Priorizar a educação significa dar estrutura, formação e investimento real

Redação do Diário

Priorizar a educação significa dar estrutura, formação e investimento real
Fotos: Nathália Schneider (Diário)

É em Formigueiro, município com cerca de 6,6 mil habitantes, que uma escola apresenta o pior índice de evasão na região. Na Escola Estadual de Ensino Médio (EEEM) João Isidoro Lorentz, quase metade dos alunos abandonaram os estudos, o que repercute na taxa de 41,5% de evasão. Em comum com outras instituições do Estado, lá, os estudantes desistem das aulas para trabalhar.  Porém, a cidade tem uma característica: vários alunos vivem na zona rural, e optam pelos serviços na lavoura em vez dos estudos.

– Cerca de 80% dos nossos alunos dependem de transporte escolar, e a  maioria das desistências se dão nos que estudam à noite. Há aqueles que só esperam completar 18 anos para sair. Outros, com menos de 18, são acompanhados pelo Conselho Tutelar, pelo Ministério Público, mas pagam uma multa e não voltam. Em vários casos os próprios pais pagam,  pois não há uma cultura de que educação é mesmo importante. No noturno, começamos com 80 matrículas e, hoje, estamos com 34. Mas alunos frequentes são só 12 – relata o diretor Edson Silva Lorentz, 52 anos.

Única escola de Ensino Médio da cidade, a João Isidoro Lorentz está em atividade desde 1979. Historicamente, a gestão da escola depara com a evasão de estudantes e de problemas que foram ainda mais escancarados pela pandemia. Entre eles,  a falta de recursos suficientes para a rotina escolar – inclusive para merenda, e a falta de valorização salarial para os professores.

– Não temos um número, mas sabemos que tem alunos em que a principal refeição é aqui na escola. Mesmo com repasse pequeno, a gente faz esse “milagre”. E nas propagandas políticas, todos dizem que vão aumentar o valor da merenda, mas não sei se a gente pode acreditar. Outro impasse é o vínculo com os professores. Temos um quadro maravilhoso, mas eles precisam trabalhar em duas ou três escolas para uma remuneração melhor – acrescenta o diretor.

As sucessivas mudanças na linha pedagógica também são mencionadas como prejudiciais pela vice-diretora Janaína Xavier de Almeida, 49 anos. Outro fator analisado é a redução do poder de compra da população e a dificuldade de atender a necessidades prioritárias, que impactaram na formação dos alunos e terão reflexos além do período pandêmico:

– A  falência alimentar e o desemprego interferiram na aprendizagem. Em dois anos de ensino remoto, percebemos. Os professores gravavam as aulas e enviávamos, mas não eram nem 10 alunos por turma que participavam das tarefas. E sabe por quê? Porque os pais não tinham R$ 10 para colocar um cartão no celular e deixar de comprar outra coisa. Quando fizemos a entrega de cesta básicas aqui, em julho e dezembro de 2020, tivemos a noção da dificuldade das pessoas. Chegaram aqui pais que não tinham vindo para buscar atividades, mas quando souberam que era comida, apareceram. Ainda levaremos muito tempo para nos recuperarmos. Junto da saúde, a educação sofreu muito. Aqueles alunos sem condições, que já eram excluídos, ficaram ainda mais.

A escola segue insistindo na busca-ativa e, por meio da gestão, desenvolve projetos extracurriculares para atrair e motivar alunos. Porém, a eficácia das ações, extrapola o esforço dos educadores.

– Como convencê-los que vir para escola estudar é melhor que ter R$ 50 para comprar o que eles quiserem? Essa situação sempre existiu  e, agora, só foi agravada. Na última semana, dois alunos nossos, que completaram 18 anos, pararam de estudar, estavam trabalhando em uma obra exatamente aqui na frente da escola. Isso me deu uma dor. Aí, me pergunto: onde nós, enquanto sociedade, estamos falhando? Como deixamos isso acontecer. E não é só responsabilidade da escola, é de todos. Por isso, nossos políticos deveriam olhar para educação como prioridade de fato, pois o país sem educação não é nada – desabafa a vice-diretora, com olhos marejados.

“Queremos que as políticas deixem de ser de governo e sejam de Estado”

Outra crítica dos gestores da EEEM João Isidoro Lorentz é com relação às metas e às estatísticas. Para eles, as políticas tinham de serem pensadas levando em consideração as particularidades de cada região, as diferentes realidades. Aliado a isso,  manter o foco na qualificação dos alunos para que se tornem  críticos e preparados para o mercado de trabalho.

– Só querem resultados, números. E nós queremos que as políticas deixem de ser de governo e sejam de Estado. Atuo há 26 anos como professora e já tivemos de tudo: Calendário Rotativo, Lições do Rio Grande, Ensino Médio Politécnico, e, agora, o Novo Ensino Médio. A sensação é que falta conexão dos governantes com o chão de sala de aula ou os que têm, esquecem. Eles dizem: “faça-se, cumpra-se”. Mas não dão estrutura, não dão RH (recursos humanos), não dão investimento para colocar as metas em prática. E falo de investimento real, que não é só repassar um percentual obrigatório, os 25%, que se gasta  sem planejamento – argumenta a vice-diretora.

Durante a entrevista ao Diário, na última terça-feira, ela estava provisoriamente alocada na sala da direção, pois não havia internet na própria sala. Já o diretor recebeu a reportagem com uma furadeira em mãos. O motivo: instalar um mural na escola, evitar a contratação de um serviço terceirizado e um gasto a mais para instituição.

Evasão nos municípios da região em 2021*

Ensino Fundamental

1º – Santa Margarida do Sul – 4,3%2º – São Gabriel – 3,6%3º – Formigueiro – 3,1%3º – Ivorá – 3,1%5º – Santana da Boa Vista – 2,4%6º – Rosário do Sul – 2,2%6º – Vila Nova do Sul – 2,2%8º – Caçapava do Sul – 2,1%8º – Quevedos – 2,1%10º – Dilermando de Aguiar – 1,9%

* Santa Maria aparece na 15ª posição – 1,5%

Ensino Médio na região

1º – Formigueiro – 41,5%2º – Lavras do Sul – 22,5%3º – Rosário do Sul – 20,8%4º – Restinga Sêca – 20,2%5º – Santa Margarida do Sul – 19,6%6º – Ivorá – 19%7º – Itaara – 18,9%8º – Júlio de Castilhos – 18,1%9º – Paraíso do Sul – 16,8%10º – Dona Francisca – 15,7%

*Santa Maria aparece na 23ª posição – 7,6%

O INEP

Os dados publicados pelo Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) são resultados da coleta de dados realizada durante o Censo Escolar de 2021Dividida em duas etapas, a primeira consiste no preenchimento da matrícula inicial, quando ocorre a coleta de informações sobre os estabelecimentos de ensino, gestores, turmas, alunos e profissionais escolares em sala de aula. A segunda etapa ocorre com o preenchimento de informações sobre a situação do aluno, e considera os dados sobre o movimento e rendimento escolar dos alunos, ao final do ano letivo. Assim, são elaborados os percentuais de aprovação, reprovação e abandonoO objetivo do censo escolar é de compreender a situação educacional do país, dos Estados, dos municípios e do Distrito Federal, bem como das escolas e, com isso, acompanhar a efetividade das políticas públicasAs taxas apresentadas consideram, neste caso, o somatório da evasão nas escolas públicas e privadas e, nas urbanas e rurais da regiãoO levantamento das informações (acima) é referente a 2021, e a pesquisa foi divulgada em maio deste ano

Por Gabriel Marques e Pâmela Rubin Matge

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