VÍDEO: Secretaria da Cultura do RS tem primeira mulher trans como adjunta e diretora geral

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VÍDEO: Secretaria da Cultura do RS tem primeira mulher trans como adjunta e diretora geral
Foto: Solange Brum (Sedac)

Em uma tarde fria do inverno de julho de 2019, Gabriella Meindrad Santos de Souza, na época com 32 anos, foi surpreendida com uma ligação que transformaria a vida dela, e que faria história no Rio Grande do Sul. No outro lado da linha, a secretária de Cultura do Estado (Sedac), Beatriz Araujo, propôs um desafio. As oportunidades, para muitos, podem surgir com facilidade, mas para Gabriella, uma mulher transexual, o medo de não ter um emprego, de não ser aceita ou respeitada, simplesmente por ser quem é, era uma constante desde que começou o processo de transição, aos 25 anos. Depois de pensar por um dia inteiro, ela disse sim e aceitou o cargo de assessora técnica em Diversidade dentro da pasta. Ela assumiu em meados de outubro. Menos de um ano depois, já passou a ocupar o posto de secretária adjunta e diretora geral da Sedac, tornando-se a primeira pessoa trans a ter um dos títulos mais importantes de diretoria dentro das gestões estaduais.

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Na época em que recebeu o primeiro convite, Gabriella era servidora pública na cidade onde nasceu, em São Vicente do Sul, e estudava Direito na Fadisma, em Santa Maria – curso que concluirá neste ano. Desde criança, envolveu-se com a cultura gaúcha e, naquele ano de 2019, recebeu uma homenagem como prenda do Departamento Cultural da 10ª Região Tradicionalista, em um evento no CTG Cancela da Tradição, no município de Mata. Foi a primeira vez que o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) reconheceu a trajetória de uma mulher trans, e esse marco foi noticiado pelo Diário. A reportagem de Pâmela Rubin Matge repercutiu nos quatro cantos do Rio Grande, inclusive na Sedac, chegando até a Secretária de Cultura Beatriz, que encarou o reconhecimento como emblemático. Em entrevista à MIX, Beatriz recordou que foi uma mensagem contundente acerca do respeito às questões de gênero. A partir dali, secretária de Cultura do Estado passou a acompanhar as entrevistas que Gabriella dava e resolveu fazer uma tentativa de levá-la para a equipe do Estado.

– Foi uma escolha da qual me orgulho – resume Beatriz.

Depois dos trâmites burocráticos, Gabriella conseguiu a cedência, por parte do município, e mudou-se para a Capital. Apesar da empolgação e do frio na barriga, causados pelo novo desafio, ainda havia muita apreensão. Ela ressalta que são inúmeras as dificuldades que uma mulher trans enfrenta. E ela tinha noção do quão representativo era ocupar um cargo de direção estadual, e reconhece que ele tem um aspecto além de político, mas de visibilidade, da importância de estar lá.

Foto: arquivo pessoal

Logo que ingressou na Sedac, a estudante de Direito já mostrou que “missão dada é missão cumprida”, e uma das primeiras ações que realizou foi dentro do próprio local de trabalho, criando banheiros unissex dentro da secretaria, projeto que foi estendido em todo o Centro Administrativo.

– Uma das maiores dificuldades que as pessoas trans têm para ocupar espaços é a utilização de banheiros. Por isso, propus a criação dos banheiros que não tem essa diferenciação de gênero feminino ou masculino, para que elas pudessem se sentir acolhidas. E nos próprios banheiros que são femininos e masculinos tem cartazes fixados com esse caráter informativo, de trazer reflexões em relação às formas diversas das pessoas, que independentemente da orientação sexual, da etnia, das escolhas, se deve ser respeitado para usar o banheiro com o qual você se identifica – conta a secretária adjunta.

Ela também realizou diversas ações de valorização da mulher, projetos de visibilidade LGBTQIA+ e coordenou uma campanha de arrecadação de donativos em prol dos trabalhadores da cultura afetados pela pandemia de Covid-19.

Pensar a cultura para todo o EstadoA dedicação e a responsabilidade sempre caminharam ao lado de Gabriella, que batalhou para ingressar em um curso superior e estudou por horas a fio para conquistar o primeiro lugar no concurso público da prefeitura onde trabalhava, em São Vicente do Sul. Dentro da Sedac, não foi diferente. Sua atuação resultou no convite para ocupar o posto de secretária adjunta e diretora-geral da Cultura em julho. Ela é responsável por executar os projetos da secretaria com inúmeras atribuições e pensar a cultura de um Estado inteiro.

– Desde o início, ela queria participar de conselhos, mesmo nos quais sabíamos que ela poderia enfrentar alguma resistência. Ela é destemida e busca ocupar os espaços. Foi um grande ganho na equipe, e quando surgiu a oportunidade de uma troca, eu via na Gabriella um potencial muito grande para assumir essa função, e que também resultaria em mais um empoderamento dela – comenta Beatriz.

Com a pandemia, o desafio foi maior, e ela foi uma das responsáveis para que houvesse políticas públicas efetivas que ajudassem a cultura no momento difícil, como a organização dos editais da Lei Aldir Blanc e os protocolos de funcionamento das instituições culturais frente à Covid-19.

Gabriella também deu sequência a um projeto de extensão que havia começado dentro da faculdade, o Programa Visibilidade, com o objetivo de discutir questões de gênero e da transexualidade agora em todo o Estado. Isso resultou em uma série de ações durante janeiro, que é considerado o mês da Visibilidade Trans. Programas de qualificação voltados exclusivamente a pessoas transexuais e travestis e a inclusão da comunidade nas cotas para os editais de fomento à cultura a nível estadual, foram algumas das ações.

– No mês da Visibilidade Trans, tivemos o Palácio Piratini e o Centro Administrativo iluminado com a cor lilás e ações que fossem para refletir sobre essa população que é tão violentada, tem tão poucas oportunidades de emprego, acesso à educação e à saúde. Pessoas que são como eu mas que não tiveram a oportunidade ou o privilégio de ocupar um cargo em um espaço como o que estou agora – afirma.

Por ser de uma cidade do interior, ela também busca projetos que contemplem esses municípios:

– Em Porto Alegre, as pessoas têm mais acesso a teatros, casas de cultura, museus. Eu só conheci o Teatro São Pedro, quando vim trabalhar aqui. Muitas manifestações artísticas a gente não tem acesso no interior ou, quando tem, você acaba não indo pela forma que o mundo te exclui, você não se sente no direito de pertencer, ocupar ou de ir conhecer esses espaços. Então, quando penso que estou aqui, abrindo oportunidades e caminhos para que outras pessoas se sintam valorizadas e pertencentes, acho que isso é o maior ganho que eu tenho todos os dias – acrescenta.

Foto: arquivo pessoal

Foi preciso força e pessoas inspiradoras para vencerQuando Gabriella começou a fazer a transição, a preocupação era em como ela conseguiria ser aceita profissionalmente. Trabalhando no comércio em 2018, ela decidiu sair da empresa onde atuava para fazer a faculdade. Foi durante o curso que descobriu a força de acreditar em si mesma.

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– No primeiro e no segundo mês da faculdade, eu até pensei em desistir, porque é muito difícil. Quando você começa a ocupar um espaço, só pelo fato de você ser trans, as pessoas já te marginalizam, já tem uma série de estigmas e aquilo se refletiu muito porque eu me sentia um peixe fora d’água.

Apesar das dificuldades, ela foi acolhida pelos próprios professores. Gabriella se emociona ao lembrar de um dia em que ela foi chamada no final da aula pela professora Olinda Barcellos em uma conversa que a transformou:

– Ela disse que eu precisava sorrir mais, me abrir mais para as pessoas e mostrar quem eu era. Que quando fizesse isso, o mundo também se abriria para mim. Isso foi um divisor de águas. Eu vi o quanto uma pessoa pode transformar a sua vida com poucas palavras. Depois, foi um novo momento para acreditar em mim e correr atrás das coisas e tudo começou a acontecer – relembra.

A professora de 53 anos, que também é policial civil, conta que o gesto foi sincero, e depois daquela conversa ela notou que Gabriella começou a interagir mais na aula.

– O sorriso abre portas, derruba preconceitos, dá esse brilho no olho. Eu acredito que a gente passa pela vida das pessoas por algum motivo, e a minha participação foi tão simples, mas a fala foi de coração. Ela, que tem um sorriso lindo, conquistou tanta coisa, fruto da capacidade que tem – acrescenta a professora.

A trajetória de Gabriella teve ainda o apoio da família, que ela considera fundamental para ter conseguido alcançar os seus objetivos. A secretária adjunta do Estado é filha do meio da costureira Maria Leoni Alves, 60 anos, que é a responsável por costurar seus vestidos de prenda, e irmã de Luiz André e Leonardo. Segundo a mãe, Gabriella sempre foi motivo de orgulho de toda a família:

– Desde criança, ela foi muito responsável, dedicada e esforçada. Sempre se envolveu com CTGs, adorava declamar poesias, inclusive, já recebeu vários prêmios por isso. Eu sempre tive muito medo por ela, pela maldade do mundo, mas estou feliz por saber que ela está realizada hoje. Com certeza, tenho muito orgulho – completa a mãe.

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