Oito mulheres que cuidam da segurança dos santa-marienses

Pâmela Rubin Matge

Oito mulheres que cuidam da segurança dos santa-marienses
Fotos: Eduardo Ramos (Diário)

É provável que uma vítima de violência doméstica, a qual busca ajuda através do telefone 190, da Brigada Militar, ouça, no outro lado da linha, a voz de outra mulher, como a da soldado Flávia Ilha, 38 anos.

Diante de um incêndio, que pode implicar em uma família desabrigada, Gesabel Pretto, 37 anos, que trabalha na Defesa Civil Municipal, é responsável pela articulação junto a outros órgãos, o que envolve serviços de combate às chamas, de isolamento do local e do acesso à imagens do sinistro.

É aí que entra o trabalho de comunicação com outros colegas ou, havendo necessidade da atuação in loco, da soldado do Corpo de Bombeiros Ariane Garcia, 36 anos, da fiscal de trânsito Caroline Rohloff da Silva, 25 anos, e da guarda municipal Nadir Scolari, 59.

Não raro, alguns casos demandam ocorrências, que devem ser registradas na Delegacia de Polícia de Pronto-Atendimento (DPPA), onde trabalha a policial civil Anaduana de Braga Fogaça, 34 anos.

Em comum, todas trabalham para promover a segurança e estão alocadas no Centro de Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp), que fica na Avenida Medianeira, número 91.

CAROLINE DA SILVA ,Fiscal de trânsitoARIANE GARCIA, BombeiraANADUANA FOGAÇA, Policial civilFLÁVIA ILHA, Policial militarCAMILA CARDOZO, Coordenadora do CiospGESABEL PRETTO, Defesa CivilNADIR SCOLARI, Guarda municipalFRANCIELA DA SILVA, Auxiliar de limpeza

Falar do Ciosp, iniciativa que destaca Santa Maria no Estado e no país, é falar em tecnologia, união de esforços, prevenção e combate à criminalidade e qualidade de vida à população. Mais do que isso, o que também tem de ser falado e exemplificado é que falar do Ciosp é falar de mulher. Especificamente, do trabalho de 51 mulheres que se dedicam cotidianamente em diferentes aspectos da segurança do município.

Por lá, elas estão presentes em todas as instituições: na Brigada Militar, no Corpo Bombeiros, na Defesa Civil Municipal e na Coordenadoria de Trânsito e Mobilidade Urbana (CTMU), na Guarda Municipal, e ainda do efetivo feminino da Delegacia de Polícia de Pronto-Atendimento (DPPA), que tem sua estrutura no mesmo prédio. Além das que atuam diretamente na segurança, outras duas são encarregadas pelo setor administrativo e uma pelos serviços de limpeza – a propósito, um dos únicos serviços que não foram interrompidos nem durante a pandemia.

Agir coletivamente, pensar em soluções amplas e não só imediatistas e dar continuidade aos atendimentos são características inerentes às mulheres que atuam na segurança.

– Um exemplo comum é quando uma mãe, vítima de violência, acaba vindo até a DPPA, aqui no andar debaixo junto dos filhos. A gente sempre dá um jeito de distrair essa criança. Pega pela mão, brinca, mostra imagens das câmeras. Tudo para poupá-la daquele momento tão traumático. Não é uma atribuição, mas sentimos a necessidade de fazer isso – conta a soldado Flávia.

Já pela Defesa Civil, em que Gesabel costumam buscar de recursos e construir alternativas com outras secretárias do município e órgãos externos, o olhar humano é imprescindível na rotina profissional:

– Fizemos toda a rede de apoio. Há casos, em que pensando nas crianças para restituir material escolar entre outras detalhes sensíveis na abordagem como a entrega da cestas básicas e encaminhamento das questões escolares junto à Secretária da Educação do Município.

Na rua ou no local de trabalho, essa integração é percebida pela auxiliar de limpeza Franciele Libardi da Silva, 28 anos:

– Mulher é mais colaborativa. Nós somos mais solidárias e eu percebo muito aqui aonde trabalho é voltado à segurança. São mais pró-ativas comprometidas.

Naturalização e reconhecimento do profissionalismo feminino

Se alguns comportamentos refletiam preconceito, misoginia ou até mesmo desinformação quanto às funções desempenhadas por mulheres, atividades como a da Ariane Garcia, da Caroline Rohloff da Silva e da Nadir Scolari ajudam a quebrar a esteriotipização.

– Atualmente, atuo mais na parte administrativa, mas já aconteceu comigo e outras colegas que, ao atendermos ocorrências ou nos verem na rua e perguntarem: vocês são bombeiras mesmo? Daquelas que vão no caminhão? Isso nos incomodava, mas respondíamos que sim! Se por um lado temos uma “desvantagem” na força física, o que impacta até em concursos, por outros temos outros métodos e descontruímos padrões que a segurança precisa ser associada à figura masculina – comenta Ariane.

Caroline, que é fiscal de trânsito, acredita que é inclusive fonte de inspiração para outras mulheres.

– Dias desses eu fazia um trabalho junto ao trânsito durante uma ação de vacinação no município e uma mulher me perguntou: como tu conseguiste este cargo? Existe concurso? E se interessou em conhecer o trabalho.

Em 2000, quando começou a trabalhar como vigilante, Nadir só tinha outras duas colegas na mesma função. Em 2011, foi implantada a Guarda Municipal. Hoje, 23 anos depois, ela vê um cenário bem diferente:

– Antes éramos invisíveis, nos olhavam com a farda e desconfiavam do nosso trabalho. Agora é diferente. Em frente às escolas, quando ajudamos na segurança, os pais vem nos agradecer e comemoram quando há mulheres em serviço.

Unânime entre todo efetivo feminino do Ciosp é que as conquistas que vêm sendo protagonizadas por mulheres impactam cada vez em transformações no dia a dia, mas ainda há um longo caminho a percorrer, o que passa, por reconhecimento e ocupação de espaços em diferentes níveis hierárquicos.

Na tarde da última segunda-feira, enquanto experiências eram compartilhadas e o trabalho de cada uma era exaltado entre o grupo de mulheres, uma delas chamou a atenção para uma reunião que ocorria em uma das salas do Ciosp. A pauta era sobre um importante evento da cidade, que exige tomada de decisões. Em torno da mesa, 15 representantes e lideranças do município discutiam o tema. Todos eram homens.

“Mulher na segurança pública é saúde mental e projetos de prevenção contemplados”, diz especialista

Sou policial civil desde 2014 e, quando eu trabalhava na investigação, sempre fui respeitada. Ia para operações com homens enormes e tenho 1,56 de altura e nunca precisei do uso da força. Temos estratégias diferentes, estabelecemos relações de confiança no nosso trabalho. A honestidade e o profissionalismo fizeram com que até hoje, que estou em outra área aqui no Ciosp, eu recebesse denúncias de crimes, inclusive fora da cidade – orgulha-se Anaduana de Braga Fogaça.

A manifestação da policial atesta o que a socióloga e especialista em Segurança Cidadã pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Aline Kerber enfatiza:

– Tradicionalmente as mulheres não fazem parte dos comandos e das altas patentes. Há fatores bem importantes para isso. O machismo estrutural e a maternidade são alguns. Mas mulher na segurança pública é saúde mental e projetos de prevenção contemplados.

Conforme a pesquisadora, estudos acadêmicos e análises de trajetórias indicam que mulheres administram a violência na perspectiva da prevenção, articulam com outros segmentos sociais, o que resulta em projetos inovadores como a Patrulha Maria da Penha (PMP), implementado pela comandante Nádia Rodrigues Silveira Gerhard, o qual protege as mulheres com medida protetiva e atua fiscalização. A PMP teve início no dia 20 de outubro de 2012, concentrando-se, inicialmente, em Porto Alegre, sendo posteriormente descentralizada. Hoje está presente em 114 municípios.

Por outro lado, é muito raro mulheres em cargos de chefia. No Estado, há pouquíssimas comandantes de Guarda Municipal. Somente em 2019, a Polícia Civil teve, pela primeira vez na história do Rio Grande do Sul, a instituição chefiada por uma mulher, a delegada Nadini Tagliari Farias Anflor.

– Temos que ocupar os espaços públicos para promover cada vez mais discussão sobre a importância do nosso papel. Muitas vezes, essa ocupação é vista como impositivo e gera essa necessidade de termos que nos provarmos capazes o tempo todo, mesmo que tenhamos a mesma capacidade técnica – acrescenta Camila Cardozo, 30 anos, coordenadora Ciosp, que em outras situações de trabalho, presenciou mulheres serem silenciadas em reuniões, por exemplo.

A socióloga endossa que é necessário uma mudança na visão da sociedade e dentro das próprias instituições:

– Parte da segurança pública exige o contato corpo a corpo e o trabalho operacional, que leva muitas mulheres a ganharem espaço por masculinização. Leva a desenvolverem uma “violência” e corporeidade que se expressa mais nos homens, algo atrelado ao imaginário do que seria um profissional da segurança pública, o que é uma distorção. Até nas próprias instituições os profissionais são medidos pela aparência física em um contexto em que se valoriza a força. Isso tem de ser modificado. Essa brutalidade e beligerância que só aumentam a violência policial e a letalidade.

A segurança não só repressão qualificada é também prevenção social das violências e se faz com inteligência, união e projetos inovadores. Isso as mulheres fazem muito bem articulando com políticas de educação, saúde e cultura, porque mulheres entendem a importância de criar oportunidades e novas soluções.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Ambiente construído e saúde Anterior

Ambiente construído e saúde

Enxame de abelhas invade casa e obriga mulher e três filhas a deixar imóvel em Santa Maria Próximo

Enxame de abelhas invade casa e obriga mulher e três filhas a deixar imóvel em Santa Maria

Geral