A entrada de 10 toneladas de agrotóxicos ilegais no Estado, em abril deste ano, marcou a maior apreensão do produto já feita pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Rio Grande do Sul. Durante operação de combate ao crime na BR 285, foi abordada uma carreta saindo da rodovia e entrando na cidade de Ijuí. Na carga foram observados galões brancos sem notas fiscais e sem a descrição do que havia dentro das embalagens. Na vistoria, os policiais descobriram que eram de agrotóxicos proibidos no Brasil e que foram importados ilegalmente da Argentina. O valor de comercialização dos produtos superou meio milhão de reais. O condutor informou que entregaria o material em Santiago, na Região Central. Ele foi preso, e o veículo e os produtos recolhidos.
O grande volume de produtos apreendidos neste ano segue uma crescente desde 2019. Somente no território gaúcho, foram 3,1 toneladas em 2019, cinco em 2020, seis em 2021 e até abril deste ano já passava de 10. Os dados são da PRF.
Em Santa Maria, apreensões feitas pela Polícia Federal também aumentaram de 2020 para 2021. Os agrotóxicos ilegais na forma líquida aumentaram mais de seis vezes: foram 520 litros em 2020 e 3.172l litros no ano passado.
– São produtos ilegais no país por terem várias substâncias proibidas. Uma lista no site da Anvisa especifica estas substâncias. E é importante salientar que, mesmo as que são de importação permitida, têm de fazer todo o trâmite de importação junto à Receita Federal e junto à Anvisa . Além de ser “contrabando”, pois o agrotóxico é proibido, dependendo das condições de transporte, outros crimes podem ser enquadrados devido ao risco à saúde e à segurança alimentar da população – esclarece Felipe Barth, chefe de Comunicação da PRF.
NO SENADO
Paralelamente às apreensões feitas, a maioria por órgãos policiais, tramita no Senado uma matéria envolta de polêmicas e divergências. São as alterações da Lei 6.299/2002, popularizada pelos que são contrários à legislação como “PL do Veneno.” A proposta, rodeada de polêmicas e divergências, foi aprovada pela Câmara dos Deputados no dia 9 de fevereiro deste ano e, agora, precisa passar pelo Senado. O texto busca que o controle da autorização de novos agrotóxicos no Brasil deixe de ser uma atuação direta do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério do Meio Ambiente e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e passe a ser gerido apenas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa.)
O relator do projeto, o deputado Luiz Nishimori (PL-PR), defendeu, no dia da votação, que “quem vai ganhar com este projeto é o consumidor final e a sociedade brasileira”
Ambientalsitas e entidades médicas, porém, alertam que ouso crescente de alguns agrotóxicos traz impactos à saúde da população e ao meio ambiente. As doenças relacionadas ao uso dos produtos implicam em prejuízos à vida das pessoas, como é o caso das doenças neurológicas, o aumento da incidência de depressão, suicídio e diversos tipos de cânceres.
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo em números absolutos. São, em média, produzidos 7,6 litros por pessoa a cada ano.
URUGUAI É O PAÍS DE ORIGEM MAIS COMUM DOS AGROTÓXICOS APREENDIDOS
Cargas ilegais cruzam as fronteiras e trafegam pelas rodovias até a região central do Rio Grande do Sul. As apreensões são feitas, na maioria das vezes, pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Federal (PF).
Conforme o delegado Leonei Moura de Almeida, chefe da PF em Santa Maria, as apreensões de agrotóxicos estrangeiros ocorrem porque a importação somente é permitida se previamente registrada em órgão federal, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura.
No caso de importação, o crime aplicável é o artigo 56 da Lei 9.605/98, com pena de reclusão de 1 a 4 anos. Nas demais hipóteses, como comercialização ou transporte, o crime é previsto no artigo 15 da Lei 7.802/89, cuja pena prevista é de 2 a 4 anos de reclusão.
– Para a PF, basta o produto não apresentar registro no órgão público federal para ser considerado crime a importação ou o transporte – diz Almeida.
Na região de Santa Maria, o Uruguai é o país de origem mais comum dos agrotóxicos apreendidos.
PRODUTO CONCENTRADO
A tendência é que os produtos trazidos para o país sejam concentrados, para reduzir o volume e facilitar o transporte, conta o chefe de Comunicação da PRF, Felipe Barth:
– A cocaína vem de forma pura, a maconha vem prensada e, com certeza, os agrotóxicos vêm de uma forma mais concentrada justamente para pesar menos, ocupar menos espaço e facilitar o transporte. É importante salientar que a gente não sabe que tipo de produto é esse, pois não temos como confiar no rótulo. Ele pode ser falsificado e, no caso da grande apreensão feita em abril, muitos produtos nem rótulo tinham na maioria dos galões.
A motivação para os crimes podem ser de ordem financeira, pois a tentativa é entrar com o produto sem pagar impostos. A outra questão diz respeito à proibição de algumas substâncias, que de um lado podem ter uma eficiência maior na lavoura, mas, por outro, são muito mais nocivos à natureza.
– Se esses produtos sendo aplicados de forma controlada e diluída já são nocivos para o meio ambiente e para o solo, imagina concentrados da forma que eles vêm diretamente para o solo e para os rios. É um risco muito grande para o ambiente, para os animais e também para as pessoas que transitam naquela região e vão consumir aquela água, bem como faz mal para os animais e as plantaççoes próximas à rodovia – acrescenta Barth.
Após a apreensão no âmbito criminal, a Polícia Federal encaminha os produtos para Receita Federal, que realiza a apreensão administrativa e dá a destinação ambientalmente correta do produto. O Ibama é também comunicado para fins de autuação administrativa, considerando os ilícitos administrativos de competência do órgão.
O Diário fez contato por e-mail e telefone com o Ibama para comentar sobre as apreensões de defensivos na região, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
TONELADAS DE PRODUTOS INCINERADOS E MULTAS APLICADAS PELA RECEITA FEDERAL
A Receita Federal é o órgão responsável por autorizar a entrada e a saída de bens do território nacional. Para isso, trabalha tanto em portos, aeroportos e postos de fronteira, no controle do comércio, bem como atua em todo o país no combate ao contrabando e ao descaminho. O agrotóxico, como outra mercadoria de importação proibida, pode ser apreendido pelas próprias equipes da Receita Federal ou pelas polícias, conforme explica Alexandre Righes, delegado da Receita Federal em Santa Maria.
Cabe à Receita fazer a quantificação, definir o valor e dar o perdimento dos bens em favor da União, assim como a destruição adequada dos produtos. A pena para a importação clandestina de agrotóxico é a perda da mercadoria e do veículo usado no transporte, a depender do valor. Além disso, são enviadas ao Ministério Público Federal representações fiscais para fins penais por ato que, em tese, configuram crime de contrabando, além de eventual crime contra o meio ambiente.
– A Receita Federal atua com muita firmeza na repressão aos crimes transfronteiriços, em defesa da sociedade, da economia nacional e do meio ambiente. Na 10ª Região Fiscal, no Rio Grande do Sul, contamos com um contrato com empresa terceirizada para fazer a destruição ambientalmente correta dos agrotóxicos – informa o delegado.
Os produtos químicos líquidos são solidificados com serragem e, em seguida, incinerados a uma temperatura de cerca de 800 °C. Os gases da queima também são tratados de forma que, ao fim do processo, restem somente água em forma gasosa e resíduos inertes em quantidades muito pequenas, que são aterrados pela própria empresa responsável pelo serviço.
Foto: Eduardo Ramos (Divulgação)
EM 2021, MAIS DE 550 AGROTÓXICOS TIVERAM USO PERMITIDO
Uma lista de produtos não tem autorização para ser usada no Brasil. Por outro lado, ao longo de 2021, foram aprovados 552 agrotóxicos para uso no país, dos quais 96 eram produtos contendo ingredientes ativos biológicos. Outros 181 eram produtos técnicos com ingredientes ativos químicos que entram na produção de outros agrotóxicos. Esse foi o maior número da série histórica iniciada no ano 2000 pelo Ministério da Agricultura.
Já na lista de “proibidos no Exterior e ainda em uso no Brasil” estão tricolfon, cihexatina, abamectina, acefato, carbofuran, forato, fosmete, lactofen, parationa metílica e thiram.
Um dos mais apreendidos nas fiscalizações, e inclusive foi encontrado na carga da maior apreensão de agrotóxicos ilegais no Rio Grande do Sul, em abril deste ano, foi o paraquat, cujo nome comercial é Gramoxone 200. O herbicida costuma ser adquirido para a aplicação em lavouras de milho e de soja, porém, o ingrediente ativo foi proibido no Brasil em 22 de setembro de 2020, após reavaliação toxicológica realizada pela Anvisa. Há riscos à saúde humana.
– O paraquat já era proibido na Europa por ser cancerígeno e bem tóxico. No Brasil, foi proibido em 2020. Como era muito usando como dessecante de cerais em final de safra, há quem ainda acabe indo buscar fora – explica Renato Zanella, professor do Departamento de Química e coordenador do Laboratório de Análises de Resíduos de Pesticidas (Larp) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
O paraquat era aplicado em plantas infestantes nas culturas de algodão, arroz, banana, batata, café, cana-de-açúcar, citros, feijão, maçã, milho, soja e trigo. A toxicidade aguda está ligada à Doença de Parkinson, por conta do potencial de o composto químico gerar mutações no organismo humano.
A alteração de regras para registro de agrotóxicos, que tramita há 20 anos e foi aprovada em fevereiro pela Câmara dos Deputados, ainda necessita passar pelo Senado (veja, ao lado, as principais alterações no texto).
– A simplificação do processo (aprovação do PL) visa ter mais oferta. Com mais concorrência, o preço deve baixar. As questões de segurança toxicológicas vão ficar em segundo plano – avalia o professor Zanella.
Mudanças propostas pelo PL 6.299/2002
Substitui o termo “agrotóxico” por “pesticidas”Tira o poder de decisão de aprovação de um novo agrotóxico da Anvisa e do Ministério do Meio Ambiente transferindo a responsabilidade exclusivamente para o Ministério da AgriculturaPermite o registro de substâncias comprovadamente cancerígenas. Atualmente, ativos com essa característica (teratogênicos, carcinogênicos e mutagênicos) são totalmente proibidos caso já existam evidências em estudos científicosAmplia a possibilidade de registro temporário de agrotóxicos ao liberar substâncias que ainda não foram analisadasA regulação sobre propaganda de agrotóxicos pode acabarSerá permitida a venda de alguns agrotóxicos sem receituário agronômico e de forma preventiva
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*Maurício Barbosa e Pâmela Rubin Matge
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