Em 21 de março, o Hospital de Caridade Astrogildo de Azevedo tomou a decisão de abrir mão de sua filantropia, deixando de oferecer 25 leitos de graça em sua unidade 190. A direção do hospital apontou, entre os motivos que poderiam fazer com que isso fosse repensado, a habilitação para a realização de atendimento de alta complexidade - cirurgias mais complexas e pelas quais o Sistema Único de Saúde (SUS) paga mais. Com isso, houve quem pensasse que os leitos que deixariam de ser oferecidos eram do SUS.
Por conta da confusão, a 4ª Coordenadoria Regional de Saúde buscou esclarecer o caso, fazendo uma diferenciação entre o que é leito filantrópico e o que é leito SUS. Em meio às discussões, surgiram duas informações importantes sobre a saúde na região. A primeira delas diz respeito aos atendimentos de alta complexidade. A outra, aos atendimentos realizados no Hospital Alcides Brum, que é administrado pelo Caridade e atende pelo SUS.
Em relação à alta complexidade, a novidade é que o contrato para a realização de procedimentos, entre eles oncologia, deve ser assinado entre o Estado e a administração do Caridade em breve. A data ainda não é informada, mas a expectativa é que isso ocorra até a metade do ano.
Sobre os atendimentos no Alcides Brum, a questão é preocupante. De acordo com a coordenadora adjunta da 4ª CRS, Flávia Costa da Silva, desde que o contrato foi assinado, em 2011, até hoje, não foi feito nenhum procedimento de neurologia, por exemplo, o que estava contratualizado. Como o serviço não é oferecido, o Caridade não recebe por ele. Para os usuários do SUS, o problema é que diminuem as possibilidades de atendimento.
- Em Santa Maria, não há prestador interessado em oferecer o serviço. Nós estamos encaminhando os pacientes para Uruguaiana - destaca Flávia.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, no ano passado, dos 8.880 diagnósticos contratualizados, foram feitos 5.706. Em relação a consultas e atendimentos, teria sido possível oferecer 882 a mais do que foi realizado, somando-se as cirurgias. O contratado foi de 1.248 por ano, mas foram realizadas 1.165 porque as neurológicas acabaram não sendo feitas. Além disso, apesar de terem oferecido 132 leitos para o SUS, apenas 75 estariam à disposição. A situação mais preocupante é a das cirurgias neurológicas. Apesar de, em 2011, terem sido acordadas 360 por ano, até hoje, nenhuma foi feita. Mais de mil procedimentos já poderiam ter sido realizados.
- A questão das internações acontece porque não nos mandam pacientes.
Capacidade para atender o hospital Alcides Brum tem. Sobre a questão da neurologia, enfrentamos dificuldade com os médicos. Eles não querem atender pelo SUS. É uma questão ideológica e, como eles não são nossos funcionários, não podemos obrigá-los. Até ofereci aos médicos uma complementação ao que é pago pelo SUS, e, mesmo assim, eles não aceitaram - afirma o provedor do Caridade, Walter Jobim Neto.
Médicos não têm de fazer procedimentos
O delegado do Conselho Regional de Medicina (Cremers), de Santa Maria, Floriano Soeiro de Souza Neto, explica que os médicos realmente não podem ser obrigados a fazer os procedimentos pelo SUS.
- Nenhum médico é obrigado a atender nenhum tipo de convênio. A questão é que o hospital deveria contratar médicos para oferecer os serviços que está contratualizando, assim, garantiria que o serviço fosse oferecido, mas essa não é a realidade - diz Souza Neto.
A 4ª Coordenadoria rebate a afirmação do hospital e garante que "o que não falta são pessoas precisando de atendimento" e que as cidades estão fazendo os encaminhamentos na medida em que os leitos e procedimentos são colocados à disposição.
Mas por que o contrato com o Caridade não é rompido se ele não está sendo cumprido e uma ampliação dos serviços, para a alta complexidade, está sendo estudada se nem mesmo o que já está contratado tem sido cumprido?"