Cinco painéis de discussão encerraram a programação dos 11 anos da tragédia na Kiss. O evento foi organizado pela Associação de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) e realizado na Rua das Andradas, em frente à boate, na noite deste sábado (27). No local, o trânsito foi bloqueado e uma estrutura com palco foi montada. Cerca de 60 pessoas acompanharam relatos sobre impunidade, luta por justiça, prevenção de incêndios, impactos da Kiss e de outras tragédias no país.
– Essa é uma noite de reflexão sobre várias pautas que abrangem a Kiss. Nossa programação tem a discussão de diferentes tragédias evitáveis, a flexibilização da Lei Kiss, uma conversa com mães de vítimas em situação de impunidade, com sobreviventes para escutar como eles estão 11 anos depois. Todos esses assuntos servem para resgatar energia e força que vamos precisar para o que vem logo à frente, que é o segundo júri. É um momento de encontro e de carinho para nos fortalecermos – relatou Gabriel Rovadoschi Barros, presidente da AVTSM.
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O primeiro painel trouxe um debate sobre o sentimento de impunidade não apenas da Kiss, mas também de tragédias que aconteceram em outros locais do Brasil.
Uma das convidadas era Josiane Melo, sobrevivente do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, no Estado de Minas Gerais. Na tragédia, 272 pessoas morreram. Dentre elas, a irmã de Josiane, Eliane, que estava grávida de cinco meses. Josiane também é uma das fundadoras da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão-Brumadinho (Avabrum).
– Estamos nessa luta há cinco anos. O Ministério Público e a Polícia Federal já comprovaram que as empresas Vale e a Tüv Süd sabiam da possibilidade do rompimento da barragem. Existem muitas provas e até agora não conseguimos um julgamento. Isso se assemelha muito ao caso da boate Kiss, em que as manobras protelatórias do processo fazem com que a gente não consiga a tão sonhada justiça. Estamos aqui hoje para poder dar as mãos e fazer a caminhada pela justiça de uma forma mais célere – afirmou Josiane.
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Darlei Constante Pisseta também participou do primeiro painel para falar sobre o incêndio no centro de treinamento do Flamengo, conhecido como Ninho do Urubu. A tragédia aconteceu em 2019 e tirou a vida de 10 garotos da categoria de base do time. Uma das vítimas, Bernardo Augusto Manzke Pisetta, era o filho de Darlei. Bernardo tinha 14 anos e era goleiro havia seis meses no Ninho do Urubu. Antes de começar a contar os impactos da tragédia na sua vida, Pisseta fez a leitura dos nomes dos 10 meninos que morreram.
– Precisamos nos unir para sermos mais fortes e também para procurarmos inibir esse tipo de coisa. A tragédia em Santa Maria foi uma das mais impactantes. Se tivessem ocorrido punições após o acidente, com certeza, não teria acontecido Mariana, Ninho do Urubu, Brumadinho e outras tragédias mais. Não há punição. O que viemos buscar é justiça, que as pessoas sejam punidas em todas as esferas – disse Pisseta.
"Choramos as mesmas lágrimas", diz mãe que perdeu filho assassinado
Outro painel reuniu relatos de mães que perderam filhos em crimes que permanecem impunes. Nesse debate, participaram Marilia Panontin, Cátia Goulart, Cibelle Viana Costa e Jacqueline Malezan.
O filho de Cátia, Andrei Ronaldo Goulart Gonçalves, morreu em novembro de 2016, em Porto Alegre, quando tinha 12 anos. O tio e policial militar da reserva Jeverson Olmiro Lopes Goulart é acusado pelo homicídio de Andrei e também pelo estupro do menino.
– É difícil de falar desde o dia que perdi o Andrei. Venho buscar carinho e conforto, ter mais visibilidade para que as coisas tomem um rumo. No meu caso, estou aguardando há sete anos pela Justiça, que o assassino do meu filho seja punido. Acho que aqui é uma troca de experiências, choramos as mesmas lágrimas. Espero que toda essa mobilização tenha um resultado positivo. Não vamos ter nossos filhos de volta, mas saber que os assassinos deles estão presos vai confortar nosso coração – disse Cátia.
Além desses dois painéis, outros três foram realizados. A antropóloga e professora Ceres Victora falou sobre as consequências do incêndio na Kiss. O engenheiro civil João Vivian e o diretor jurídico da AVTSM, Paulo Carvalho, debateram sobre os perigos da flexibilização da Lei Kiss. Quatro sobreviventes, Gustavo Cauduro Cadore, Maike dos Santos, Cristiane dos Santos Clavé e Delvani Brondani Rosso, contaram sobre a vida após o incêndio no último painel da noite.