Juliane Müller Korb: criança estuprada não é mãe, estuprador não é pai

Redação do Diário

Juliane Müller KorbAdvogada

Acredito que este, até hoje, é o artigo que maior dificuldade encontrei em produzir pelo domínio absoluto da emoção e dos sentimentos aflorados que esse episódio devastador me trouxe.

Não existem palavras que eu consiga descrever o âmago do que sinto na alma aliado ao nó na garganta que quase me impede de respirar, a única reflexão que me cabe é a minha humanidade.

A premissa de ser humano, é que sofremos ao nos depararmos com realidades que pensamos ser impotentes em transformar, quando sempre há algo para ser feito, nem que seja servindo ao futuro, ao que ainda virá.

É pensando no futuro das mulheres, da minha filha, da filha dos outros, pelo meu futuro, que encontro forças para escrever sobre o episódio devastador, que trata da revelação do vídeo de uma audiência que perturbou o Brasil, trazendo no procedimento judicial nova e brutal violência a uma menina que foi estuprada aos 10 anos de idade e que está condenada a manter uma gestação.

A audiência presidida pela magistrada Joana Ribeiro Zimmer, acompanhada da promotora de Justiça Mirela Alberton na comarca de Tijucas/SC é um show de horrores.

O Estado, através das representantes do Poder Judiciário e do Ministério Público, trata de revitimizar a menina, ou seja, em ato continuado, a pobrezinha segue sendo constrangida e condenada, condenada a ser responsável por vida ou morte, condenada em “aguentar mais um pouquinho”, constrangida e violentada novamente quando perguntam à menina sobre a opinião do “pai” (estuprador), condenada a ficar longe da família em um abrigo para evitar que realizassem um aborto sem o consentimento legal.

A juíza catarinense decidiu interpretar a lei, que não dá margens para a interpretação quanto há estupro de menores, usando frases e questionamentos cruéis para tentar convencer a criança a manter gestação. Em um dos trechos mais chocantes da audiência, Joana pergunta: “Você acha que o pai do bebê concordaria pra entrega para adoção?” ao que ela responde um constrangido “não sei”. Ela nem sabe o que estão perguntando, ela só tem 10 anos.

Que autoridade teria coragem de perguntar a uma criança o que ela acha que seu estuprador pensaria em uma situação hipotética???? A juíza ainda tenta ganhar a confiança da vítima oferecendo um presente de aniversário, ela estava prestes a completar 11 anos, a possibilidade de escolher o nome da criança – que ela não quer ter. O crucifixo ao fundo da sala dá o tom da audiência, sempre lembrando que nosso Estado é laico, ou seja, deveria ser imparcial em relação às questões religiosas.

Não preciso e nem consigo dar mais detalhes dessa monstruosidade que realizaram com essa criança, de quantas violências distintas ela sofreu, inclusive por parte das duas que são pagas pelo povo para proteger essa menina.

Tanto a juíza, quanto a promotora estão, agora, respondendo a procedimentos administrativos, sendo investigadas através de suas corregedorias. A juíza já foi afastada, mas diferente do que se imagina, ela foi promovida! Pasmem, promovida!

Voltando ao início do texto, me reporto novamente à condição de ser humano, como podem os operadores do direito, que são da área das humanas, distanciarem-se tanto da humanidade, da empatia, do olhar de compaixão. Como conseguem? Ao que servem?

Eu mesma respondo: servem de exemplo do que não ser.

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