Redução das linhas de transporte coletivo afeta 65 mil passageiros em Santa Maria

*Colaborou Bibiana Pinheiro

Redução das linhas de transporte coletivo afeta 65 mil passageiros em Santa Maria

Fotos: Nathália Schneider (Diário)

Desde 1970, seis empresas operam o transporte coletivo de Santa Maria com contratos diretos com a prefeitura, sem licitação. Ao longo dos anos, a lotação, o aumento da tarifa e as condições dos ônibus são temas discutidos pela população santa-mariense. Apenas em 2019, começou um diagnóstico do sistema. Atualmente, a licitação está prevista para o final deste ano. Enquanto isso, há mais de 50 anos, os passageiros enfrentam dificuldades diárias no transporte público. Em 2023, 65 mil pessoas utilizam o serviço em dias úteis e o sistema conta com 50 linhas pelo município. Além disso, segundo informações da ATU, o santa-mariense passa em torno de 40 minutos por dia no ônibus. 


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Um levantamento realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostrou que um pouco mais de um terço dos brasileiros (36%) passa mais de uma hora por dia em deslocamento para realizar atividades de rotina, como trabalho e estudo. Nos resultados, consta que metade dessas pessoas afirmam ter a qualidade de vida afetada pelo tempo gasto no transporte, sendo o estresse o sintoma mais recorrente.


O cenário nacional também é percebido em Santa Maria. As críticas da população sobre o transporte público são acompanhadas pelo Diário ao longo dos anos. Nos últimos dias, a reportagem acompanhou passageiros em mais de uma linha de ônibus, em diferentes horários e conversou com responsáveis pelo serviço. 


Cenário local do transporte coletivo para os passageiros

A aposentada Marli Flores, 74 anos, na linha Bombeiros - Faixa Nova


As linhas que vão para a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), geralmente, em horários de pico como no início da manhã e final da tarde, já lotam os assentos entre a primeira e a segunda parada. A linha Bombeiros Faixa Nova é bastante disputada pelos estudantes. No horário das 17h10min, antes de sair da Avenida Roraima, pessoas já estavam em pé. 


Dentro da lotação é obrigatório ter o número de passageiros totais sentados e em pé, nesse ônibus o número constava 45 sentados e apenas o número 3 para passageiros em pé. Contudo, provavelmente, o número de pessoas que não estão sentadas nessa lotação está com um numeral faltando, porque em outros veículos é constatado, por exemplo: 46 pessoas sentadas e 42 pessoas em pé. 


Placa com o numeral faltando

Quem pega essa rota diariamente é a aposentada Marli Flores, 74 anos. Atualmente, ela precisa ir todos os dias para o Hospital Universitário (Husm) para visitar o marido que está internado. 


– Eu pego na segunda parada, na frente do Husm. Geralmente, pego o horário das 17h10 para voltar para casa. Eu desço na parada em frente ao Big. Esse horário, quase sempre, é muito cheio, já precisei várias vezes descer pela frente do ônibus. Nessa semana virei meme, porque eu não conseguia passar para descer na parada e o pessoal precisou ficar gritando e puxando a cordinha para o motorista continuar parado para eu descer – conta a aposentada. 


As linhas que passam pela Faixa Nova, muitas vezes, são criticadas por passageiros que moram pela área, ou dependem exclusivamente dessas linhas para ir ao trabalho. A lotação com a linha Universidade Faixa Nova, das 8h10min,com saída da parada da Vale Machado, não constava o número total de passageiros permitidos. A plaquinha estava no local certo, na parte de cima da estrutura, perto do motorista, mas sem os números.   


O estudante de Engenharia da Computação da UFSM Leonardo Vargas, 23 anos, tenta embarcar nesse horário todos os dias, por causa das aulas, além disso, prioriza a primeira parada para ir sentado até a universidade. A graduanda de Artes Cênicas Mariana Beck, 21 anos, diferente de Leonardo, mora atrás do Hotel Morotin, por isso, quase sempre pega o ônibus cheio, quando consegue pegar em horários que não são os de pico, é um trajeto mais tranquilo.


A empregada doméstica Claudete dos Santos, 54 anos, desce perto da UFSM para ir trabalhar. Ela comenta que o real problema é nos sábados, porque os horários das linhas do Faixa Nova são reduzidos. De acordo com o site da Associação dos Transportadores Urbanos de Passageiros de Santa Maria, os horários de sábado para as linhas Universidade Faixa Nova que saem da parada da Vale Machado, que Claudete utiliza, tem apenas às 6h30min e às 12h10min pela parte da manhã. 


– Nos sábados para ir trabalhar, tem que se programar para sair ou chamar um executivo, porque quase não tem horário – relata Claudete. 


Avaliação dos responsáveis 

Conforme o empresário e diretor da ATU, Edmilson Gabardo, depois da pandemia as linhas da cidade precisaram diminuir, por alguns fatores: comércios encerraram as atividades; pessoas começaram a trabalhar em home office; aumento do desemprego. Para ele, outra questão que impacta também na redução de passageiros depois da pandemia é o tempo gasto no transporte público. 


– Algumas pessoas preferem pagar um pouco mais e ir de executivo. Porque o transporte público não tem prioridade nas políticas públicas, não tem via expressa só para ônibus, precisa melhorar a pavimentação das ruas. Então, as pessoas pagam mais alto para ter o conforto – reforça Gabardo.  



Quando questionado sobre o critério de escolha para ter determinadas linhas com mais veículos, Gabardo afirma que quem determina quantidade, preço e horário é a prefeitura. Em relação ao questionamento da lotação das linhas, como Bombeiros Faixa Nova, o diretor aponta que em qualquer lugar do mundo, em horário de pico, vai ser lotado. Além disso, descreve como folclore a questão de lotação atual no município. 


– Em 2019 ocorreu lotação, mas agora não temos identificado nenhum caso. Lotação acima do que o veículo transporta não tem mais. Essa questão da lotação é folclore. Temos os números de passageiros por viagem e a surpresa é grande. É reduzido o número de passageiros. Ninguém pergunta o número de ônibus vazio circulando como de noite ou no meio da tarde, com três ou quatro passageiros. Ainda, passageiros que não pagam a passagem, que são dois ou três idosos. O ônibus continua gastando, mesmo com as pessoas que não pagam – conclui o empresário. 


Segundo informações da ATU, a média é menor do que 30 passageiros por viagem. Por isso, a licitação é importante, explica o empresário.


Linhas de ônibus 

Conforme informações do secretário de Mobilidade Urbana, Orion Ponsi, antes da pandemia as linhas do transporte coletivo eram 52, agora, são 50. As duas linhas que não existem mais foram integradas a outras, são elas: A Nonoai-Casa de Saúde, que foi integrada à linha Nonoai; e, a linha Ipiranga que foi para a Santos-Urlândia. Em relação aos passageiros, diariamente a média era de 95 mil passageiros. Atualmente, 65 mil nos dias úteis. A frota é em torno de 200 veículos.      


Sobre os critérios de horários e fluxo de veículos em determinadas áreas da cidade é feita pelo estudo da quantidade de passageiros e horário de deslocamento para determinados setores. Ponsi relata que tem eixos no município consolidados pela grande quantidade de pessoas, como a região Oeste e Camobi. Já outras regiões, como Vila Rossi e áreas adjacentes a Lorenzi, apresentam um menor fluxo, por causa das linhas principais das localidades.


– A gente faz isso com responsabilidade colocando aquilo que o público precisa. Mas, os passageiros têm razão, de que a necessidade de determinada comunidade é muito diferente. Horário de trabalho, sentido de deslocamento, aquilo que fazemos para a grande maioria, às vezes não está adequado a algumas pessoas. Antes da pandemia tínhamos uma malha maior, mas hoje estamos fazendo com bastante economia – conta o secretário. 


Questionado em relação a alguns horários que lotam, Ponsi explica que tudo é controlado pelo sistema de bilhetagem e se detectarem excesso é feita a verificação da linha:


–  Analisamos se é uma questão pontual da linha, ou se é continuada. Se for isso, aportamos outro veículo para dividir a quantidade de passageiros para dar mais conforto na viagem. A verificação é constante e os ajustes quantitativos de linhas em determinados setores, como para UFSM e locais com grande fluxo de escolas. 


Por que as linhas reduziram? 

Alguns pontos foram citados por Gabardo anteriormente, como o fechamento de atividades comerciais durante e após a pandemia. O secretário reforça que políticas do governo federal impactam também o município, como o aumento do diesel em 25%. 


O acréscimo no combustível afeta em outro ponto importante para a manutenção da malha urbana: o subsídio que o município oferece de R$ 1,8 milhão a R$ 1,9 milhão. 


No início do mês de agosto, foi protocolada uma solicitação de aumento junto ao Gabinete do Prefeito e encaminhada para a Secretaria de Mobilidade Urbana solicitando o reajuste para R$ 6,15 da tarifa. Gabardo informa que desde junho os valores do subsídio não são repassados pela prefeitura. 


– Não podemos parar com nosso serviço. Para continuar trabalhando, estamos criando dívidas. Isso nos leva a uma situação complicada. Não conseguimos ter nem renovação de transporte por conta dos valores. Assim, precisamos reduzir horários e não conseguimos comprar frotas novas – comenta Gabardo para uma entrevista na Rádio CDN, em 10 de agosto. 


Segundo Ponsi, para reverter a situação, as linhas atuam de forma econômica, diferente de 2019, mas já foi encaminhado um projeto de lei para a Câmara de Vereadores, que autoriza o aporte do valor do subsídio para manter a redução tarifária e manter o sistema funcionando. Atualmente, a passagem custa R$ 5 para quem paga em dinheiro e R$ 4 no cartão cidadão. 


– Depois que fizemos o encaminhamento, tivemos o aumento do diesel, extremamente pesado e são políticas do governo federal. Vamos precisar calcular a diferença de custos. 


O que pode mudar com a licitação? 

A prefeitura apresentou algumas exigências planejadas para a empresa que irá operar as linhas de ônibus:

  • Unificação das tarifas urbanas e distritais
  • 30% da frota com ar-condicionado
  • Idade média dos ônibus de, no máximo, 8 anos
  • Novas formas de pagamento da tarifa (cartões de crédito, débito e QR Code)
  • Entre 25% a 28% dos ônibus com cobradores nas linhas mais demandadas e nos horários de pico
  • Ônibus com câmeras de videomonitoramento interno
  • Novo aplicativo para monitoramento dos horários de ônibus
  • Pesquisas de opinião periódicas com a população para avaliação da qualidade do serviço

Além do que está previsto na licitação, a prefeitura também promete que vai fazer mais investimentos na infraestrutura do transporte coletivo:

  • Criação de um terminal central para embarque e desembarque na Avenida Rio Branco
  • Instalação de corredores preferenciais de transporte coletivo em vias prioritárias (Avenida Presidente Vargas, Rua Riachuelo e Rua André Marques)
  • Iniciar tratativas para fazer corredores preferenciais na RSC-287, (Faixa Nova de Camobi) e na ERS-509, (Faixa Velha de Camobi), vias que não são de domínio do município


No momento, após a audiência pública, em 9 de agosto, Ponsi reforça que já compilaram todas as demandas e já remeteram ao Tribunal de Contas do Estado (TCE). Os próximos passos são a análise técnica e documental do processo. O prazo é de 90 dias para o TCE devolver ao município. O objetivo segundo o secretário de Mobilidade Urbana é apresentar até o final do ano a licitação.


Os valores

  • Em dinheiro – R$ 5
  • Cartão SIM (vale-transporte e cartão-cidadão) – R$ 4
  • O Cartão-cidadão é gratuito e pode ser feito na ATU com as documentações exigidas

Outros preços 

  • Estudantes e operária (domésticas e babás) – R$ 2,50
  • Integrações cartão cidadão e vale-transporte – R$ 2,50
  • Integrações do estudante e operária – R$ 1,25

Histórico do transporte público 

  • Em 2010, o Ministério Público de Santa Maria ajuizou ação civil pública visando a anulação dos contratos de transporte públicos municipais e a realização da licitação do serviço
  • Do período de 2010 a 2012, houve a apresentação da contestação, que são as defesas técnicas das empresas concessionárias e do município.Os trâmites entre escolha, custo e delimitação temporal do período a ser periciado, bem como dos recursos pertinentes perdurado até 2015, quando da apresentação do laudo pericial. 
  • Após isso, o MP requereu, novamente, que fosse deflagrado o processo licitatório, tendo o juízo entendido, em 2017, que não havia urgência que justificasse a necessidade da realização da licitação, sem o prévio saneamento das questões pendentes
  • Foi quando MP recorreu dessa decisão ao Tribunal de Justiça. A parte demandada requereu complementação da perícia, sendo o laudo pericial complementar sido entregue em junho de 2018. 
  • O Tribunal de Justiça acolheu parcialmente o pedido, não determinando a imediata licitação, mas sua realização, com prazo para organização da mesma, em 17 de junho de 2018
  • Em 27 de junho de 2019, o juízo torna a baixar o processo em diligências. O MP, novamente, pediu liminar para que o município fizesse licitação até 2020. 
  • Em 2020, eclodiu a pandemia Covid-19 e o número de horários e linhas ofertadas cai drasticamente, em face às exigências do plano de distanciamento ampliado e, depois, controlado, para enfrentamento da pandemia. 
  •  A situação, que gerou desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, levou o serviço ao risco de colapso e descontinuidade. – O MP local, com apoio do Núcleo de Autocomposição do Ministério Público (Mediar), optou pelo caminho da mediação. Buscou-se esse caminho para evitar que novas discussões, recursos e perícias gerassem mais anos processual. Como resultado, conseguiu-se que o serviço não fosse paralisado no período, e, principalmente, sem que esse desequilíbrio fosse repassado em aumento de tarifa ao consumidor
  • Novembro de 2022 – 12 reuniões públicas em vários bairros da cidade para esclarecer dúvidas e ouvir sugestões da comunidade
  • Janeiro de 2023 – Finalização do edital da licitação pela prefeitura e envio para análise ao Tribunal de Contas do Estado (TCE)
  • Julho de 2023 – Conclusão da análise preliminar do TCE e pedido de algumas correções

*Colaborou Bibiana Pinheiro

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