História de dois municípios da região relembra os 200 anos da Independência do Brasil

Leandra Cruber

História de dois municípios da região relembra os 200 anos da Independência do Brasil

NathSchneider

Fotos: Nathália Schneider (Diário)

Há 200 anos, Dom Pedro, então príncipe, anunciava a independência do Brasil às margens do Rio do Ipiranga, fato que teria assinalado o afastamento dos laços coloniais e políticos com Portugal, o que, para o Brasil, seria a conquista da liberdade. Consequência de uma série de insatisfações com a Coroa portuguesa, sobretudo em razão do aumento dos impostos, esse capítulo da história do país faz parte da vida dos brasileiros desde pequenos. A Independência é também o motivo que leva centenas de pessoas a participar do desfile cívico de 7 de setembro na Avenida Medianeira, como o que ocorre a partir das 8h30min desta quarta, em Santa Maria.

Apesar da incontestável relevância do ato de Dom Pedro, a possibilidade da independência do Brasil já agitava a população antes mesmo de 1822. Na Região Central do Rio Grande do Sul, dois municípios já eram povoados. Na época, Cruz Alta e Caçapava do Sul, que não tinham exatamente esses nomes, já recebiam militares, religiosos e civis.

O marco inicial de Cruz Alta é localizado no interior no município. No local, um grande cruz faz referência ao inicio do povoamento de uma das cidades mais antigas do Estado. Hoje, escolas promovem passeios para visitar o monumento histórico.

A povoação de Cruz Alta começa, de forma tímida, em 1698, quando uma grande cruz de madeira foi erguida a mando do padre jesuíta Anton Sepp Von Rechegg. Hoje, o Monumento do Marco Inicial de Cruz Alta, localizado próximo a Benjamin Nott, interior do município, relembra parte da história do Estado. Para a jornalista Mariane Feistler, 25 anos, nascer e crescer em um dos primeiros municípios gaúchos é motivo de orgulho.

– Desde muito pequena fui inserida na história de Cruz Alta, assim como todas as crianças são hoje em dia. Conhecemos as lendas, os museus e a literatura, reconhecendo a importância do nosso passado para a construção do futuro da nossa cidade. É muito gratificante acompanhar a história – conta.

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Já em Caçapava, que começou a ser povoada em 1800, três construções remontam às décadas de Brasil Império: a Igreja Matriz Nossa Senhora da Assunção, de 1815; a Estrada da Calçada, de 1865; e o Forte Dom Pedro II, construído em 1848.

A pedra fundamental da igreja foi lançada a 15 de agosto de 1815, antes mesmo da Independência do Brasil, mas a obra só terminou em 1935. Hoje, a igreja possui um grupo, os Sentinelas da Matriz, que trabalham na tentativa de preservar a memória do prédio tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae).

– Em 2015 nós comemoramos os 200 anos da nossa igreja. Sabemos que é muito tempo e que muitas figuras da nossa história já passaram por aqui. A religião foi e ainda é importante para o Rio Grande, então temos esse grupo dos sentinelas para manter viva a história – enfatiza Paulo Gomes, um dos integrantes do grupo.

Já o forte e a calçada foram construídos após o anúncio da Independência, mas também guardam as memórias do Brasil Império. Diariamente, dezenas de pessoas cruzam pelas ruínas da fortaleza de pedra e cal construída na área urbana de Caçapava, que tem entre oito a 10 metros de altura. Para o segurança aposentado José Alcides, 63 anos, passar pelo único forte militar do Estado é fazer parte da história:

– Sou de Caçapava e vivo aqui a vida inteira. Então, gosto muito de saber que a cidade é muito antiga e que temos lugares como o forte. Passo aqui todo o dia e me sinto muito bem como uma parte da história.

Ainda, segundo o historiador e professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Adriano Comissoli, a região central do Rio Grande do Sul respondia a Vila de Rio Pardo, e era um local intenso de passagem e com algumas estâncias e fazendas.

Divisão administrativa da época

Província: após 1822, o Rio Grande do Sul deixou de ser capitania e tornou-se a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. As províncias eram divididas em vilas e freguesias.Vila: melhor estruturadas, contavam com uma Câmara de Vereadores, por exemplo, um juiz que administrava o local, além de religiosos, militares e povoação de civis. Uma vila poderia ter várias freguesias.Freguesia: espécie de divisão religiosa com uma capela e padre residente. A freguesia de Santa Maria – assim como as freguesias de Caçapava do Sul e Cruz Alta – respondia a Rio Pardo, uma das primeiras vilas da província e que deu origem a mais de 200 municípios.

Quilombos centenários

Reconhecida pela Fundação Zumbi dos Palmares, comunidade quilombola Picada das Vassouras, de Caçapava do Sul, é uma das mais antigas da região.

A região possui diversas comunidades quilombolas, territórios que remontam a história vivida há duzentos anos pelos escravos negros e indígenas que eram propriedade de portugueses. Em Caçapava do Sul, por exemplo, um dos municípios mais antigos do Estado, a Picada da Vassouras é reconhecida como território quilombola. De acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA-RS), o local foi constituído por descendentes de escravos do Coronel Romão Xavier Mariano e do parente Ricardo Xavier Mariano, que no século 19 eram donos de grandes extensões de terras na localidade.

Outras comunidades quilombolas como São Miguel e Rincão dos Martimianos, em Restinga Sêca, Passo dos Brum e Ipê, em São Sepé, e Passo dos Maia e Passo dos Brum, em Formigueiro, também foram fundados por escravos de grandes estancieiros das vilas e freguesias da região.

– Onde teve fazenda com criação de gado, principalmente, teve trabalho escravo. Eventualmente, esses homens e mulheres negras que eram escravizados conseguiam fugir e se realocavam em lugares mais remotos, assim começam a surgir os quilombos. Ou seja, há 200 anos, a comunidade negra já movimentava a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Mas, diferente da imigração italiana ou alemã, é muito difícil termos a genealogia dessas pessoas, porque muitos não tinham sobrenomes e eram identificados a partir dos nomes dos senhores estancieiros – explica o historiador Adriano.

Resgatar e ressignificar

Tanto em Caçapava do Sul quanto em Cruz Alta, o receio de perder capítulos das histórias dos municípios é o mesmo. A professora Andreia Dias, 51 anos, trabalha na Escola Estadual Dinarte Ribeiro. Ela diz que tem orgulho de morar em uma cidade histórica, mas sente que, ano após ano, detalhes importantes se perdem e deixam de ser contados.

– Nossa cidade é uma das mais antigas e tem muita relação com a Revolução Farroupilha. Muito das situações que vivemos hoje ainda são reflexos do que acontecia há 200 anos. Por isso que é importante sabermos como a cidade começou e quem são nossos antepassados – ressalta Andreia.

Na tentativa de preservar a história da cidade e do Estado, iniciativas como a Guarda de Infantaria Farroupilha, integrada por professores, historiadores, profissionais liberais e militares de Caçapava do Sul, tem percorrido o município para demarcar e reconhecer a moradia dos primeiros povoadores.

– Não queremos que a história se perca. Sabemos que hoje muitas construções e grandes lavouras, por exemplo, estão varrendo ruínas, pequenos cemitérios e outros tipos de patrimônios históricos. Então nos unimos para guardar a história da nossa terra – conta João Enriques, professor que faz parte do grupo.

Como era Santa Maria na época

Em 1837, o atual Coração do Rio Grande tornava-se Freguesia de Santa Maria da Bôca do Monte. Antes disso, na época da Independência, a cidade possuía uma capela, estâncias e pequenos acampamentos militares, segundo o historiador Adriano Comissoli. Assim como os demais munícipios da Região Central, era também um ponto intenso de transição de tropas militares.

– Hoje é muito difícil a gente precisar locais como a capela, que alguns documentos apontam que existiu em Santa Maria. Além da perda de diversos documentos históricos, as construções da época eram muito simples. Mas consta que na capela de Santa Maria, que ainda não era uma freguesia porque era bem pouco povoada, de vez em quando poderia vir algum padre de outra freguesia para realizar batizados, casamentos ou funerais. E, o que hoje é a cidade, estava dentro do território ancestral dos indígenas guaranis. Além da Fronteira-Oeste e Missões, a Região Central era o pátio deles – explica.

Ainda, para Adriano, a movimentação em Santa Maria na década da Independência do Brasil pode parecer irrisória. Mas, a região possuía diversas estâncias criadoras de gado, uma das principais riquezas da época.

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