Foto: Beto Albert (Diário)
O Rio Grande do Sul já registrou chuvas intensas em setembro e novembro de 2023 e também agora em maio de 2024. Esta última, na atualização da Defesa Civil do RS das 9h desta terça-feira (6), já registrou 90 mortes e até o momento 1.367.506 pessoas afetadas pela enchente. Meteorologistas alertam para a frequência desse tipo de desastres. Conversamos com o meteorologista Daniel Caetano Santos sobre o assunto. Ele esclarece essas ocorrências em tópicos. Confira:
Por que esse tipo de evento acontece?
Quanto ao motivo desses tipos de eventos, Daniel diz que a região sul do Brasil já possui um grande volume de chuva e as estações do ano não são tão definidas:
– A Região Sul do país por si só já tem um volume de chuva considerável. Temos chuvas constantes ao longo do ano. Não temos estações secas e chuvosas definidas. O panorama que temos normal é a questão dos fenômenos oceânicos, os mais conhecidos, La Niña e El Niño. A depender deles, faz com que se chova mais ou menos. Do ano 2000 para cá, começamos a perceber que a temperatura do planeta Terra estava acima do que consideramos normal. Estamos retendo mais energia do que nos séculos anteriores. Didaticamente, é como se tivéssemos o motor de um carro e quando ele começa a aquecer muito vai ter algum impacto, como queimar uma peça e não outra.
- Grupo estudantil da UFSM oferece reparo gratuito de equipamentos para atingidos pelas enchentes
- Calor e vento norte antecedem mudanças no tempo; alerta é de chuva volumosa no final de semana
- Enchentes no Estado já deixam 90 mortos e mais de 300 feridos
Por conta da alteração das atividades humanas, mais indústrias, aumento populacional, o cenário começa a mudar:
– Antigamente, digamos assim, em uma condição normal, uma parte iria para o espaço e a outra ficaria retida aqui um pouco para manter a nossa Terra levemente aquecida, que é o que chamamos de efeito estufa. Quem mantém mais essa energia dentro da atmosfera são os gases (CO2, metano, oxigênio). Tudo isso contribui para termos uma condição favorável para a vida no planeta. De uns tempos para cá, foi perceptível que estes gases começaram a ter uma concentração maior, por conta das atividades humanas, crescimento populacional, revolução industrial, entre outras coisas. Esse "cobertor" começou a ficar um pouco mais denso e essa energia mais armazenada.
A pesquisa
Conforme explica o pesquisador, o desafio agora é entender o que esse excesso de energia pode provocar:
– A ciência avança, vamos tendo mais recursos e formas para monitorar. E para entender o futuro, precisamos entender hoje, com observação e estudo. Por isso, de 2010 para cá os modelos observados começaram a indicar que algumas regiões tendem a ter eventos mais intensos, tanto a seca quanto a chuva. A região sul do Brasil é uma delas. Já a região centro do país vai se caracterizar pelo aumento de temperatura. Isso é uma tendência. Por isso, desde 2010 sabemos que os eventos intensos serão mais frequentes.
Segundo a Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade), as chuvas intensas são as "que ocorrem com acumulados significativos, causando múltiplos desastres, como inundações, movimentos de massa e enxurradas". Um estudo do governo do Rio Grande do Sul, publicado em 2022, que compilou ocorrências de 2003 a 2021, mostra que no período foram reconhecidas 157 ocorrências de chuvas intensas. Daniel também pontua que já foi observado uma cheia parecida em 1941 e em 1984.
– O que observamos é que o período de recorrência tende a ser mais curto. Estamos falando então de eventos extremos que esperávamos a cada 100 anos, eles podem ocorrer na casa de 50 anos. E com isso temos um crescimento demográfico, um desenvolvimento social diferente do que tínhamos há 40 anos. Porto Alegre era diferente em 1940, por exemplo. Começamos a ver então que eventos extremos vão ser tanto quanto eram atingamente ou mais, só que os efeitos deles vão ser muito mais intensos porque temos outra sociedade.
E daqui para frente?
É preciso pensar iniciativas que minimizem a quantidade de pessoas atingidas por esse tipo de evento. Em 2007, o Ministério das Cidades elencou alguns pontos pelos quais acontecem desastres, como deslizamentos de terras. Confira alguns pontos do mapeamento:
- Crise econômica e social com solução a longo prazo
- Política habitacional para baixa renda historicamente ineficiente
- Ineficácia dos sistemas de controle do uso e ocupação do solo
- Inexistência de legislação adequada para as áreas suscetíveis aos riscos mencionados
- Inexistência de apoio técnico para as populações
- Cultura popular de “morar no plano”
Além disso, o mapeamento reforça de que modo o risco pode ser reduzido pensando nos motivos elencados. Reduzir o risco agindo no processo e sobre a consequência, evitando formação de áreas de risco, como o controle efetivo do uso do solo e convivendo com os problemas – neste ponto, seria necessário traçar planos preventivos pela Defesa Civil. Para o meteorologista, um dos primeiros passos é conscientizar a população sobre esse tipo de situação. Do ponto de vista da sua área de estudo, Daniel reforça que avisos meteorológicos são previstos em poucos dias e alguns até em questão de horas, por isso a importância de trabalhar a conscientização:
– Estamos aqui para aprender sobre as coisas. Um dos primeiros passos é conversar com a população. A universidade é também fundamental nesse processo. É preciso também explicar que caso venha acontecer algum tipo de evento assim, as pessoas saibam para onde ir e a quem recorrer. Mapeamentos de todos os municípios precisam ser realizados para se saber também quais locais são seguros. Principalmente, levar a sério esse tipo de aviso das Defesas Civis.
Um novo alerta
Em 25 de abril, a BaroClima Meteorologia alertou sobre a chuva excessiva que seria recebida pela região, conforme indicavam os modelos de análise. No momento também foi alertado para chuvas acima de 200 mm em poucas horas. O meteorologista Gustavo Verardo alerta novamente para a chuva do próximo fim de semana. Entre sábado (11) e segunda-feira (13), há a possibilidade de chover mais de 80 mm em Santa Maria. Por conta da quantidade de chuva que já foi registrada nos últimos dias, é preciso ficar atento para possibilidades de novos deslizamentos de terra.