
Foto: Thais Immig
Já passaram tantos sapatos pelas mãos de Luciano da Silva, 47 anos, que ele jura ser capaz de engraxar de olhos fechados. Já são 35 anos exercendo a profissão na Praça Saldanha Marinho. E, se depender dele, serão mais 60. Função que, apesar das dificuldades da rotina e de uma atividade cada vez menos comum, ainda é motivo de orgulho:
– Sempre tive orgulho da minha profissão. Não tenho vergonha de dizer que sou engraxate, o único de Santa Maria, e enquanto tiver serviço, pretendo ficar nessa profissão. Só vou abandonar o dia que eu ficar o dia inteiro aqui e não engraxar nenhum sapato – afirma.
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O início
Um dos últimos na cidade, o engraxate conta que há quatro décadas o cenário era bem diferente. No final dos anos 1980, havia dezenas de pessoas na Praça que exerciam a função e Silva garante que não faltavam clientes. "Tinha para todo mundo", garante. Nessa época, com o Ensino Fundamental incompleto e dificuldades de encontrar um emprego com carteira assinada, construiu a primeira cadeira e comprou os instrumentos para lustrar os sapatos.
– Gosto dessa profissão. Chego a hora que quero, saio a hora que quero. Quero vir, venho. Não quero vir, não venho. Nos anos 80 e 90, era uma profissão muito procurada. Tinha até briga por lugar aqui na praça – conta.
Hoje, a profissão de Silva já não tem a mesma demanda. Ele desafia, quem for, a encontrar pessoas que ainda usam sapatos no movimento intenso do Centro. Não à toa, viu o número de colegas diminuindo até que só restou ele. Tem dias, conforme o profissional, que leva quatro horas para conseguir um cliente. É preciso “sempre olhar para o lado e prestar atenção no sapato”. Assim, Silva pode até passar despercebido, mas nunca um calçado passa por ele sem ser notado.

A “briga” contra os tênis
Sobre as dificuldades, Luciano Silva não hesita em falar que são os tênis. Outra dificuldade é o calor. Com as altas temperaturas, diminui o número de sapatos e, também, as condições de trabalho. Ele conta que o frio até suporta, mas que no calor “não tem onde se esconder”. A falta de apoio para uma melhor estrutura também deixa o santa-mariense descreditado que a realidade possa mudar. Por isso, em meses mais quentes, costuma chegar às 8 horas da manhã e ficar até o meio da tarde.
– Janeiro e fevereiro dá vontade de desistir. Por mais que o freguês goste de usar sapato, não tem como usar em um calor de 40 graus. Preferem a sandália ou o chinelo – revela.
Apesar disso, ele nunca pensou em mudar de profissão. Hoje, é a atividade que sustenta a família: esposa, os filhos e os netos. A soma dos serviços do dia mantém a família e garante a “passadinha no mercado” de quase todos os dias. Morador do Bairro Carolina, Silva sempre faz o trajeto a pé. Assim, economiza o dinheiro da passagem e ainda mantém a saúde em dia.
– Como eu sou o único, os fregueses que ainda vem, me valorizam. Eu gosto de ver o freguês chegando. Ele chegando com o sapato de um jeito e saindo de outro. Isso é uma satisfação muito grande porque eu procuro fazer o melhor para o freguês retornar. Tem uns que voltem e dizem que “ba, já estive em outra cidade e nenhum engraxou do jeito que tu engraxou”. Eu gosto disso aí, quero morrer aqui engraxando sapatos – afirma Silva.
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