“A medida protetiva é algo que faz diferença na vida das pessoas, e salva vidas”, afirma titular do Juizado de Violência Doméstica de Santa Maria

Lenon de Paula

“A medida protetiva é algo que faz diferença na vida das pessoas, e salva vidas”, afirma titular do Juizado de Violência Doméstica de Santa Maria
O Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher está sediado anexo ao Fórum de Santa Maria, onde anteriormente estava a Justiça Militar do Estado. Na foto, o juiz titular, Rafael Pagnon Cunha. Foto: Lenon de Paula

A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) completou 16 anos no domingo (07). A legislação trouxe avanços no combate à violência doméstica e familiar, tipificando como crime a violência contra a mulher e trazendo mais rigor na punição aos agressores. No Rio Grande do Sul, somente no 1º semestre de 2022 foram 60.632 medidas protetivas concedidas e 15.274 prisões decretadas em casos de violência doméstica.

Até o dia 28 de julho, haviam 2.025 tipos de medidas protetivas diversas nos processos em andamento em Santa Maria, sendo que na maioria dos casos as vítimas têm concedidas, no mínimo, duas medidas protetivas para cada. À reportagem do Bei, o juiz titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar (JVD) da Comarca de Santa Maria, Rafael Pagnon Cunha, falou sobre medidas protetivas e da atuação integrada com a Polícia Civil e Brigada Militar. Confira a entrevista:

Bei – Quando o JVD surgiu em Santa Maria?

Rafael Pagnon Cunha – Essa matéria (caso de violência doméstica) antes era analisada por uma Vara Criminal comum, e por conta disso, pela imensa quantidade de processos criminais que temos nas varas, recebia a mesma atenção que outros feitos. No entanto, surgiu uma política pública nacional, instituída não só pelo Congresso Nacional, como pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e seguida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS). Determinou-se que houvesse a criação de juizados específicos para enfrentamento da violência contra a mulher. Nós temos, então, desde 2016, o Juizado da Violência Doméstica, ou Juizado da Paz Doméstica, como a gente gosta de chamar, aqui em Santa Maria, com uma abordagem específica dessas questões.

– A gente se orgulha bastante com o relacionamento que conseguimos construir tanto com a Polícia Civil, quanto com a Brigada Militar, especialmente com a Patrulha Maria da Penha.

Bei – Como funciona o JVD e quais os diferenciais enquanto juizado especializado?

Pagnon Cunha – A especialização é sempre algo benéfico, assim como é absolutamente benéfico que nós tenhamos um Juizado de Infância e Juventude, um Juizado de Família. A existência de uma Vara com uma abordagem específica e única também possibilita que o juiz, o promotor de Justiça, os defensores públicos que aqui atuam se especializem, além dos advogados que também atuam conosco. A gente consegue dar um tratamento com abordagem diferenciada. Nós tratamos a vítima com uma atenção absolutamente diferente dos outros juizados. Nós temos, inclusive, uma sala de acolhimento às vítimas, que é algo inédito. Não havia antes do nosso sistema algo nesse sentido. Havia, nos Juizados da Infância, algo semelhante, mas para vítima (mulher) não havia. E nós conseguimos ter um acolhimento diferenciado também. A gente atua com uma grande proximidade com a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), e isso nos propicia uma rapidez na tramitação dos processos e um olhar diferenciado por parte de todos os operadores.

Bei – Qual a estrutura atual da JVD e quais as formas de atuação?

Pagnon Cunha – Um diferencial é essa nossa atuação inicial muito firme com o deferimento de medidas protetivas. Os nossos números são significativos. Os deferimentos de medidas são o nosso padrão, é a nossa regra. Pouquíssimos casos não têm medidas deferidas. Com isso, a gente consegue intervir rapidamente em uma situação familiar que se encontra degradada. Nós temos uma diferenciação da Vara de Família, por exemplo. Nós temos também aqui casos de conflitos familiares, mas são conflitos que escalaram a um novo nível de violência, física e psicológica. E, com isso, nós entendemos que devemos intervir rapidamente na vida dessa família, deferindo medida protetiva, proibindo contato do agressor com a ofendida, determinando a saída dele de casa. E isso se dá de um modo rápido, muito rápido. As vítimas de feminicídio não tem medidas protetivas. Isso significa que as mulheres que recebem medidas estão melhor tuteladas. Ao contrário do que alguns dizem, a medida protetiva não é somente um pedaço de papel. Ela é algo que faz diferença na vida das pessoas, e salva vidas. A nossa grande preocupação é essa: trabalhar o mais rapidamente possível para que essas medidas protetivas sejam alcançadas às mulheres e os homens sejam intimados o mais rapidamente possível.

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Bei – Como ocorre proximidade com a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) e o deferimento de medidas?

Pagnon Cunha – A gente se orgulha bastante com o relacionamento que conseguimos construir tanto com a Polícia Civil, quanto com a Brigada Militar, especialmente com a Patrulha Maria da Penha. Nos comunicamos diariamente, temos grupo de WhatsApp juntos. Com isso, a gente consegue uma comunicação diferenciada e uma resposta muito mais rápida. Essa semana tivemos um caso em que a vítima nos ligou, reclamando que o filho, usuário de drogas, estava lá, e solicitou a nossa ajuda. Tínhamos um mandado a cumprir, mas não encontrávamos ele. Comunicamos com a Deam, por WhatsApp, e em minutos, com muita eficiência, eles lá estiveram. Fizeram a prisão do rapaz, conseguiram levar ele até a delegacia e intimado medidas. A gente trabalha como um sistema integrado de segurança pública. Eu entendo, há muito tempo, que o judiciário tem também uma grande responsabilidade com a segurança pública.

Bei – Qual o tempo médio para o deferimento das medidas protetivas? E em quais casos são indeferidas?

Pagnon Cunha – Via de regra, tudo ocorre no mesmo dia. Se a pessoa registrou pela manhã, pela tarde, examinamos a medida protetiva. A regra é o deferimento. Na maioria das vezes, ou no mesmo dia ou no dia seguinte, se dá à intimação pelo oficial de Justiça. O nosso foco de enfrentamento e de proteção é do gênero feminino quando este sofre violência e opressão exercidas pelo gênero masculino. Alguns casos não são de competência nossa. Por exemplo, homens que são vítimas de violência familiar. Temos casos em que existe um conflito de patrimônio, por exemplo, inventário, e dele se desdobra uma violência familiar. Em outros casos nós temos crianças, em que a preponderância geracional, e não de gênero. Estes casos são examinados por um juizado criminal comum.

– Eu entendo, há muito tempo, que o judiciário tem também uma grande responsabilidade com a segurança pública.

Bei – Como você avalia os números de ocorrências e medidas solicitadas no JVD?

Pagnon Cunha – Os nossos números são muito inconstantes. Assim como a violência tem certas peculiaridades que fazem ela explodir, por exemplo, uma noite em que todos vão para rua, em que os homens bebem mais e que voltam para casa mais alterados que o padrão. 12 medidas em um final de semana é um número alto, mas tivemos finais de semana com 20 registros de ocorrência. Esses números só demonstram que a violência está presente, e muitas vezes, é ignorada porque não vivemos ela. Isso acontece com todos nós, sejam juízes, promotores, defensores, advogados. Algumas vezes a gente não dá o valor porque não convivemos no dia a dia. A violência de gênero ainda é muito presente e merece um enfrentamento firme e atento do Estado.

Bei – O JVD também examina outros tipos de medidas cautelares, como mandados de busca e apreensão ou de prisão preventiva?

Pagnon Cunha – Essas outras medidas são apreciadas pelo Juizado também. Os descumprimentos de medidas protetivas podem ser já pedidos de prisão, assim como o sujeito pode ser preso porque estava em flagrante delito, e pode ocorrer a conversão do flagrante em prisão preventiva. Isso acontece quase todos os dias. Há pouco fiz uma audiência de custódia em que ocorreu isso: o sujeito tinha uma medida de não aproximação, esteve no local, agrediu a ofendida, foi preso em flagrante. Então homologuei o flagrante e converti a prisão em flagrante em prisão preventiva. Ele poderia ter descumprido, como o fez, ou poderia ter simplesmente cometido algum outro crime. Mandados de busca e apreensão também são examinados pela gente. Isso ocorre quando armas de fogo, especificamente, são utilizadas para ameaçar ou agredir a vítima. A existência de uma arma de fogo, por si só, com alguém, não é algo ilegal se for uma arma registrada e estiver em dia. Mas quando ela é utilizada para ameaçar e/ou agredir, a Delegacia pode solicitar, o Ministério Público pode solicitar, a própria parte pode solicitar a busca e apreensão de armas. Se houver elementos, os pedidos são deferidos.

Bei – Em caso de relacionamentos homoafetivos, como o JVD atua?

Pagnon Cunha – Nós já examinamos mais de uma situação, inclusive já houve deferimento pra vítima trans. Tivemos questões de toda sorte. Essas são umas das questões mais difíceis de serem abordadas, porque a ideia da legislação é que não haja a violência do gênero masculino sobre o gênero feminino. A questão do sexo é desimportante. Quando ocorre afinamento entre sexo e gênero a situação fica um pouco menos complicada. Em outras vezes nós temos sexo masculino com gênero feminino, e todas as leituras que hoje o tempo moderno nos propicia. Não examinamos com qualquer preconceito, só a questão é haver a configuração do gênero masculino sobre o gênero feminino. Se uma das parceiras tiver a identidade com o gênero masculino e a outra com o gênero feminino, e houver agressão, examinamos, e já o fizemos, com o mesmo olhar e com a mesma atenção e o mesmo acolhimento dos demais casos.

– A violência de gênero ainda é muito presente e merece um enfrentamento firme e atento do Estado.

Bei – O senhor pode reforçar qual importância em fazer a denúncia nos casos de violência doméstica?

Pagnon Cunha – Gostaria de conclamar a população para que fique atenta à violência de gênero. Ela existe, ela é uma realidade. Ela é democrática. Isso não afeta unicamente a pessoas de baixa renda ou pessoas de baixa educação. O que a gente constata é que em classes mais favorecidas, muitas vezes, a violência doméstica não é trazida para o judiciário. Ela é levada para clínica, para o divã, pelo psi e não pela segurança pública. Isso é algo preocupante porque nós não temos o enfrentamento dessas questões. A gente conclama a todos que registrem ocorrência, e que as mulheres não deixem de pedir medidas protetivas que salvam vidas, sim”, e isso são números mundiais. As vítimas de feminicídio, em regra, não tinham medidas protetivas deferidas. A gente conta com a colaboração de todos, pois o que necessitamos é de uma grande mudança cultural para termos uma sociedade cada vez mais igualitária em que o gênero feminino receba o mesmo tratamento, a mesma atenção e o mesmo cuidado que o gênero masculino. E que consigamos mudar essa cultura no menor tempo possível.

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