Com serviço suspenso desde março em função da greve, curso da UFSM deixa de realizar mil atendimentos gratuitos por mês

Com serviço suspenso desde março em função da greve, curso da UFSM deixa de realizar mil atendimentos gratuitos por mês

Foto: Renan Mattos (arquivo Diário)

Com as atividades clínicas e laboratoriais suspensas desde o dia 14 de março, alunos da turma 98 de Odontologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) pedem o retorno dos atendimentos. O serviço foi interrompido no momento em que os servidores técnico-administrativos em educação (TAE’s) da universidade aderiram à greve nacional, há mais de 90 diasSem equipe para operar o setor de esterilização, o curso suspendeu o funcionamento das aulas práticas previstas na grade curricular de diferentes semestres. Segundo a coordenação, 344 alunos estão sendo impactados de alguma forma pela greve.

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 O curso de Odontologia da UFSM oferece serviços clínicos rotineiros, de urgência e emergência à comunidade, como tratamentos para dor aguda, abscessos, edema, fraturas coronárias e radiculares, traumatismos dentários, reabilitações orais, odontopediátrico e a pessoas com deficiência (PCD), entre outros. São realizados, em média, 11,6 mil atendimentos gratuitos ao ano — aproximadamente mil por mês.

— É uma angústia muito grande, principalmente por ver que outros cursos estão dando seguimento e nós estamos totalmente parados. (...) Em meio a toda essa calamidade que o Rio Grande do Sul está vivendo, nós pensamos que os atendimentos de saúde são essenciais, então, poderíamos estar auxiliando nesse sentido. Nós vemos o paciente como um todo, então, às vezes podemos ver sintomas e alertar o paciente a procurar outros especialistas. Nós poderíamos estar fazendo essa parte trabalhando, e infelizmente não temos como — diz Catherina Coradini Rosso, 32 anos, acadêmica e representante da turma 98.

Em publicação no perfil do Instagram, a turma do nono semestre pede uma resposta do Centro de Ciências Sociais (CCS) ou, pelo menos, que o centro atenda uma das propostas sobre o retorno parcial das aulas práticas do curso.

Pacientes sem atendimentos e alternativas descartadas

Na grande maioria dos casos, o atendimento é realizado em pessoas que não possuem alto poder aquisitivo e necessitam de assistência. Sem consultas, os pacientes em tratamento permanecem com quadros clínicos de dor, dificuldades na alimentação, fonação e deglutição. 

Catherina relembra que ainda em março a turma participou de uma reunião com representantes do Gabinete do Reitor e a coordenadoria do curso de Odontologia. Na ocasião, a diretoria do centro apontou algumas alternativas para não suspender totalmente o serviço, como o realocamento temporário de técnicos para os setores paralisados, assim como a contratação de uma equipe terceirizada. Contudo, nenhuma das propostas apresentadas para o CCSH foi aceita.

– O nosso curso voltar seria "furar a greve", mas então todos os outros cursos que estão funcionando estão contra a greve? Não, né? Os grevistas têm direito de seguir com a greve, e nós temos direito de fazer funcionar de alguma forma. Porque nós estamos para nos formar, mas, principalmente, nós temos pacientes para dar seguimento nos tratamentos — diz.

Na UFSM, 47 TAEs atuam diretamente no curso de Odontologia, três deles no setor de esterilização. A greve impactou turmas em diferentes anos do curso, principalmente àquelas que aguardavam as aulas práticas para finalizar a graduação — caso da turma 98.

Em nova reunião realizada na última semana, a coordenação do curso apresentou o cronograma das atividades, mesmo sem data marcada. Ainda nesta semana, as aulas teóricas serão retomadas na tentativa de recuperar o tempo perdido. As aulas práticas voltarão assim que a greve acabar. 

— O ideal seria alinhar a teoria com a prática, tu ver os procedimentos, o conhecimento todo na teoria, depois já aplicar. Isso tem um ganho muito mais no aprendizado e no andamento também dos atendimentos, que tem que ser sempre de excelência para os pacientes — explica Catherina.

Além do setor de esterilização, fundamental para a limpeza de materiais como caixas cirúrgicas e equipamentos usados na aplicação de anestesias, não há equipe para cadastrar os atendimentos no sistema, cuidar do almoxarifado, entre outros procedimentos.

E a formatura?

Agora, além da preocupação com os pacientes, os 26 alunos da turma também temem que a paralisação prejudique a formatura, inicialmente prevista para janeiro de 2025, e agora, não tem data para ser realizada. Catherina conta que o cenário de incerteza preocupa muitos acadêmicos:

— Você se organiza para entrar num curso, faz economias pensando naquele período de estudos e quando ele vai se estendendo, tudo começa a ficar bastante complicado. Tem alguns colegas que apresentaram essa dificuldade de continuar se mantendo por muito mais tempo em Santa Maria. 

O que diz a UFSM

Coordenação do curso

Em resposta ao Diário, a coordenação do curso de Odontologia explica que entende o legítimo direito de greve dos servidores, mas também pontua que a paralisação total pode gerar diversas consequências no processo de aprendizagem dos estudantes, bem como o oferecimento de serviços à sociedade por meio da extensão universitária.

Cientes do impacto da greve na rotina e nos planos de ensino do curso, a gestão discute com a direção do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Maria (CCS), Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) e Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progep), aspectos que também são de direito fundamental e cunho social, como a situação dos estudantes e de toda a população envolvida direta ou indiretamente.

Ainda conforme a coordenação, um plano de atividades foi estruturado para a recuperação e integralização curricular dos alunos prejudicados. A gestão aguarda a divulgação do novo calendário acadêmico da UFSM, suspenso após as enchentes que atingiram o Estado, e irá recuperar as atividades suspensas durante a crise climática. Mesmo sem calendário definido, o retorno de todas as atividades da instituição, incluindo avaliações, foi realizado no último dia 3.

Gabinete do reitor

Em respostas às reivindicações, o Gabinete do Reitor afirmou que a UFSM está preocupada com os impactos da greve não só no curso de Odontologia, mas, sim, em toda a instituição. 

"A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) está preocupada com os impactos da greve que tem prejudicado não só estudantes da instituição pela interrupção das aulas, mas a execução orçamentária, aquisição de materiais e implementação de bolsas e projetos. A paralisação afeta o andamento de disciplinas, e não conclusão das mesmas impede a realização das formaturas dos cursos. Para além disso, a gestão da Universidade enfrenta desafios relacionados à execução de projetos e orçamentos, já que licitações e empenhos não estão sendo realizados em razão da greve. A preocupação da administração é abrangente e não se limita a um curso específico; os prejuízos são identificados em toda a instituição", disse em nota.

CCS

O Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Maria (CCS) também foi contatado, mas não respondeu aos questionamentos até a publicação desta reportagem.

Serviço não pode ser considerado essencial

A categoria dos TEA's é representada pela Associação dos Servidores da Universidade Federal de Santa Maria (Assufsm), que ainda em março, havia recebido uma solicitação a respeito de essencialidade de serviços dos Departamentos de Estomatologia e Odontologia Restaurativa, assim como do Curso de Odontologia, e ao Ofício 056/2024 da Pró-reitoria de Gestão de Pessoas da UFSM.  

A análise realizada pelo Comando Local de Greve constatou que o serviço em questão não preenche os requisitos para ser considerado essencial. Isso significa que os servidores TAEs dos setores envolvidos não devem ser submetidos ao sistema de escalas para a manutenção do serviço. Entre os itens pontuados para a decisão, está a justificativa de que a suspensão temporária da oferta dos atendimentos não oferece risco iminente à vida dos pacientes, e que os serviços podem ser encontrados em outros consultórios do município.

Veja os itens analisados para a decisão:

  • Considerando a Lei 7783/1989 em seu Art. 11. "Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade";
  • Considerando que o Parágrafo único do Artigo supracitado estabelece que: "São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população";
  • Considerando que os serviços odontológicos citados pelo Departamento de Estômatologia não são ofertados em fluxo contínuo, sendo suspensos em períodos como recesso acadêmico, finais de semana, Jornada Acadêmica Integrada, etc;
  • Considerando que os serviços prestados têm entre seus principais objetivos, a formação de profissionais em odontologia, sendo os pacientes atendidos "voluntários" para as práticas;
  • Considerando que a suspensão temporária da oferta dos serviços em função da greve não vai oferecer risco iminente à vida dos atendidos;
  • Considerando que, com exceção de até quatro atendimentos diários, durante quatro dias por semana, o serviço não faz atendimento de urgência ou emergência em odontologia, mas sim, atua através de sistema de agendamentos;
  • Considerando que existem serviços odontológicos equivalentes, ofertados para casos de urgência e emergência, em outros locais de Santa Maria.

Greve

As greves dos técnicos administrativos em Educação (TAEs) e docentes da instituição foram iniciadas, respectivamente, em 14 de março e 25 de abril deste ano. As categorias reivindicam reposição salarial, melhores condições de trabalho e plano de carreira. 

A proposta do governo Lula para os servidores federais em abril não foi aceita pelos sindicatos de servidores técnico-administrativos em educação e dos professores da UFSM. 

O que propôs o governo em abril

  • Reajuste salarial zero em 2024, alta de 4,5% em 2025, e de 4,5% em 2026
  • Auxílio-alimentação, a partir do mês que vem, passaria de R$ 658 para R$ 1 mil
  • O auxílio-saúde subiria de R$ 144 para R$ 215 (por dependente)
  • O auxílio-creche aumentaria de R$ 321 para R$ 484,90

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