Facções estão chegando a todos os cantos do Estado

Pâmela Rubin Matge

Facções estão chegando a todos os cantos do Estado
Restinga Sêca – Local onde Gabriela foi vista pela última vez e gravada por câmeras de segurança. Aos 15 anos, ela foi morta com dois tiros na cabeça porque tinha uma dívida com traficantes. Foto: Nathália Schneider (Diário)

Uma mãe recebe uma série de áudios pelo telefone: “eu vou matar porque ela nem merece a mãe assim. Já prepara o caixão. Já vou avisar a avó dela.” Em outra mensagem, a pessoa diz: “a senhora não deu educação pra sua filha, ela tá se estragando, vai perder a vida dela, porque ela só faz m… e só mente na vida dela. As pessoas que tão aqui tudo têm filho e tão com pena de uma menina que tá se estragando na vida. A gente não quer mais ela aqui. Ela vai morrer”. O terceiro e derradeiro recado menciona: “eu percebi que a senhora tem acesso a internet. O que eu vou te dizer? Dá uma pesquisada nos (…), vê o que a gente faz com as pessoas, vê se é isso que a senhora quer pra sua filha. Isso se a senhora realmente é mãe, né, porque se diz de um filho meu que vai morrer por causa de 450, tu vai deixar? Que mãe que tu é? Por isso tua filha é uma pedreira, uma drogada e uma vagabunda, porque a educação vem de casa”.

Os fatos que sucederam as mensagens, em novembro do ano passado, culminaram na morte de Gabriela Ferreira Glasenapp, 15 anos. Ela foi assassinada por ter uma dívida com o tráfico de drogas. A mãe da adolescente chegou a depositar o valor de R$ 450 cobrado pelos criminosos, mas por não receberem o comprovante, eles mataram Gabriela com dois tiros na cabeça. Procurado desde o dia 14 de novembro, o corpo de Gabriela só foi encontrado em uma matagal no dia 2 de dezembro.

Conforme a  investigação, o crime foi consequência de esquema de tráfico de drogas que atua na região, com origem em uma facção criminosa da Região Metropolitana. Seis pessoas foram indiciadas pela morte de Gabriela. Cinco foram presas, e uma está foragida.

– Eu era padrinho dela. Uma menina nova, com a vida pela frente. A mãe dela está até hoje destruída. Foi algo muito forte para a família, pelo jeito que foi. Mas isso é coisa que eu evito falar – disse o padrinho de Gabriela, que não quis ter o nome divulgado e relatou que a maioria dos familiares optou pelo silêncio e que convive com o medo.

Ao Diário, a mãe de Gabriela disse que prefere se reservar e não comentar sobre a morte da filha, bem como qualquer outro assunto.

Quase 260  km distante da Capital, o crime aconteceu em Restinga Sêca, município de cerca de 15,8 mil habitantes. Não foi uma exclusividade. Facções estão se espalhando, inclusive, na Região Central. Agudo, Júlio de Castilhos, São Sepé estão entre os alvos. A estratégia dos criminosos, sobretudo, nos últimos seis anos, baseia-se em ter meios mais simples de ampliar os ganhos ao  migrar para pequenas cidades mais afastadas da Região Metropolitana. Esse movimento proporciona abrir “novos mercados” para o crime. Os assassinatos decorrem, em maioria, da aproximação de integrantes de facções que aliam-se a traficantes locais e viram fornecedores. Depois, passam a ocupar o espaço. Nessa disputa territorial, acontecem os confrontos e as mortes.

– As facções trabalham como empresas buscando oportunidades em todos os cantos do Estado. Eles identificam locais onde conseguem colocar os seus soldados para trabalhar. As forças de segurança trabalham paliativamente: prendem alguns, mas imediatamente, outros tomam o lugar daqueles que foram presos. Ou aqueles presos seguem trabalhando de dentro da cadeia. É uma equação difícil de solucionar – analisa Marcelo Mendes Arigony, professor de Direito e Processo Penal da Ulbra e delegado de Polícia Regional substituto.

Para prevenir esses e outros crimes, segundo observa Rodrigo Azevedo, professor da Escola de Direito da PUC-RS e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é preciso haver articulações entre União, Estados e municípios. Ações intersetoriais entre o poder Executivo nas suas três esferas, com o Legislativo na tomada de decisões, podem trazer resultados neste tema. Além disso, as entidades da sociedade civil, como igrejas e empresas, são fundamentais.

– A prevenção tem de ser pensada de forma ampla, incorporando a questão da escolarização, do emprego, da produção identitária da juventude para que tenha opções de vida e opções interessantes a partir da sua fase da vida. As facções criminais estão aí, justamente, oferecendo essas possibilidades. Embora seja evidente uma vida dentro do crime, arriscada, sujeita a violências e a punições, de qualquer maneira isso tem sido atrativo para uma grande parcela de jovens que vivem em regiões periféricas e que não têm outro caminho que seja mais atrativo – explica o professor.

Gabriela, a adolescente assassinada em Restinga Sêca, estudava, tinha apoio da família. A mãe é professora. Via de regra, tanto as vítimas quantos os integrantes de facções têm escolaridade baixa, vivem em áreas periféricas, em moradias e saneamento precários e, dificilmente, ingressaram no mercado de trabalho.

Arigony corrobora ao falar da dificuldade do Estado em proporcionar inclusão:

– Hoje não se consegue formar pessoas, colocar nos bancos escolares e nas faculdades. Um menino que está em uma área de vulnerabilidade social, olha para aquele adulto, que é líder do tráfico, como sendo alguém de sucesso e compara com o pai que é reciclador ou tem outra profissão que não proporciona renda. Ele não quer ser como o pai, quer ser como o traficante.

Outros casos e operações na região

Restinga Sêca – 8 de fevereiro de 2021– Jovem de 24 anos foi executado com 12 tiros. Michael Jaquison Lima Martinez morreu em decorrência de crimes relacionados à disputa pelo tráfico na cidade, que envolveram integrantes de facçãoSantiago –  30 de abril de 2021. Mulher é executada a tiros. Segundo a polícia, Daniela Falcão, 33 anos, foi morta por integrantes de uma facção criminosa de Porto AlegreSanta Maria – 2 de maio de 2021. Mulher é assassinada a tiros na frente da filha de 3 anos. Conforme a polícia, Bruna Vieira, 22 anos, o crime foi motivado por uma guerra de facções que disputavam o domínio do tráfico de drogas na cidade e no EstadoRestinga Sêca – 8 de junho de 2021 – Grupo assalta joalheria e faz reféns. Dias depois, polícia prende três dos assaltantes e informa que pertencem a uma facção criminosa da Região Metropolitana.Santa Maria – 11 de junho  de 2021– Maior operação da Polícia Civil contra facção criminosa prende 47 pessoas. Elas foram presas por estarem com drogas ou armas de fogo. Onze contas bancárias foram congeladas nas cidades de Santa Maria, Mata e Dilermando de AguiarFaxinal do Soturno – 19  de novembro de 2021– Treze pessoas, três mulheres e 10 homens, foram presas em cumprimento a mandados. Os policiais investigavam integrantes de uma facção criminosa da Região Metropolitana que agia em Faxinal do Soturno e em cidades da regiãoJúlio de Castilhos – 15 de outubro de 2021 – Oito são presos em ação contra tráfico de drogas. Conforme a polícia, a operação buscou desarticular uma rede de tráfico de drogas que tinha como base o município de Júlio de Castilhos, onde o líder da facção, um homem de 31 anos, natural de São Leopoldo, estava montando um esquema para monopolizar o tráfico na regiãoSão Sepé – 12 de agosto de 2022 – Sete suspeitos de tráfico são presos na Operação Reprise. Foram quatro mandados de prisão cumpridos e 20 de busca e apreensão. Além disso, três pessoas foram presas em flagrante, sendo uma delas, foragida. Os sete presos na operação eram todos homens, com idades entre 24 e 58 anos. A operação foi batizada de Reprise, pois vários dos investigados e dos locais onde foram cumpridos os mandados já tinham sido alvos em outras operaçõesCruz Alta – 1º de julho de 2022 – Operação Rota 5 em combate ao tráfico de drogas prende 13 pessoas. Ao todo, foram cumpridos 19 mandados de busca e apreensão e 15 mandados de prisão. 17 celulares e mais de R$ 5 mil em dinheiro foram apreendidos naquele dia. A operação foi desencadeada após uma investigação da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) de Cruz Alta, que investiga o a o tráfico de drogas e a ação de facções criminosas da Região Metropolitana que agem na cidade tráfico de drogas e a ação de facções criminosas da Região Metropolitana que agem na cidade

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