Marcio Felipe MedeirosSociólogo e professor universitário
Quando falamos de “racismo estrutural”, o qual é brilhantemente retratado na obra homônima de Silvio de Almeida, estamos falando de um conjunto de dispositivos sociais, cuja raiz está assentada em processos históricos, mas que por inúmeras razões é reproduzida na sociedade. A dimensão estrutural, mais do que pensar em uma estaticidade do racismo, está relacionada à forma abrangente e de difícil combate que o racismo ocupa por estar em tantos lugares ao mesmo tempo. O racismo está presente na linguagem, na cultura, nas instituições, na educação, na segregação social, na desigualdade, no acesso a bens e serviços, enfim, está entranhado na sociedade.
Dentre os lugares mais complexos que está o racismo, um é a dimensão intersubjetiva, relacionada ao imaginário pessoal, ou como diria Frantz Fanon, o racismo está também no inconsciente. Como vivemos em uma cultura com inúmeros traços racistas, é comum muitas pessoas reproduzirem comportamentos racistas. Aqui entra uma dimensão de difícil compreensão, para ser racista um indivíduo não precisa querer voluntariamente ser, basta este reproduzir comportamentos dessa natureza. Portanto, uma pessoa pode ser racista sem ter a intenção de ser ou mesmo ter a compreensão que é.
Quando falamos de crítica a comportamentos com lastro histórico, é bastante comum aparecer a crítica ao “politicamente correto” ou tratar como “mimimi”. Não raro, as pessoas que assumem esse discurso o utilizam para justificar suas práticas discriminatórias, enraizadas em sua criação, e que acreditam ser meras “brincadeiras”. Emerge, deste grupo, questões como: se era permitido brincar com a condição de uma pessoa e isso trazia risadas no passado, qual o motivo de hoje isso não ser mais legítimo?
Aqui entra uma dimensão, sinônimo da modernidade que estamos experienciando. Hoje, aqueles que eram excluídos (justamente a população negra) encontram a possibilidade de falar e serem escutados, através das redes sociais e do ativismo. O protagonismo político negro, sem “atravessadores” brancos, questiona e busca desconstruir o racismo ainda tão vivo e presente na sociedade brasileira e que se manifestava, dentre outros universos, na “brincadeira”.
As dificuldades ainda são inúmeras, vide a triste situação ocorrida recentemente na UFSM, na qual uma aluna posta um stories racista. Ao ver a repercussão do ocorrido, foi possível verificar nos comentários vários discursos extremamente enviesados que reforçam a urgência de se discutir o racismo. Parte do discurso, minimizava a fala da aluna, enquanto outros, de modo criminoso, propagavam palavras de ódio e “complementavam” a postagem. Resta sempre a esperança, de que em algum momento da história, debater sobre a diferenciação humana baseada na melanina não faça sentido, fruto de um passado remoto de práticas e discursos abandonados.
Leia o texto de Suelen Aires Gonçalves