plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

Gris
Juliana Petermann 
Professora universitária

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Um sol forte do inverno gelado chegou até a minha mesa no home office. Fico entre agradecer pelo calorzinho e desviar dos raios mais fortes que tornam difícil a visualização do computador. Com o efeito da luz, não consigo ver a tela, mas vejo a mim mesma. Num efeito de espelho, o mesmo sol reflete bonito no gris do meu cabelo. Neste mês, chego aos meus 40 anos e me despeço dos 30 platinada. Eu não sei quantas vezes já precisei sorrir e reafirmar com palavras aquilo que está na cara. Ou melhor, no cabelo: "não, eu não pinto meus cabelos". Justifico que minha falta de tempo, seria um empecilho para uma rotina mensal de salão e de tinturas. Argumento ainda que "não sou muito disciplinada com essas coisas de beleza". "Que ficaria refém de tintas". Desculpas que a gente dá e nem sabe muito bem porquê. As palavras vão saindo sozinhas. Autônomas. Como se eu simplesmente não pudesse dizer o que realmente estou pensando: "eu gosto assim". Rindo eu poderia dizer também: "eu trabalhei duro para forjar cada um desses fios de prata".

EM CADA FIO, UMA LIÇÃO

Cada fiozinho guarda uma grande história. Nem só de problemas se faz um cabelo branco. Frio na barriga, uma tese, alguma noite sem sono, alguma noite com sono mas sem poder dormir, um desafio no trabalho, um bebê. Um lindo desafio. Cada fio é como a linha de um caderno que vai sendo preenchido com os dias, com a vida. Por mais que eu não seja capaz de lembrar o motivo da falta de melanina em cada fio, de uma coisa tenho certeza: o que faltou de melanina sobrou em aprendizado. Cada fio branco, o diploma de uma lição aprendida. E ainda querem que eu cubra com tinta tanta coisa bonita que já aprendi e que se inscreveu no meu cabelo, no meu rosto, no meu corpo?

UMA QUESTÃO DE REFERÊNCIA

Se entre os homens a nevasca é natural e vista como charmosa, para as mulheres ainda chama a atenção. Aos 63 anos, Andie MacDowell virou notícia ao levar sua cabeleira branca ao tapete vermelho de Cannes. Em entrevista, a atriz disse que não encontrava referências entre as famosas e que se inspirou em imagens de mulheres reais. Entre minhas referências célebres está Maria Bethânia, que tem a potência da sua voz desenhada no volume branco de seu cabelo. 

Na minha memória estão minhas inspirações reais. Lá encontro minha mãe, cabelos de prata, ouvindo um LP, que havia pertencido ao meu avô também encanecido. Pela agulha, curiosamente, Nelson Gonçalves dizia "respeite, ao menos, meus cabelos brancos". Minhas mechas brancas, assim como minhas principais referências, são hereditárias.

Hoje é festa lá no meu AP
Eni Celidonio
Professora universitária

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Gente! Hoje tem festa aqui em casa! Bodas de Prata!

O quê? Casamento? Meu e do Celso? Não... Nosso: nosso e da Dalva. Exatamente! Hoje faz 25 anos que a Dalva trabalha aqui em casa. E ela já chegou chegando:

- Eu vou logo avisando que só trabalho por seis meses em qualquer casa. Fico até a senhora arrumar outra pessoa, fico só quebrando o galho. Pode ser?

Eu tinha acabado de chegar de Mato Grosso do Sul e me mudava de uma casa para um apartamento. Eu tinha tido ajuda de uma moça maravilhosa, a Rose, que ficou pouco aqui porque logo se casou. Logo depois, entrou outra, que tirou R$ 50 da carteira do Celso, logo no dia seguinte em que chegou aqui e não voltou mais. Ainda estava abrindo caixas e mais caixas, que pareciam que davam cria, fazendo mestrado, os meninos no colégio, mas pensei que seis meses era tempo suficiente para que eu arrumasse alguém para me ajudar, pois o apartamento é grande.

Pois senhores, seis meses, um ano, dois, três, dez, vinte, vinte e cinco... E eu asseguro que é um casamento. Dalva faz coisas que eu nunca fiz: ela sabe onde está tudo, guarda as roupas do Celso junto com as minhas e, depois, tem que ficar buscando uma camiseta ou meias no meu território. Um espanto! Se vocês querem enlouquecer, tentem preparar uma aula quando ela está empolgada para contar a briga que teve ontem na rua, entre um morador e o síndico do prédio dela. Eu paro o que estou fazendo, porque fica impossível raciocinar. Depois de um tempo, ela aprendeu que meu nome era Eni, porque sempre ela me chamava de Dona Enir, de tal maneira, que eu já estava até me acostumando com minha nova identidade.

Ela tem uma voz rouca, Celso diz que ela não anda: aderna... E é um deboche só. Quando a gente resolve entrar na cozinha, que é a praia dela, já corre atrás dizendo: "quer o que aí"? É brincadeira... Chegou a um ponto que ela virou parte da família. Um dia, chamamos os filhos para sentarem à mesa para discutirmos onde ir nas nossas férias e quando nos demos conta, lá estava a Dalva à mesa para participar também. Todos olhamos pra ela, e ela mais que depressa: "Ué... Não era pra vir toda a família? Então... Eu também vim"

Nunca tinha entrado num avião na vida, então, ao invés de irmos de carro a Porto Alegre, comprei passagens de avião e embarcamos num voo de manhã. Depois fiquei apreensiva, e se ela passasse mal, tivesse problema? Não preciso nem dizer que ela quis ir na janela, olhando pra tudo e achando tudo lindo. Nunca tinha entrado na Arena do Grêmio, então Renata, gremista roxa, foi num jogo e carregou o pai e ela, e quando voltaram, ela estava encantada. Do jogo mesmo ela não olhou muita coisa, ficou mesmo encantada com o tamanho do estádio, a parte da imprensa, o monumento visto de dentro, um vislumbre só. Ficou mais de uma semana falando em tudo que viu, o que sentiu, a pipoca que comeu no Copo do Grêmio, que trouxe do jogo como lembrança.

Eu poderia ficar aqui o dia inteiro contando tudo que já aconteceu nesses vinte e cinco anos, mas eu iria matar vocês de tédio, porque seria o textão dos textões. Mas vou ser bem boazinha e vou parar por aqui, deixando claro que às vezes, seis meses podem virar vinte e cinco anos, no mínimo! Parabéns pra nós!

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