Cães de serviço: conheça o trabalho realizado por cachorros em diferentes áreas do cotidiano

Cães de serviço: conheça o trabalho realizado por cachorros em diferentes áreas do cotidiano

Foto: Beto Albert (Diário)

Pets desempenham um papel importante na vida de seus tutores, contribuindo para a realização de tarefas e o bem-estar emocional.

Você provavelmente já ouviu que “o cachorro é o melhor amigo do homem”, certo? Em alguns casos, essa expressão ganha um significado ainda maior. Muito além da amizade, os cães, quando treinados, podem auxiliar os tutores a desenvolver tarefas do dia a dia, além de oferecer suporte em quadros de ansiedade e depressão. Isso mesmo, eles são usados para ajudar não apenas pessoas com deficiência visual. Os cães de serviço, também chamados de cães de trabalho ou de assistência, são responsáveis por garantir a interação social e, consequentemente, elevar a qualidade de vida de pessoas com algum tipo de deficiência ou necessidade específica.

+ Entre no canal do Diário no WhatsApp e confira as principais notícias do dia

Protetores, leais e inteligentes, os cães sempre fizeram parte do cotidiano humano de diferentes formas. Segundo a médica veterinária e anestesista do Hospital Veterinário Universitário (HVU), Liandra Cristina Vogel Portella, essa parceria existe há muito tempo e acompanhou as mudanças sociais e necessidades dos seres humanos:

— O cachorro sempre esteve presente na vida do homem. Seja junto da família, para auxiliar na caça ou defesa. Nas pinturas rupestres e registros da história, conseguimos ver o homem acompanhado de um cachorro. Eles também estiveram presentes auxiliando na guerra. Então, ao longo dos anos, o homem soube trabalhar com as habilidades naturais destes animais e transformar isso em benefício para a sociedade — explica.

Segundo ela, na hora de escolher o animal, é importante saber qual tipo de "drive" ele possui. A palavra vem do inglês e tem o sentido de algo que pode ser conduzido. Em português, podemos traduzir como impulsos ou instintos. 

O drive nada mais é do que o comportamento natural do animal. O fator é transmitido geneticamente e faz com que o cachorro responda da mesma forma a uma série de estímulos, no padrão de comportamento esperado para a espécie e a raça. A reação é espontânea e faz com que o animal execute inconscientemente atos e atividades adequados a sua sobrevivência. O drive de caça, pastoreio, rastreamento e proteção são alguns dos mais conhecidos.

Embora muitas pessoas sintam pena do animal, a especialista explica que não há motivos para acreditar que os cães são mal tratados ou até mesmo tristes.

— Para os cães, o trabalho é um momento de prazer, algo que vem de dentro. Se você tem um cachorro com drive de caça alto e jogar a bolinha, isso vai ser um prazer pra ele, porque é algo dele - reforça.


O melhor amigo do gaúcho 

Não precisamos ir muito longe para encontrar bons exemplos dessa amizade. Aqui no Rio Grande do Sul, o trabalho do cão de pastoreio se tornou indispensável na lida com o rebanho. O professor de Pós-Graduação em história da UFSM José Martinho Rodrigues Remedi conta que a parceria entre o cão e o gaúcho foi consolidada a partir do século XVIII, durante o processo de colonização e desenvolvimento das estâncias. Naquele período, a pecuária passou a ser a principal atividade econômica da região, e com a vastidão dos pampas e as longas distâncias a serem percorridas pelos rebanhos, o trabalho do animal se tornou indispensável. Os cães, inicialmente de raças europeias trazidas pelos colonizadores, como os cães pastores britânicos e ibéricos, começaram a ser adaptados à realidade do pampa gaúcho para auxiliar em atividades envolvendo a criação de ovelhas e gado.

Com a imigração europeia para o Rio Grande do Sul no início do século XIX, muitos imigrantes trouxeram consigo cães pastores europeus e antecessores dos cães pastores alemães. Foi a partir dessa mistura que surgiu o "ovelheiro gaúcho";

— Esses cães introduzidos foram cruzados com as raças já presentes no território, que eram menos refinadas e mais adaptadas às condições rudes dos pampas gaúchos. Esse processo de miscigenação ajudou a criar um tipo canino mais resistente, adaptado ao clima e às condições de trabalho da região, fortalecendo a linhagem do que viria a ser o "cão ovelheiro gaúcho" — explica.


Os principais benefícios do trabalho do cão ovelheiro gaúcho são:

  • Redução da necessidade de muitos peões para controlar o rebanho;
  • Agilidade na condução de grandes grupos de animais em áreas extensas;
  • Proteção do rebanho contra predadores e dispersão.


Outro momento importante para a introdução de cães pastores no Estado, segundo Remedi, foi na década de 1950, quando a região da fronteira oeste do Rio Grande do Sul passou por uma modernização significativa da ovinocultura. Além da importação de raças ovinas melhoradas, vieram também cães pastores altamente especializados, como o border collie, conhecido por sua inteligência, capacidade de aprendizado e habilidade em manejar rebanhos com grande precisão.

— Com isso, houve uma miscigenação natural com os cães pastores nativos do Rio Grande do Sul, que já eram utilizados no pastoreio desde os tempos coloniais. O resultado foi uma linhagem híbrida, onde as qualidades dos cães europeus, como a inteligência, a obediência e a agilidade, foram combinadas com a resistência e a adaptabilidade dos cães locais, que já haviam sido moldados pelo trabalho duro nas condições adversas do pampa. Essa miscigenação ajudou a criar um cão pastor mais versátil e resistente, adaptado tanto ao manejo dos rebanhos ovinos quanto bovinos, e que poderia trabalhar tanto em grandes áreas abertas quanto em terrenos mais acidentados. 

Mesmo com as inovações tecnológicas e a modernização do campo, o cão ovelheiro permanece uma figura importante no manejo do gado, especialmente em propriedades menores e familiares.  Hoje, muitos gaúchos valorizam o ovelheiro não apenas pela sua utilidade, mas também como símbolo cultural da tradição.


Muito além do cão-guia

Entre as "profissões" desempenhadas pelos cachorros, a mais lembrada é a do cão-guia, que auxilia pessoas com deficiência visual. Mas, na verdade, a lista de modalidades é vasta e abrange serviços individuais e também em grupo. Veja abaixo outros tipos de cães de serviço:

  • Cão-ouvinte: para pessoas com deficiência auditiva. São treinados para alertar sobre sons importantes do cotidiano como alarmes de incêndio, campainhas, alarme do forno, toques de telefone, entre outros;
  • Cão de alerta para diabéticos: treinado pelo faro para alertar o tutor quando o nível de glicose no sangue está baixo, além de buscar remédios e objetos e ajudar a pessoa a se levantar após uma queda;
  • Cão-terapeuta: trabalha em asilos, hospitais e instituições de pessoas com deficiências intelectuais e do espectro autista — ajuda na socialização e na inclusão;
  • Cão de serviço de mobilidade: treinado para ajudar pessoas com deficiências orgânicas ou motoras nas mais variadas atividades do dia a dia;
  • Cão de busca e salvamento: auxilia em operações de resgate em desastres naturais ou outras situações de emergência;
  • Cães de faro: utilizado para encontrar drogas, além de todas as características gerais, precisa ser brincalhão, ágil e flexível para poder escalar e entrar em lugares de difícil acesso;
  • Cães de assistência jurídica: treinado para ajudar crianças e adolescentes vítimas de violência, como forma de facilitar o seu depoimento nos tribunais;
  • Cão de suporte emocional: ajuda pessoas com problemas psiquiátricos, como ansiedade, depressão e estresse;
Em 2022, no Lar Vila Itagiba, vovôs e vovós se divertiram com os cães na Terapia Assistida com Animais (TAA). Esta é uma das modalidades dos cães de serviço.Foto: Marcelo Oliveira (PMSM/Divulgação)


Treinamento 

Segundo o adestrador Sérgio Loretto, 40 anos, a escolha do cão ideal é importante e começa logo cedo, ainda na matilha.

— A partir dos 30 dias de vida, podemos ter uma noção de qual cão será o mais esperto e, a partir disso, já é possível direcionar o animal para a função desejada — conta.

Os casos variam, mas o treinamento pode ser feito a partir dos 60 dias de vida do animal. Loretto explica que o cão recebe pequenas "missões" que, quando bem realizadas, garantem uma recompensa, como petiscos, por exemplo. Como os cães aprendem por repetição, é desta forma que ocorre a memorização do comando ou atividade a ser desempenhada. Esse trabalho precisa ser feito até que o cachorro esteja preparado para auxiliar o tutor no dia a dia.

O especialista explica que um cão leva, em média, um ano para concluir o treinamento ou, dependendo da função, esse prazo pode chegar a até dois anos. Durante este processo, o animal é adestrado com o uso guia ou colete de identificação, e aprende a relacionar o uso destes dois objetos com o "trabalho" que precisa ser realizado. 


A Belinha, uma rottweiler de 5 anos, foi adestrada por Loretto para ser um cão de companhia. Diferente de um cão de serviço, ela não recebeu treinamento para cumprir funções específicas, mas sempre fica alerta e pronta para acompanhar Loretto quando necessário.Fotos: Beto Albert (Diário)

Existe raça ideal?

Engana-se quem pensa que apenas os cães de raça podem ser treinados para este tipo de trabalho. Apesar de incomum, Loretto esclarece que até mesmo os cães sem raça definida (SRD), também chamados de "vira lata", podem trabalhar como cães de serviço, porém, algumas raças específicas ganham destaque por serem mais inteligentes e capazes de realizar as tarefas necessárias. Ou seja, a escolha depende do tipo de atividade que esse cão vai prestar.

Segundo Loretto, três raças ganham destaque no ramo dos cães serviço no Brasil:

  • labrador
  • golden retriever
  • border collie


Ele trabalha, mas também se diverte

Apesar de ter responsabilidades, o animal também precisa de momentos de lazer, bem como de carinho e atenção. Loretto explica que atividades e brincadeiras devem fazer parte da rotina do cão, que também sabe diferenciar os momentos de trabalho e descanso. Sem a guia ou colete de identificação, o pet fica livre para curtir, brincar e interagir com outras pessoas. 


Parceiros nas missões

Bella (à dir), Sheik (no centro) e Molly (à esq) trabalham no Corpo de Bombeiros de Santa Maria.Foto: Corpo de Bombeiros (Divulgação)

Em Santa Maria, o 4º Batalhão de Bombeiros Militar (4º BBM) de Santa Maria conta com o apoio de três cachorros que atuam em diversos tipos de ações, como busca e resgate de pessoas.

Prestes a completar cinco anos no dia 18 de outubro, Sheik trabalha na varredura de áreas e faz busca de pessoas vivas ou mortas. Molly, uma border collie de 8 anos, também trabalha com varredura de áreas e faz a busca de pessoas em óbito. Já a Bella, de 4 anos, é a única que realiza buscas por odor específico na corporação. Inclusive, Molly e Bella possuem certificação estadual.

Outros três cachorros estão em fase de treinamento e devem realizar a prova de certificação em outubro. Para testar a aptidão do animal, ele e o tutor passam por uma atividade que simula uma ocorrência real, desde a parte da obediência até a busca. O cachorro passa por esses dois processos (treinamento e prova) junto do condutor, que fica responsável pelo animal até o fim da atividade na corporação —  e fora dela também. 

​O labrador Max, de um ano e seis meses, a pastor belga malinois Sky, também de um ano e seis meses, e a Pulquera, uma border collie de um ano e seis meses, devem realizar a prova ainda este mês. 


Sky (à esq), Max (no centro) e Pulquera (à dir), já passaram pelo treinamento e devem realizar a prova de certificação neste mês.Foto: Corpo de Bombeiros (Reprodução)


No setor de "aposentados", trabalham os labradores Guapo e Quira, de 9 anos. Longe das missões, os animais trabalham em atividades de cinoterapia, uma subdivisão da TAA (Terapia Assistida por Animais), um método terapêutico que utiliza a interação com cães para ajudar a melhorar a saúde e o bem-estar das pessoas.


Molly (à esq) e Guapo (à dir) se aposentaram das missões e hoje atuam em atividades de cinoterapia.Foto: Corpo de Bombeiros (Divulgação)


O sargento Alex Sandro Teixeira Brum atuou por anos ao lado de Guapo, e agora tem Sheik como parceiro de missões. Apaixonado pelo trabalho que desenvolve na corporação, ele reforça a importância dos animais nas missões:

— Trabalhar com os cães é uma atividade muito prazerosa e que dá resultado, principalmente no resgate de pessoas. Nós, seres humanos, não desenvolvemos tecnologias que consigam substituir o cão. Os drones, por exemplo, não conseguem detectar se o tempo estiver nublado. Ou seja, o cão é um divisor de águas e ainda é essencial para as nossas atividades.


Quais os direitos dos cães de serviço

Foto: Beto Albert (Diário)


No Brasil, a única legislação existente sobre os cães de serviço diz respeito apenas ao cão-guia. Promulgada em 27 de junho de 2005, a Lei Federal nº 11.126 garante o direito de acesso aos cães em diversos espaços públicos e privados, como:

  • Locais públicos: escolas, hospitais, bibliotecas, transporte público, restaurantes, teatros, cinemas, entre outros espaços abertos ao público;
  • Condomínios e estabelecimentos privados: residenciais e estabelecimentos privados, como shoppings e lojas;
  • Aeronaves: o embarque e permanência dos cães guia junto de seus donos durante os voos deve ser disponibilizado pela empresa;
  • Veículos de transporte público: os cães guia são permitidos em veículos de transporte público

Pensando em ampliar este público em nível federal, o projeto de lei 33/2022, que garante o portador de deficiência mental, intelectual ou sensorial de ingressar e permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhado de cão de apoio emocional, foi aprovado no Senado e apensado ao projeto de lei 10286/2018, que assegura pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) o direito de ingressar e de permanecer acompanhada de cão-terapeuta em todos os meios de transporte e em locais públicos, e segue em tramitação na Câmara dos Deputados.

Em Santa Maria, não há legislação específica que regulamente o trabalho dos cães de serviço, porém, a prefeitura esclarece que é possível cadastrar esses animais seguindo alguns requisitos:

  • possuir temperamento equilibrado, índole pacífica e ser comprovadamente calmo em situações de estresse,
  • atestados por profissional médico veterinário; 
  • não poder ser animal derivado de raças agressivas ou animal de guarda; 
  • ser adestrado e portar certificado de adestramento oficial; 
  • gostar de pessoas, 
  • ser sociável com outros animais, 
  • ser castrado, 
  • estar vacinado e vermifugado com comprovação na carteira sanitária, 
  • estar livre de ectoparasitas.

Para cadastrar o animal, o tutor deve ir até a Superintendência de Controle e Bem-Estar Animal, no 10º andar da Office Tower, Rua André Marques, n° 820, Bairro Centro. Os documentos necessários são:

  •  laudo médico da patologia e da necessidade da terapia assistida pelo animal (cinoterapia);
  • carteira sanitária e Registro Geral de Animais, contendo as informações atualizadas sobre vacinações e vermifugações;
  • atestados Médico Veterinários da índole, da calma e da docilidade do animal;
  • certificado oficial de animal adestrado para essa finalidade.

Caso o tutor queira embarcar no transporte coletivo junto do cão, será confeccionada uma autorização específica para o ingresso do animal devidamente cadastrado, que deverá ser apresentado caso requerido.

Em caso de dúvidas, a Superintendência de Controle e Bem-Estar Animal atende pelo (55) 3174-1543, no e-mail gabinete.sma@santamaria.rs.gov.br, e também presencialmente, das 8h30min às 13h30min. 

Segundo a prefeitura, em breve será disponibilizado um serviço digital para que o proprietário possa preencher ou encaminhar o cadastro do animal de forma online.


Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Cidades da região registram estragos causados pelas fortes chuvas desta terça-feira Anterior

Cidades da região registram estragos causados pelas fortes chuvas desta terça-feira

Após surto de rotavírus, atividades presenciais na UFSM retornam nesta quarta Próximo

Após surto de rotavírus, atividades presenciais na UFSM retornam nesta quarta

Geral