1. Embora ainda na fase inicial, a CPI da Covid já apurou a existência de cinco cartas-proposta da Pfizer que não foram respondidas pelo governo. Seriam milhões de doses que teriam poupado muitas vidas. Houve, também, atraso da fabricação das vacinas no país porque o presidente Bolsonaro desfez da vacina do Butantan (Coronavac) e desautorizou o Ministério da Saúde de comprar a “vacina do Dória”. De quebra, o clã Bolsonaro criou um conflito diplomático com a China que dificultou a compra da matéria-prima (IFA) pelo Butantan.
2. Usando pretextos, como a falta de responsabilização do fabricante, o governo fez de tudo para não comprar vacinas. Primeiro gastou tempo e dinheiro na fabricação do chamado kit do tratamento precoce (cloroquina, etc.), sem eficácia e sujeito a fazer mal à saúde. Depois, passou a defender a tal “imunidade de rebanho”. Quer dizer, a partir do diagnóstico errado da “gripezinha”, todo o planejamento do governo foi por “água abaixo”. Achou que investir na pesquisa das vacinas era jogar dinheiro fora e se deu mal. Quando acordou, a oferta de vacinas era muito menor do que a demanda e teve que esperar na fila. E, efeito colateral, os preços eram muito maiores do que as propostas iniciais.
3. O passar do tempo mostrou que, boa ou ruim, a vacina que chegou primeiro foi a Coronavac, envasada pelo Instituto Butantan com IFA importado da China. Sem alternativa, o Ministério da Saúde voltou atrás e assinou um contrato de compra da Coronavac, até porque a fabricação da vacina Oxford/AstraZenica, envasada pela Fiocruz, atrasou. Diante da omissão do governo federal, Estados e municípios conseguiram autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para importar outros tipos de vacinas. Este é o caso, por exemplo, de alguns Estados nordestinos que fizeram contratos para a importação da vacina Sputnik V, fabricada pela Rússia, cuja liberação foi negada recentemente pela Anvisa. Ou a agência enxergou alguma coisa que ninguém viu (já que vem sendo aplicada por mais de 60 países) – e deveria comunicar ao meio científico mundial a sua descoberta – ou é excesso de zelo, que resultará em aumento da taxa de letalidade.
4. O exemplo de oportunismo político fica demonstrado no caso da falta da segunda dose da Coronavac para vacinar os grupos prioritários. Como essa vacina precisa ser aplicada em duas etapas, era de se esperar que, ao aplicar a primeira dose, automaticamente ficasse uma dose reserva para a segunda. Mas não foi o que aconteceu. E aqui não dá para isentar ninguém de responsabilidade. É fato que houve orientação do governo federal, em algum momento, para os estados e municípios não estocarem os lotes, mas eles tinham autonomia para decidir. Hoje, essa orientação mudou, mas o estrago já está feito. Embora estudos mostrem que a vacina Coronavac diminui em mais de 90% as hospitalizações, a eficácia da vacina é baixa (em torno de 50%). Atinge um máximo de proteção quando aplicada a segunda dose entre 21-28 dias após a aplicação da primeira dose. E o que acontece se houver atraso na segunda dose? Ninguém sabe, já que não foram feitas pesquisas.
5. Mesmo na incerteza, especialistas recomendam tomar a segunda dose da vacina Coronavac, se estiver disponível. Neste momento, no entanto, depende da importação de IFA, ainda não liberada pela China. O fato é que nada disso teria acontecido se os governos, nos três níveis, tivessem sido previdentes. Como o governo federal pode garantir um abastecimento estável de IFA, a ponto de orientar aplicar todo o estoque da vacina na primeira dose? Por exemplo, o recrudescimento da pandemia na Índia, um dos maiores produtores de insumos, diminuiu ainda mais a oferta mundial e não podia ser previsto. O que levou governadores e prefeitos a seguirem uma orientação do governo federal, quando eles próprios sempre reclamaram da falta de um plano de coordenação a nível nacional? Só tem uma resposta: oportunismo político. Ao aumentar, sem controle, o número de vacinados na primeira dose, cada governo, independente da instância, procurou aumentar o seu capital político com a vacina. Simples assim.
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