Memória e saudade marcam programação com conversas em homenagem aos 10 anos da tragédia da Kiss

Arianne Lima

Memória e saudade marcam programação com conversas em homenagem aos 10 anos da tragédia da Kiss
Fotos: Eduardo Ramos

Nem a chuva impediu que familiares, sobreviventes e amigos participassem da abertura da programação alusiva aos 10 anos da tragédia da boate Kiss na tarde desta quinta-feira (26), em Santa Maria. As atividades, que foram desde painéis de discussão a homenagens diversas, ocorreram na Praça Saldanha Marinho. Na madrugada de 27 de janeiro de 2013, um incêndio na boate localizada na Rua Andradas resultou na morte de 242 pessoas e mais de 630 feridos, sendo considerada a maior tragédia da história gaúcha.

A exposição Tempo Perdido, idealizada pelo coletivo ‘Kiss: que não se repita, foi montada na Praça Saldanha Marinho. A iniciativa mostra como estariam vítimas da tragédia hoje em dia.

O evento, que tem como slogan “resgatar a memória é construir o futuro”, teve início às 18h45min. Neste momento, foi realizada uma projeção dos nomes das 242 vítimas da tragédia. Logo após, começou o painel sobre os 10 anos da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), com a fala do atual presidente, Gabriel Rovadoschi Barros. Em discurso, ele citou o ex-presidente Sérgio Silva, para o qual foi disponibilizada uma cadeira como forma de homenagem. Silva se afastou do cargo em 2018, devido a problemas de saúde.

Ao Diário, o primeiro ex-presidente, Adherbal Ferreira, destacou a importância da AVTSM, criada ainda em 2013:

– A luta por justiça, não é só a justiça em si. É para que seja evitado, que não ocorra novamente algo tão violento como o que aconteceu. Foi um massacre. Esperamos que jamais ocorra novamente, em nenhuma cidade, e que nenhuma família sofra o que sofremos. Por isso, a associação está ai. Para que não deixar esquecer.

O ex-presidente da entidade, Flávio Silva, também relatou alguns momentos do processo vivido pelos pais na busca por justiça e responsabilização dos envolvidos na tragédia. Em 2017, Flávio, Sérgio e outros dois pais de vítimas foram processados pelo Ministério Público pelos crimes de calúnia e difamação. O processo acabou com absolvição para os acusados. Também foi citada a realização do júri da Kiss em dezembro de 2021, em Porto Alegre, e que resultou na condenação de Elissandro Spohr, Mauro Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Leão. A anulação da decisão, ocorrida em agosto do ano passado, foi lamentada por Flávio:

– Quem pagou a conta fomos nós. São mais dois ou três anos de sofrimento.

O movimento de resgaste a memória foi defendido por Barros na gestão atual. Para ele, é um absurdo que 10 anos depois não haja uma resposta satisfatória sobre o ocorrido e que familiares e amigos ainda sejam vítimas de comentários cruéis neste processo.

– Foi uma retrospectiva necessária. Acho que todo mundo precisa conhecer além do que aconteceu na noite. Esses 10 anos de luta, de movimento e muitos obstáculos são impressionantes. O que cada familiar passou e as coisas que precisamos enfrentar até hoje precisam ser compartilhados para as pessoas terem noção do tamanho do desafio que é seguir na luta – afirma.

Presidentes da AVTSM

Aniversariando ausências

Com inúmeros textos em homenagem às vitimas e em apoio aos pais, familiares e amigos, o poeta e cronista gaúcho, Fabrício Carpinejar, irá marcar presença na programação com o momento intitulado Aniversariando ausências.

– Que tribunal é esse que as vítimas são questionadas? Que tribunal é esse que não há ninguém no banco dos réus? – questionou poeta ao citar os últimos desdobramentos sobre a tragédia.

Em entrevista ao Diário, Carpinejar falou sobre o evento, que foi marcado pelo silêncio e pela emoção em diversos momentos:

– Foi um silêncio ensurdedor. É tão difícil estarmos aqui, 10 anos depois, sem nenhuma novidade. Tendo que carregar a dor e essa impunidade. Dos quase 30 indiciados, ficaram cinco e desses, nenhum foi condenado. Estão brincando com a nossa alma. Com o nosso coração.

Após o painel, Carpinejar convidou Joana, de nove anos, para um abraço. A menina é filha de João, uma das vítimas da tragédia, e completará 10 anos em março. Entre as participações no palco, Rosalino Cassol, pai de uma das vítimas, cantou uma música sobre saudade. Ao final, muitos pais se abraçaram e conversaram com Carpinejar.

Pais e sobreviventes formaram uma fila para cumprimentar com Carpinejar. Foto: Arianne Lima (Diário)

Ainda na programação

Após os painéis, às 21h, ocorrerá a exibição do primeiro episódio do documentário da Globoplay, Boate Kiss – A tragédia de Santa Maria, no auditório do Colégio Marista Santa Maria. Em seguida, está previsto o início da vigília e a realização de homenagem durante a noite. A programação alusiva aos 10 anos da tragédia da boate Kiss termina na noite de sábado (28), com uma missa em homenagem às 242 vítimas no Santuário Basílica Nossa Senhora da Medianeira.

Em conversas com o Globoplay e com a TV Ovo, o formato escolhido para narrar a história parte da própria trajetória de vida do jornalista, como um fio condutor do documentário. De acordo com Canellas, os cinco episódios retratam uma história de luta por justiça dos sobreviventes e dos familiares. 

A ideia inicial do documentário era contar toda a história da boate Kiss, com os antecedentes e com os desdobramentos, tendo como plano de fundo o julgamento ocorrido em 2021. Mas, em 3 de agosto de 2022, o júri foi oficialmente anulado. O jornalista relata que o desfecho da série seria a resposta da justiça aos familiares e sobreviventes, mas ela não veio. Por isso, a forma de apresentar a série precisou ser remodelada.

– A história da Kiss é uma espécie de retrato da sociedade e do estado brasileiro. Como eles se postam diante de tragédias dessa magnitude. E são muitas ao longo da história do país, sempre com a mesma tradição de tentar acomodar os responsáveis, de tentar jogar para debaixo do tapete tudo, de silenciar – explica Canellas. 

O jornalista percebe que ao longo desses 10 anos, uma parte da população da cidade, acredita que não deveria mais ser falado sobre a tragédia, mas essa é a pior forma de enfrentar o sofrimento:

– Porque quando não falamos dela, não narra, não explicita o que aconteceu, você abre a porta para o erro se repetir. Além disso, a memória vai se apagando, as pessoas começam a ver o esquecimento como uma virtude. E na verdade isso é um “ressofrimento”. Santa Maria precisa assumir essa cicatriz, a gente precisa disso..

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Arianne Lima – [email protected]

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