Comissão Interamericana de Direitos Humanos analisará a responsabilidade do Estado brasileiro na tragédia da boate Kiss

Marcos Fonseca e Pablo Iglesias

Comissão Interamericana de Direitos Humanos analisará a responsabilidade do Estado brasileiro na tragédia da boate Kiss

Foto: Germano Rorato (BD, 27/01/2013)

Incêndio em 27 de janeiro de 2013 deixou 242 pessoas mortas e mais de 600 feridos na Kiss. Para a associação de familiares de vítimas, órgãos públicos se omitiram e contribuíram para que a tragédia ocorresse

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) aceitou uma petição apresentada por familiares de vítimas do incêndio na boate Kiss que cobra a responsabilização do Estado Brasileiro pela tragédia ocorrida em Santa Maria, em janeiro de 2013, que matou 242 jovens e deixou mais de 600 feridos. Agora o próximo passo do órgão vai ser analisar o caso a partir do que foi apresentado na petição.


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A informação foi divulgada nesta quarta-feira (11) pelo jornal Folha de S. Paulo. Segundo a reportagem, o documento foi enviado à comissão em 2017. Nele, constam, segundo os autores, que as vítimas morreram sob condições cruéis. Acrescentam, ainda, a demora no desdobramento do processo na Justiça, impunidade e falta de reparação pelos danos causados.


– Agora, efetivamente, o Estado brasileiro é réu perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos pelo caso da boate Kiss – afirma Tâmara Biolo Soares, advogada que representa a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM).


Ao enviar à Comissão Interamericana sua manifestação sobre o caso, em junho de 2022, o Estado brasileiro atribuiu os supostos atos de omissão, negligência e falta de cumprimento da lei ao município de Santa Maria, ao Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul e ao Ministério Público. Com isso, a prefeitura de Santa Maria, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) e o Corpo de Bombeiros Militar (CBM) podem se tornar réus perante essa comissão.


– Ainda existe um processo pela frente, será uma caminhada longa, mas esse passo importantíssimo foi dado em busca de justiça para os familiares. Isso inclui a prisão dos réus que foram condenados pelo júri e a responsabilização dos agentes públicos que se omitiram e contribuíram para que a tragédia acontecesse e ceifasse a vida de 242 pessoas – completa Tâmara.


Pedido antigo

A responsabilização dos entes públicos é uma antiga reivindicação dos familiares de vítimas e sobreviventes da tragédia, fato esse apontado na investigação feita pela Polícia Civil na época. Contudo, a Justiça considerou que prefeitura, Ministério Público e Corpo de Bombeiros não foram responsáveis pelo incêndio.


Passados mais de 11 anos, respondem pelo incêndio quatro réus – dois ex-sócios da boate e dois integrantes da banda que tocava na madrugada em que o fogo teve início. Os quatro chegaram a ser julgados em dezembro de 2021, mas tiveram as sentenças anuladas.

 
No começo de setembro deste ano, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve a validade do júri popular do Caso Kiss, e determinou que os réus – os ex-sócios da boate Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão – retornassem à cadeia para o cumprimento das sentenças, que variam de 18 a 22 anos de prisão. Elissandro e Mauro estão no Complexo Prisional de Canoas. Os demais cumprem pena no Presídio Estadual de São Vicente do Sul.


O que dizem

A reportagem do Diário entrou com contato com a prefeitura de Santa Maria, o Ministério Público e o Corpo de Bombeiros Militar para que comentassem o assunto.
O Executivo municipal e os Bombeiros informaram que irão analisar as informações antes de emitir alguma manifestação.

 
Em nota, o Ministério Público do Rio Grande do Sul informou que “sempre atuou para a condenação dos acusados”. “Desde sempre, a instituição tem trabalhado firmemente no acolhimento e na representação das vítimas. O MP-RS salienta também que a decisão da justiça brasileira é soberana e já foi tomada pelo Tribunal do Júri”, informou a instituição.

Familiares de vítimas e sobreviventes sempre atribuíram a responsabilidade à negligência do poder público e aos réus Foto: Jean Pimentel (BD, 27/07/2016)

O que é a Comissão Interamericana de Direitos Humanos

  • A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) é um órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA) encarregado da promoção e proteção dos direitos humanos no continente americano. Foi criada em 1959 e tem sede em Washington, nos Estados Unidos. Integra o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que conta também com a Corte Interamericana de Direitos Humanos
  • O principal objetivo é promover a observância e a defesa dos direitos humanos por meio de realização de diligências, sindicâncias, entrevistas com interessados, entendimentos com autoridades públicas e qualquer outro procedimento adequado, visando à elucidação de denúncias apresentadas a fim de salvaguardar a dignidade das pessoas e consolidar o Estado de Direito e a democracia


Corte Interamericana trata de 12 casos ocorridos no Brasil

O Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em 1992, e reconheceu a competência jurisdicional contenciosa da Corte Internacional de Direitos Humanos, da qual a Comissão Internacional faz parte, para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998. A contar desse marco, a responsabilidade internacional do Estado Brasileiro por violações de direitos protegidos pela Convenção Interamericana foi apreciada pela Corte em sentenças referentes a 12 casos.

 
A maioria responsabiliza o governo brasileiro por crimes, muitos deles praticados em ações policiais. Mas um caso de repercussão foi a morte de 60 pessoas devido à explosão de uma fábrica de fogos de artifícios no município de Santo Antônio de Jesus, na Bahia, em 11 de dezembro de 1998. Seis pessoas ficaram feridas. 


Segundo a Corte Internacioinal, como consequência da explosão, foram violados os direitos à vida, à integridade pessoal, ao trabalho em condições equitativas e satisfatórias, direitos da criança, à igualdade e não discriminação, à proteção judicial e às garantias judiciais.

 
A maioria dos trabalhadores era de mulheres negras, que viviam em condições de pobreza e tinham baixo nível de escolaridade. Eram contratadas informalmente e recebiam salários muito baixos. Elas não tinham equipamentos de proteção individual nem treinamento ou capacitação para executar o trabalho na fábrica.
Das decisões tomadas pela Corte Internacional, 11 ainda não foram cumpridas pelo Estado brasileiro, entre elas a punição dos responsáveis pela explosão e o pagamento de indenizações aos familiares das vítimas.

Monitoramento

Todos os 12 casos tratados pela Corte Internacional podem ser conhecidos acessando o site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo a instituição, atualmente, o CNJ monitora e desenvolve diversas iniciativas voltadas ao cumprimento integral das Sentenças da Corte Interamericana.

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