Às margens de um arroio que deságua no Rio Jacuí, em Agudo, Paulo Neuenfeldt, 56 anos, dedica os últimos meses do ano à colheita do tabaco. De sol a sol, e muitas vezes madrugada adentro, essa tem sido a rotina da família há 33 anos. O morador da Linha Boêmia é um dos 6 mil produtores que se dedicam à cultura na Região Central. Apesar da queda de quase 40% na produção nos últimos 20 anos(veja tabela ao lado), a fumicultura ainda é a principal fonte de renda de milhares de famílias.
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O Rio Grande do Sul é o Estado que mais produz tabaco: foram 68 mil famílias dedicadas ao cultivo na última safra. Na Região Central, com 6 mil produtores, Agudo se destaca pelo número de envolvidos com o cultivo e a área plantada. Em 2023/2024, o fumo cobriu mais de nove mil hectares de terra no município e foi sustento de 1.515 famílias, como a do seu Paulo. O agricultor conta que planta tabaco desde que se “entende por gente”. Começou com os pais e, agora, mantém produção ao lado da esposa Rita e do filho mais novo.
– Eu planto fumo desde criança, junto com o pai e a mãe. E há 33 anos com a minha esposa e meus filhos. Não tenho o que me queixar. Nos últimos anos, o preço melhorou. É o que dá o sustento para a família. Tudo que temos, que a gente comprou, foi através do fumo – afirma Paulo.

Apesar do número expressivo, a expansão da fumicultura, registrada há 20 anos, já não se repete. Em 2003, eram mais de 8 mil famílias produtoras. Em 2023, o número mal chega aos 6 mil, o que representa uma diminuição de 25%. Já em relação à área plantada, há uma perda de 38% – de 15 mil hectares plantados para 9,3 mil na última safra contabilizada (2023/2024).

Conforme o tesoureiro da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), Fabricio Murini, há uma diminuição de famílias na produção de tabaco devido à ascensão de outras culturas como a soja e os hortifrutis. Ele explica que o ápice da produção foi na safra de 2004/2005. De lá para cá, ocorreram oscilações nos números.
– A gente tem observado que não tem evoluído tanto o número de famílias, mas temos visto aumentar a produtividade, na questão da variedade e do uso de tecnologias. Também tem aumentado a área plantada por produtor – afirma.
Plantio e colheita envolvem ano inteiro de trabalho árduo
Em 2024, um ano atípico de produção. Paulo conta que, “por sorte”, foi um período entre safras. As perdas foram em parte da plantação de milho e na lavoura, lavada pela água. Conforme a Afubra, poucos produtores tinham tabaco na propriedade. Um levantamento recente aponta 1,9 mil produtores atingidos – a maioria por perdas no solo.
Mesmo com as enchentes de maio que afetaram a rotina e a produção da família, Paulo plantou as mudas estimadas para a safra: 100 mil em uma área de pouco mais de seis hectares. A colheita, iniciada em setembro, dura em torno de cem dias.

Na lavoura, um grupo de nove pessoas faz a colheita manualmente. Uma a uma, as largas folhas são retiradas do pé e se encontram em trouxas – que, por semana, podem chegar a 700. É esse apanhado, que pesa cerca de 50 quilos, que facilita o carregamento até o galpão. As temperaturas, que beiravam os 30º no início de dezembro, não estavam nem perto dos dias mais quentes passados na lavoura.
– Até parece fácil (a colheita), mas tenta pra tu ver – comenta um agricultor.

No galpão, o fumo fica cerca de seis dias no forno para amarelar e secar. É nessa fase que Paulo enfrenta noites com sono mais curto, já que, de duas em duas horas, precisa levantar para colocar a lenha no fogo. Na última etapa, o fumo é prensado e carregado até às fumageiras.
O trabalho não acaba com a entrega do fumo. Após, a família se dedica ao plantio de milho, uma fonte de renda extra. Essa lida árdua até levou o agricultor a pensar em trocar de cultura, mas esbarrou na falta de área:
– Já pensamos em trocar. O problema é que a gente não tem terra. Só temos 3,5 hectares e terra de cerro. Então, não tem como trocar para plantar outra cultura.

Conforme o tesoureiro da Afubra, Fabricio Murini, mais de 90% dos produtores, atualmente, não têm propriedade para cultivar soja, por exemplo, e ficam sem alternativas. Hoje, o agricultor precisaria de cinco hectares de soja para ter a mesma rentabilidade de um hectare de fumo.
– Algumas famílias deixaram de produzir tabaco e se dedicam ao hortifruti, por exemplo, e estão indo muito bem. Mas, se colocarmos todos para produzir isso, qual o mercado que vai absorver? E tem a questão do preço e demanda também. O Brasil é um grande exportador de tabaco.
Agrotóxicos, calor e futuro: as dificuldades do tabaco
Nas últimas duas décadas, estudos buscaram a resposta para a soma da fumicultura e a exposição aos agrotóxicos. Em 2014, uma pesquisa da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) ouviu 2,4 mil fumicultores de São Lourenço do Sul, Zona Sul. O estudo indicou que produtores expostos aos agrotóxicos têm 88% mais chances de apresentar distúrbios psicológicos. A pesquisa foi publicada na Neurotoxicology, uma das principais revistas científicas especializadas no assunto.
Essa e outras literaturas científicas reconhecem os riscos à saúde. No entanto, Fabricio Murini afirma que, nas últimas décadas, houve evoluções nesse sentido. A primeira delas em relação à toxicidade dos agrotóxicos. Hoje, aqueles usados na cultura do tabaco se classificam em “tóxico” e “pouco tóxico” – as duas últimas classes da escala. Outro problema recorrente era a doença da folha verde, causada pelo contato direto da pele com a nicotina. Com os equipamentos de proteção individual, tem sido cada vez menos comum, como explica o representante da Afubra:
– De 2000 para cá, evoluímos muito em equipamentos de proteção individual. Temos feito ciclos de conscientização com os produtores. Sempre teve aquela resistência de “ah, é calor, ou isso e aquilo”, mas hoje há consciência desse produtor. Então, praticamente, não vemos mais a doença da folha verde que, antigamente, era tão comum por falta de proteção e orientação. E as próprias empresas, quando fecham contrato de integração, têm a obrigatoriedade de fornecer esse equipamento.
Durante a lida na lavoura, seu Paulo comenta sobre o uso do agrotóxico. É “bem pouco”, comparado a outras culturas. O pior, conforme ele, é carregar a máquina de 20 litros nas costas. Logo, as condições do clima para desenvolvimento das mudas e o calor exaustivo estão acima da preocupação com os insumos.
Outra inquietação, que extrapola os rumos da lavoura, é a continuidade da produção. Paulo conta que vê, nos arredores, o número de agricultores diminuindo. As condições do clima e o trabalho exaustivo, aponta ele, são os principais motivos. Hoje, ele tem a ajuda de um dos dois filhos, o mais novo, de 21 anos. Mas essa não é uma realidade de todas as propriedades:
– Olha, vai ser difícil (continuar com a produção). A gurizada não quer mais ficar na lavoura porque é muito judiado. Sol quente e o tempo não ajudam.
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