Fotos: Tales Trindade (Diário)
Há 15 anos, a copeira Lisiane Braz vive a véspera de Natal nos corredores do Complexo Hospitalar Astrogildo de Azevedo, em Santa Maria. Mas, engana-se quem pensa que ela esteja distante da magia da ceia natalina. É Lisiane quem ajuda a levar o cardápio especial até os pacientes e acompanhantes do hospital – uma tradição que transforma a data em um gesto de afeto a quem precisou passar o Natal longe de casa.
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Preparo
Cada ceia natalina é pensada com cuidado. De acordo com a nutricionista e chefe da cozinha, Liciane Welter, o cardápio é planejado com bastante antecedência, justamente por se tratar de uma refeição distinta. Há, também, atenção aos pacientes com necessidades alimentares. Nesses casos, a equipe adapta pratos para dietas específicas, como pessoas com diabetes ou que tenham outras restrições.
– É um cardápio bem diferenciado, então pensamos nele com muito carinho, pensando que estamos fazendo para um familiar da gente, como se fosse a ceia da nossa própria casa – explica.

A organização envolve toda a equipe da cozinha, desde cozinheiros até profissionais da copa, como Lisiane que é responsável pela entrega das refeições nos quartos. Segundo a chefe da cozinha, o trabalho é feito com dedicação:
– Eles são muito dedicados e sempre procuram fazer uma comida gostosa, pensando que poderia ser um familiar deles que estivesse aqui.

Entrega
No cardápio: arroz com legumes, salpicão, farofa, proteína, fios de ovos e sobremesa. Todos os preparos são organizados e embalados para cada paciente e acompanhante antes das 17h30min, horário que a ceia começa a ser entregue. Com tudo pronto, comemoração da equipe da cozinha. Muitos deles falam e reconhecem a importância do gesto.
– Mais uma ceia concluída – comemora Liciane, com palmas.

No horário combinado, as bandejas ganham os corredores do hospital. Lisiane é responsável pela ala de oncologia. De imediato, avisa que são casos delicados. Muitos já estão há semanas ou meses no hospital, devido ao tratamento. A cada entrega, ela anuncia um cardápio especial. Para alguns pacientes, a ceia já é esperada, por ser uma tradição do hospital. Para outros, a refeição chega como uma surpresa.
– Com licença. Hoje temos uma ceia especial. Para os acompanhantes também – anuncia Lisiane na chegada em cada um dos quartos.

A ceia foi motivo de emoção no quarto 809. Vanderlei José Borin, 60 anos, recebeu com entusiasmo a refeição especial. Há mais de cem dias em tratamento, ele afirma que são esses gestos que fazem diferença:
– Algo diferente que aumenta a vontade de melhorar. O tratamento fica melhor quando nos sentimos bem acolhidos.
A esposa Rosmaria Cielo Borin, 61 anos, agradeceu o carinho dos funcionários:
– Não estamos com a nossa família, mas estamos com outra família maravilhosa daqui que acolhe a gente de forma que nem tenho como explicar. São maravilhosos. Então, estamos super felizes.

Afeto
Doença não tem dia, nem horário. Tampouco, “respeita” as datas comemorativas. Essa premissa Eliana Braz, 65 anos, conhece bem. Às vésperas das datas comemorativas de fim de ano, precisou ser internada por conta de um problema de saúde. Nada grave, conta, mas a situação a obrigou a passar o Natal longe de casa.
– Vim ao pronto-socorro e precisei ficar internada. O carinho e a atenção das pessoas aqui foi muito bom. Queria estar em casa, com a família, mas terão outros natais e oportunidades. O importante é ficar bem – afirma Eliana.

Retorno à cozinha
Na volta à cozinha, agora com o carrinho vazio, Lisiane fala sobre a emoção dos pacientes e acompanhantes. Ela conta que, durante a vivência no hospital, aprendeu que a comida se transforma em gesto de acolhimento em um ambiente onde, muitas vezes, o conforto vem em pequenas atitudes.
– Este ano completei 15 anos trabalhando aqui no hospital. Comecei muito nova e hoje, aos 39 anos, posso dizer que passei boa parte da minha vida aqui dentro. O hospital é um lugar de muitos sentimentos misturados, porque não é onde a gente gostaria de estar, mas a nossa função é tentar levar o melhor para quem está passando por um momento difícil. E a comida também é uma forma de acolhimento, de levar um pouco de alento.

O gesto ameniza, também, a distância da família:
– A ceia de Natal mexe muito com todos nós. Muitas vezes, a gente também não passa essa data com a nossa família, e aqui acaba sendo a nossa família naquele momento. Quando conseguimos levar esse carinho aos pacientes e recebemos um retorno positivo, é muito gratificante. A cozinha funciona 24 horas, o trabalho não para nunca, mas saber que conseguimos levar um pouco de alegria e conforto no coração das pessoas faz tudo valer a pena – diz, Lisiane, emocionada.
“Ações que humanizam esse período difícil”, afirma diretor
Conforme o diretor executivo da instituição, Bernardo Costa, a ação faz parte de uma estratégia de humanização do atendimento, voltada a qualificar a experiência de pacientes e acompanhantes durante o período de internação, especialmente em datas simbólicas como o Natal. Para ele, iniciativas como essa reforçam o compromisso da gestão com um cuidado mais sensível e integral, ao envolver equipes e gestores em um mesmo propósito.
– A administração acredita muito que o nosso papel é cuidar das pessoas da maneira mais ampla possível. Isso passa pela qualidade assistencial e pelos desfechos dos pacientes, mas também por toda a jornada durante a internação. Oferecer ações que humanizam esse período, que geralmente é difícil para pacientes e acompanhantes, é algo muito importante para nós. Ter equipes engajadas nesse movimento é motivo de muito orgulho, e poder proporcionar esse pequeno diferencial na noite de Natal faz parte da forma como acreditamos que o cuidado deve ser ofertado – afirmou Costa.
Celebrações em outros hospitais da cidade
Outros hospitais de Santa Maria também incluíram ações de Natal no calendário de pacientes e acompanhantes. No Hospital Casa de Saúde foi realizada uma celebração nas proximidades da data. Já o Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) recebeu projetos sociais como o “Vozes que curam” que levou música e alegria aos corredores do local.
A reportagem entrou em contato, também, com o Hospital Regional de Santa Maria. A assessoria informou que nenhuma ação de Natal estava prevista.
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