Retalhos de lona e caixinhas de leite ajudam a atacar o vento gelado que passa pelo teto e pelas largas frestas de uma casa erguida entre tábuas irregulares a poucos metros dos trilhos no Bairro KM-3. Do assoalho, também repleto de vãos, é possível ver e ouvir a água que corre de sanga que circunda o terreno “que sobrou” para que o catador Romilto Medeiros, 34 anos, fosse morar com a família:
– Se a gente pudesse, não estava aqui. Mas foi o que sobrou, pois essa casa nem nossa é. Estamos procurando outro lugar. Conseguimos aqui faz um ano, mais ou menos. Tem noites que não existe roupa e coberta que segurem o vento.
Medeiros vive com a companheira Bianca Janaína Santos Ribeiro, 25 anos, a filha de apenas 9 meses, Anna Dandara Ribeiro Medeiros, e com os enteados Marcos Yuri Ribeiro de Oliviera, 9 anos, e Caio Augusto dos Santos Ribeiro, 7 .
O inverno invade a casa da família em muitos aspectos. É nesta estação que o trabalho da coleta de resíduos sólidos pelas ruas, seguido da tentativa de venda fica dificultada. A renda diminui, assim como reduz o que comer. É a farinha de milho que tem salvado os dias de maior escassez. Segundo Medeiros, a polenta é o prato que resta a várias refeições. O frio que suscita a necessidade de consumir alimentos para manter forte o corpo, é o mesmo que lembra a família da urgência de ter mais roupas, calçados, cobertas, condições estruturais e dignidade.
– A gente sente até uma humilhação, uma vergonha em ter que contar como vive. Chove muito dentro de casa e atrás corre um córrego. Me desculpa contar assim, meio chorando, mas é essa a nossa situação. As crianças precisam de roupas e calçados secos. Molha em um dia e não tem para o outro. A situação é lutar para ver se melhora, porque a gente não quer isso para os filhos da gente – relata Medeiros ao falar a própria condição sob lágrimas.
Estação castiga os pés no trabalho diário
O fogo no fogão a lenha ajuda a aquecer o corpo após um dia de trabalho da família que tira o sustento da coleta de material reciclável. Fabiana Rodrigues Geraldo, 37 anos, e o companheiro Alexandre Cavalheiro, 42, vivem junto dos dois filhos de 8 e 11 anos anos, no Bairro KM-3. Além da renda que obtém da venda dos resíduos sólidos, a família costuma ganhar roupas nas andanças pela cidade. Porém, para quem percorre longas distâncias puxando um carrinho e enfrenta dias de chuva e de frio, o desgaste dos sapatos é inevitável. Comprar pares novos não tem sido fácil depois que o preço do quilo do papelão e das garrafas PETbaixou durante a pandemia e reduziram os lucros dos materiais:
– Aqui o problema é o calçado. Os guris crescem rápido e a gente, de tanto andar por aí, não há calçado que aguente. O que nos “salva” são as doações das pessoas – relata Fabiana.
Angélica se preocupa com a falta de coberta nas madrugadas geladas
Moradora do Alto da Boa Vista, no Bairro Nova Santa Marta, na região oeste da cidade, a dona de casa Angélica Diniz de Menezes, 23 anos, tem a segurança de estar abrigada sob um teto fechada e paredes de alvenaria. Casada, ela divide a casa com o companheiro e uma filha de 6 anos. É durante as madrugadas que ela teme usar todas as cobertas que tem e ainda não ser suficiente para espantar o frio. A preocupação é extensiva à vizinhança:
– Colocamos três cobertores, mas quando é muito frio, a pequena vem dormir com a gente. Temos roupas, mas coberta nunca é demais. Meu marido é servente de obras e não está aparecendo serviço, então, temos que economizar no que dá. Fico com dó das pessoas que moram em casinhas mais simples por aqui e precisam de cobertor. Uns são idosos e não têm condições (financeiras). Muito não sabem nem onde buscar ajuda.
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Em Santa Maria, o frio é maior que a quantidade de doações de agasalhos
“A gente sente até uma humilhação em ter que contar como vive”, relata catador sobre falta de roupas e moradia precária