Novo Horizonte, Roberto Ruy, lembra do suspeito preso pelo aliciamento do adolescente de Cruz Alta.

- Ele era bom de conversa. Expulsei ele daqui quando ele começou a querer se aproximar da gurizada. Sempre tivemos um cuidado muito grande aqui no Novo Horizonte. Para um professor entrar aqui, pesquiso muito, onde a pessoa esteve, o que fez - afirma.

Desde o início do Novo Horizonte, Ruy diz que os pais sempre são convocados, e não apenas convidados, a acompanhar todos os processos, como treinamentos, disputas de campeonatos, além de todas as demais atividades da quais os meninos participam.

- Nós nunca tivemos dificuldades com os pais, porque sempre jogamos aberto, com muita disciplina. Desde o início, sempre conversamos com os pais junto dos filhos, falando da disciplina, das obrigações que temos aqui. Registramos quais são os compromissos dos pais conosco e vice-versa - explica.

Para o presidente do Novo Horizonte, a facilidade na comunicação e no acesso aos meios de comunicação digital e redes sociais facilita a ação de falsos técnicos e empresários. A falta ou pouca atenção dos pais ao que os filhos estão fazendo na internet é o pricipal fator, segundo ele. Ruy exemplifica com a própria página do clube no Facebook, que recebe mensagens de crianças de 7 anos pedindo para jogar no time sem o conhecimento dos pais, muitas vezes.

- Os pais têm que ter um acompanhamento maior daquele instrumento que está sendo usado, seja Whatsapp ou Facebook. Tem que ver o que, por que e com quem os filhos estão conversando. Quanto tu vês, tem um guri mandando mensagem na página. Aí, pergunto se os pais estão sabendo. Se não estão, digo para colocarem os pais na conversa, para me ligarem - relata Ruy.

Com uma grande demanda de crianças e adolescentes querendo a profissionalização e sabendo do pequeno número que realmente tem condições, ele alerta para quem chega fazendo muitas promessas nesse meio. Desconfie.

- Esses caras jogam com o sonho da gurizada, prometem mundos e fundos. Os pais não podem se deixar levar por esse tipo de promessa, de um cara dizendo que o guri é craque, que ele vai botar dentro do time A ou B. O menino vai chegar num universo gigante de concorrentes, e ele tem que chegar preparado. Aqui, fizemos justamente o contrário, temos que ser realistas com os pais. Dias desses mesmo, tive que dizer para um menino que sonha em ser goleiro que não vai dar porque ele não tem estatura. Não tenho como ficar enganando a criança, porque, depois, a decepção é maior - orienta o dirigente.

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