É neste domingo! 

Festival de pandorgas reúne quatro gerações de apaixonados na UFSM

Pâmela Rubin Matge

Como quatro lados que se juntam e formam um losango – geometria mais frequente à maioria das pipas –, um encontro inédito deve reunir quatro diferentes trajetórias – de 23, 39, 64 e 84 anos – em uma mesma paixão: o 1º Festival de Pandorgas da Cidade de Santa Maria. Será neste domingo, a partir das 14h, que Raul, Alan, Paulo e Guido, todos "pandorgueiros", como são popularmente chamados, devem se ver pela primeira vez. (leia a história deles abaixo).

 Santa Maria - RS - Brasil 09/10/2017Adultos e crianças se preparam para o 1º Festival de Pandorgas de Santa MariaCases:  Fabio Henrique Zappe, 44 anos - Radialista e idealizador do festivalCriançasLeanderson de Lima Moreira, 13 anos (colorado)Gabriel Martins Belmont, 13 anos ( cabelo roxo)Lucas Miguel Godoy Machado, 9 anos ( filho do professor de pipa)ProfessorRaul Buske Zappe, 23 anos - Porteiro O nostálgico campeãoPaulo Munhoz Siqueira
Foto: Lucas Amorelli / New Co DSM

O evento, que ocorre no campus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), é alusivo ao Mês da Criança, mas, para muito adulto, será também dia de nostalgia, reencontro e liberdade. Dia de matar a saudade desse antigo e milenar brinquedo que resiste ao tempo e mobiliza afetos.

– A maior graça era o sorriso das crianças. Aquilo vai subindo metros e metros, e elas, curiosas. Acontecia de chegar a noite, e a gente nem fazer ideia de onde andava a pandorga – lembra Paulo Munhoz Siqueira, 64 anos.

Segundo o idealizador do festival, o radialista Fabio Henrique Zappe, 44 anos, a data teve de ser transferida da última quinta-feira (Dia de Criança) para domingo em decorrência do grande volume de chuva na cidade. E como um bom pandorgueiro sabe, as condições climáticas podem ser aliadas ou algozes da brincadeira que depende, sobretudo, de tempo seco e da presença do vento.

Com ampla divulgação e muitos apoiadores, a expectativa é que pelo menos 100 pessoas compareçam à UFSM. Diversos grupos, inclusive, de alunos da Escola Municipal Padre Gabriel Bolzan, de Camobi, devem empinar suas pipas – também chamadas de pandorgas ou papagaios –, já que são muitas as alcunhas da estrutura de papel, varetas e linhas que colorem o céus e encantam os olhos.

CONCURSO DE PANDORGAS

As inscrições ocorrem na hora do evento e contam com a ajuda do Grupo Escoteiro Socepe. Basta levar um quilo de alimento não perecível e se dedicar à confecção do objeto. A pandorga mais bonita e criativa será premiado com uma bicicleta de 18 marchas, além de todos os participantes concorrerem a brindes. Toda a arrecadação será doada ao Centro de Apoio à Criança com Câncer (CACC).

_ Onde – Campus da UFSM
_ Quando – Domingo, a partir das 14h
_ Quanto – 1 kg de alimento não-perecível (tudo será doado ao Centro de Apoio à Criança com Câncer- CACC)
_ Inscrições – Na hora, por ordem de chegada
_ Premiação – 1 bicicleta 18 marchas para a pandorga mais bonita
_ Brindes – Todos os competidores participam do sorteio de uma bicicleta, 40 litros de gasolina, 1 torta doce

Clique no VÍDEO abaixo e veja como fazer uma pipa

 O FESTIVAL DA DÉCADA DE 80
Existiu, na Santa Maria de 1980, outro festival em que a poesia dançante de cores e tamanhos protagonizavam o evento. Embora a versão de 2017 se intitule "1º festival", o pioneirismo de um encontro de pandorgas tem berço em décadas passadas, no alto do Morro do Link, no Bairro Itararé. 

– Neste ano, eu estava trabalhando numa tarde e me deu uma luz, uma lembrança do evento que meu pai fez nos anos 80. Eu era muito pequeno, mas lembro da correria das pessoas. E como, hoje, ninguém mais faz tanta pandorga, falei para o meu velho: Vamos voltar a fazer um festival? E ele: "Estou contigo" – conta Fabio Henrique Zappe.

À época, a ação que celebrou, em 17 de maio, o aniversário de 122 anos de Santa Maria, foi organizada por Alcides e Claudio Zappe, hoje, diretores da Rádio Imembuí, que trabalhavam na agência Gilppe Publicidade. Como colaboradores, somam-se os nomes do professor Humberto Gabi Zanatta, Jobel Pereira, o arte-finalista Gilson Brasil e Tasso Kraunesk Prestes, em parceria com as Lojas Paraíso Infantil, administrada, em 1980, por Jesus José Maria Ottero.

Pelo menos 50 pandorgueiros participaram. O grande vencedor ainda se confunde em perdidas memórias. O que se tem certeza é que Paulo Munhoz Siqueira estava lá. E foi um dos destaques com vistosas e enormes pipas.

– Naquela época, o que mais se fazia era soltar pandorga. A gurizada disputava quem tinha mais habilidade, quem ia mais longe, qual era a mais bonita que se perdia ao léu. Tinha uns desafios, que até colocavam uma gilete na rabiola para cortar a linha e derrubar o brinquedo do outro. Poderia até ser perigoso, mas era uma aventura (risos). Foi um grande evento no alto do Link. Hoje, nem temos mais essas áreas, a cidade foi tomando – recorda o pioneiro do festival, Alcides Zappe.

Anos depois, em 9 de outubro de 1995, a Lei Municipal 3.906/95, do então vereador Fernando Adão Schmidt instituiu: "O Festival Municipal de Pandorgas a ser realizado, anualmente, na data de 12 de outubro, Feriado Nacional e Dia da Criança, integrando o calendário oficial de eventos do Município de Santa Maria".

Contudo, a medida nunca vigorou à risca. O que se sabe, por relatos populares, é que houve edições esporádicas e concursos junto a escolas ou entidades.

QUATRO PIPEIROS, QUATRO GERAÇÕES

O campeão nostálgico

Debruçado no muro da casa onde mora, no bairro onde se ambientam suas melhores lembranças, Paulo Munhoz Siqueira, 64 anos, popular Mynhoka (com y e com k, como ele faz questão de detalhar), diz, um tanto aborrecido, que o Itararé não é mais o mesmo. Ele é "pipeiro" e, por cerca de 50 anos, confeccionou, ensinou e vendeu pandorgas por aquelas bandas, além de ganhar muitos campeonatos. 

Solteiro e sem filhos, por décadas dividiu a atividade de borracheiro com o hábito de empinar pipa. Diz-se autodidata e, segundo o próprio, antigamente, comum era ver a criançada a olhar para o alto, diferentemente de agora, que andam cabisbaixas, sem desgrudar os olhos dos telefones celulares em jogos que "até confundem a inteligência".

Hoje, só guarda as diferentes armações do brinquedo. O motivo para seu "abandono" ao brinquedo é quase irreversível: só volta a fazê-lo se encontrar papel encerado. O problema é que o produto está fora de fabricação e é geralmente substituído pelo papel de seda ou náilon. Mas Mynhoca, o nostálgico campeão de arrojadas pandorgas, é conservador e autodecretou, sob desconhecidas e severas leis, a aposentadoria do seu melhor ofício de vida: 

– Já vendi e dei muita pandorga de presente. Estou cheio de encomenda, até penso em ir neste festival na UFSM. Mas, só ir, pois se é para fazer de papel ruim, estourar no ar e ver uma criança chorar, nem faço.

O colecionador solitário

O primeiro presente que ele lembra de ter dado à filha Maria Eduarda, hoje, com 6 anos, foi uma pandorga cor-de-rosa, que ainda diverte a menina. O gráfico Alan Fagundes Resi, 39 anos, é um colecionador de pipas. Solitário, lamenta não ver mais, como nos tempos de infância, a gurizada pela Praça do Mallet, correndo contra o vento de um lado para o outro e tentando ver "quem chegava mais perto do céu" com seu brinquedo. Entre as industriais e as que ele mesmo confecciona, tem cerca de 200 pipas.

O acervo aumentou na época em que morou em São Paulo, de 2002 a 2007. Por lá, os hábitos pareciam trazer o passado à tona, pois, segundo Resi, há sempre uma pandorga voando. E dos mais diferentes modelos. A cada viagem que faz, sempre traz na mala alguns exemplares, além das que encomenda pela internet. Conhece as especificidades de como é o brinquedo em cada país. Pelo Facebook, troca informações com quem também é apaixonado por pandorgas e, sempre que pode, confecciona outras.

– A mulher até reclama que perco muito tempo com isso, mas eu gosto. Faço desde piá. Fazíamos até com papel de pão. A sensação de estar dominando ela, de um lado para o outro, é muito legal. De vez em quando, vejo uns meninos correndo para soltar uma que outra pandorga. Tento incentivar os vizinhos, mas sou sozinho, eles se interessam mais por eletrônicos – diz Resi.

O guardião de técnicas e memórias

Suas criações já sobrevoaram os céus da Europa e dos Estados Unidos, mas é aqui, no Coração do Rio Grande, que o paraguaio, nascido em Encarnación, aconchegou-se e ficou conhecido como o Vizinho das Pandorgas.

– Mudei para aquele apartamento só por isso – conta Guido Müller.

os 84 anos, o engenheiro agrônomo que, por anos, integrou a Associação Gaúcha de Brinquedoteca, mora no alto de um prédio de 17 andares no centro da cidade. Apesar de, nos últimos tempos, ter diminuído a exibição de pandorgas junto ao edifício, a paixão pela atividade continua a mesma de quando começou a brincar, na companhia dos primos, na tenra idade. Não é à toa. Ele guarda certificados de oficinas e festivais e recortes de jornais de todo o Estado, em que o famoso pandorgueiro já foi, repetidas vezes, notícia. Em casa, tem os mais variados modelos: tipo asa-delta, raia-bidê, entre outras. As técnicas e materiais se somaram aos anos. Não só papel, mas sacolas plásticas e até mesmo guarda-chuvas velhos viram arte nas mãos de Müller.

Em escolas e entidades de Santa Maria, já ensinou muita criança a confeccionar o objeto. E quando é questionado sobre segredo para uma pandorga bem feita, reitera, o que sempre disse a qualquer um que o perguntou:

– É preciso engenharia, de conhecimento e de gostar do que faz. Eu costumava amarrar uma pandorga no prédio e ia lá no Calçadão olhar.

O jovem professor

Na última segunda-feira, o corre-corre de crianças em um campinho da Cohab Fernando Ferrari, no Bairro Camobi, não era somente atrás da bola. Com a presença tímida do vento naquele fim de tarde, o que a gurizada queria era ver qual pandorga teimava em subir mais alto. Enquanto uns se enrolavam no emaranhado de nós, o porteiro Raul Buske Zappe, como um professor paciente, dava as dicas a outros meninos: "Solta a linha, solta linha e corre...".

Com apenas 23 anos, mas experiência de sobra no que diz respeito a empinar pipa, o porteiro confecciona e ainda passa horas brincando. Aprendeu com o pai e, hoje, transmitiu a paixão pela brincadeira ao enteado Lucas, de 9 anos.

– Eu era uma criança metida, passava na rua. Foi meu brinquedo, via meu pai fazendo e aprendi. Hoje, faço tudo, uso a criatividade. São artesanais: ocupo cola, tesoura, linha, papel e até sacolinha plástica. Em 15 minutos, uma pandorga simples fica pronta. A emoção é tu fazeres ela voar e ver as pessoas olhando. É uma maneira de se expressar e se acalmar, jogar as ideias para o alto também – relata Zappe.

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