Foto: Nathália Schneider (Diário)
Na última quarta-feira (03), o júri da Kiss foi anulado e, agora, os quatro acusados terão que passar por um novo julgamento. A decisão foi tomada a partir da análise dos recursos elaborados pelos advogados de defesa dos réus, que questionavam o resultado do júri realizado em dezembro de 2021, em Porto Alegre.
Por 2 votos a 1, os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) acataram os pedidos de nulidade. O júri havia condenado Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão por 242 homicídios e 636 tentativas de homicídio.
Com essa nova decisão, a sentença do último júri não é mais válida, e, por isso, os réus, que estavam presos desde dezembro, foram liberados e vão aguardar em liberdade pelo novo júri. Agora, cabem novos recursos nas próprias instâncias do Tribunal de Justiça (TJ/RS) ou ainda em tribunais superiores, como recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou extraordinário para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Após os últimos desdobramentos do Caso Kiss, a Rádio CDN ouviu especialistas para repercutir a decisão e entender os próximos passos do processo. Confira a seguir:
“A acusação foi absolutamente errada”, afirma Alexandre Wunderlich
Para o professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica (PUC/RS) e professor de mestrado do Instituto de Direito Penal em Brasília, Alexandre Wunderlich, o erro está no argumento do dolo eventual. Somente isso, na opinião do especialista, já é suficiente para anular o júri.
– O que se pode reconhecer hoje é que a acusação foi absolutamente errada. Se tivesse sido certa, adequada e proporcional aos fatos, esse julgamento de anulação não teria ocorrido. Se esse processo tivesse tido uma acusação correta, teria sido responsável por uma punição justa e adequada a todos os acusados na modalidade da culpa consciente. Como houve um excesso e uma tentativa de colocar a figura do dolo eventual, o Tribunal de Justiça (TJ/RS), na minha opinião, adequadamente acaba por retomar a justiça e colocar um freio nessa acusação bastante equivocada.
“É um expediente quase que anti-democrático porque atropela todo o rito processual jurídico”, comenta Guilherme Pittaluga Hoffmeister
Já o advogado Guilherme Pittaluga Hoffmeister relatou a repercussão que o caso teve na mídia e no próprio Judiciário. Conforme o especialista, não cabe ao Direito privilegiar certos casos, mas sim, agir de acordo com o estabelecido na legislação.
– Isso já nos desperta um primeiro alerta: será que é adequado este tipo de tratamento pelo poder Judiciário de privilegiar, repercutir e dar uma importância maior a certos casos ou será que deveria, o poder Judiciário como um todo, adotar uma posição de serenidade, de aplicação técnica da lei? – questiona.
Pittaluga também comentou a última ação do Ministério Público (MP). Na noite de quarta-feira (03), o MP encaminhou ao ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), uma petição solicitando a revogação da soltura dos quatro réus. De acordo com o advogado, o ato foi político e representa uma quebra do rito jurídico:
– Eu acredito que é um expediente quase que anti-democrático porque atropela todo o rito processual jurídico do processo mediante um instrumento político que recorre a uma pessoa, que tem o poder de mudar tudo que foi decidido. Esse é um ponto. Outro é que o MP sustenta que o pedido se justifica na medida em que há uma grave ameaça à ordem pública e à segurança, no sentido de que há um possível abalo na confiança da população nas instituições públicas. Vejam, estes são argumentos beiram uma noção de opinião pública, ancorado em clamor social, que é legítimo que a população tenha, mas que não é legítimo que o poder judiciário se valha apenas disso para alterar decisões judiciais amparadas na lei.
“Nós não podemos a qualquer custo dar uma resposta à sociedade”, reitera Raphael Peres
Para o advogado criminalista e professor da Faculdade Metodista Centenário, Raphael Peres, os desembargadores analisaram os recursos corretamente, apontando os prejuízos que os réus sofreram com determinadas ações no júri, realizado em dezembro de 2021:
– Nós não podemos a qualquer custo dar uma resposta à sociedade. O direito vem antes desse fato, é lamentável, mas a maioria dos processos penais têm uma vítima e uma família que sofre. Mas isso não significa que nós busquemos uma condenação a qualquer custo. Eu reforço a coragem dos desembargadores e revisores, que foram tecnicamente perfeitos, trazendo o que diz a lei e o que se espera do poder judiciário quando julgar casos análogos a esse.
“Estão enganando as pessoas dizendo que será rápido o julgamento”, salienta Alfeu Bisaque Pereira
O juiz aposentado, Alfeu Bisaque Pereira, falou que se surpreendeu com o voto dos desembargadores a favor da nulidade do júri. O especialista afirmou que pensava ser razoável não reconhecer a nulidade, mas sim, diminuir as penas. Porém, este não foi o desfecho, e, por isso, Pereira alerta que o caminho ainda será longo e demorado:
– Se todos os recursos prometidos forem interpostos, não será julgado em menos de dois anos. Um novo júri também estaria sujeito a recurso e nulidade. Então, esse processo vai muito longe ainda. Como eu disse ainda lá no começo, estão enganando as pessoas dizendo que será rápido o julgamento, que as famílias receberão mais de um milhão de indenização e que os réus receberam 500 anos de cadeia. Nada disso aconteceu, o processo é demorado e tem que obedecer a lei, e a lei não dá vazão a isso.
*Laura Gomes, Vitória Parise e Gabriel Marques