com a palavra

Professora aposentada relembra como coordenou a transformação do Ensino Rural em Santa Maria

Rafael Favero

Foto: Arquivo Pessoal
Irene é formada em História pela UFSM

Nascida em Santa Maria, Irene Fernandes dos Santos, 72 anos, tem um vida dedicada à educação, principalmente, ao ensino rural. Graduada e Especialista em História e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), ela exerceu o magistério no município e no Estado, além de ter sido técnica em Assuntos Educacionais na UFSM. Na prefeitura de Santa Maria, Irene coordenou o projeto das escolas-núcleo, que revolucionou a estrutura educacional dos distritos do Coração do Rio Grande. A professora aposentada também é membro da Casa do Poeta de Santa Maria (Coposm) e ocupa a cadeira 94 da Academia Internacional de Artes, Letras e Ciências de Cruz Alta.

Diário - Na sua infância, em Pains, a senhora já dava sinais de que seguiria a carreira de professora?

Irene Fernandes dos Santos - Minha família já era ligada à educação. Meu avô, Bernardino Fernandes, recebia visitas de pessoas que moravam na "cidade grande". Lembro que ele era amigo da família Do Canto. Os visitantes traziam revistas e jornais, como a revista O Cruzeiro e o jornal Correio do Povo. Meu avô gostava muito de ler e eu peguei o gosto pela leitura muito por conta dele. Ele ficava em uma cadeira de balanço, lendo, e eu, pequena, ficava atrás, tentando ler também. Pouco antes de falecer, já doente, meu avô pediu que meu pai doasse um pedaço de terra, em Pains, para a construção de uma escola. Hoje, a escola leva o nome do meu avô. Na época, Pains não era distrito ainda, era uma localidade de Camobi, que era distrito de Santa Maria. Eu nasci em uma casa bastante humildade, de chão batido. Meu avô tinha posses, mas meu pai não queria depender do meu avô e sempre buscou construir a vida com forças próprias. Meus pais já são falecidos. Tenho duas irmãs, Marlene e Neuza Isabel. Eu não tinha idade para ir à escola, mas ia com a Marlene do mesmo jeito. Sempre gostei de estudar.


Diário - Quando a senhora passou a trabalhar como professora?

Irene - Naquela época, quem tinha cursado o período ginasial, como eu, era raro. Na minha terra então, mais ainda. O ginásio seria o equivalente às séries finais do Ensino Fundamental atual. Quando eu terminei o ginásio, chamaram-me para ajudar a professora que estava lecionando na escola Bernardino Fernandes, em Pains. Era minha prima de segundo grau. Tinha muitos alunos na região e ela precisava se afastar de vez em quando. Entrei como ajudante, em 1965, sem nenhuma remuneração. Fiquei um ano sem receber nada. O pessoal da Secretaria Estadual de Educação até fez uma reunião com os pais dos alunos propondo que eles se cotizassem e me pagassem algo. Eu não aceitei porque os pais não tinham condições nem de comprar material escolar para os filhos, imagina, então, me pagar. No final do ano, as mães se reuniram e me deram uma vaso muito bonito, que meus filhos quebraram jogando ping-pong, anos depois. Em 1969, fiz um concurso e fui efetivada como professora do município de Santa Maria. Em 1975, eu passei a trabalhar na escola Lívia Menna Barreto e, em 1982, passei a ser professora do Estado, quando trabalhei no Margarida Lopes. No mesmo ano, já recebi o convite para trabalhar na Secretaria de Educação e Cultura de Santa Maria como supervisora de estudos sociais.

Diário - Como a senhora passou a se envolver com a organização do ensino rural na região?

Irene - Quando comecei a tratar do ensino rural na prefeitura, eu era coordenadora pedagógica de currículos por atividade, que abrangia da primeira a quarta série. Foi quando trocou o prefeito. Entrou o Evandro Behr, em 1989. Com outras colegas, que também eram cedidas do Estado para o quadro do município, fui me colocar à disposição do novo secretário de educação, Pedro Aguirre, para voltarmos a trabalhar como docente. Ele não me conhecia. Então, o Aguirre pediu para que apresentássemos projetos em relação à educação para, de repente, permanecermos na prefeitura. Então, falei sobre o projeto das escolas- -núcleo, que consistia, resumidamente, na criação de grandes escolas nos distritos que substituíssem as já deterioradas escolas pequenas. O projeto havia sido recusado pela secretária anterior, mas o Aguirre se apaixonou por ele e foi falar com o prefeito. Foi muito difícil executar este projeto porque a legislação da época não contemplava as ideias que eu tinha. Por exemplo, o projeto falava em escolas que funcionassem um dia sim, outro não, para que os filhos pudessem ajudar os pais na lavoura. Eu conhecia a realidade do interior. Na época, havia escolas com poucos alunos. Em São Martinho da Serra, que era distrito de Santa Maria, havia uma escola que tinha apenas quatro estudantes. A professora, com medo de que fechassem a escola dela, inventava nome de alunos e colocava na chamada. Eu queria alterar esta situação. O modelo inicial foi a escola Valentim Bastianello, em São José da Porteirinha.

Foto: Arquivo Pessoal
Com os filhos Maurício e Jeferson

Diário - Em meio a tantas atividades, como conseguiu se graduar em História e se tornar Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria?

Irene - Cursava História ao mesmo tempo em que era coordenadora do Lívia Menna Barreto. Ainda morava em Pains. Fazia a faculdade de manhã, trabalhava no Lívia pela tarde e, à noite, retornava à UFSM para ter aulas. Naquele tempo, as aulas do curso de História ocorriam tanto em Camobi quanto no Centro, no prédio da Antiga Reitoria. Tive até uma úlcera gástrica porque comia muito rápido para poder cumprir todos os compromissos. O mestrado eu fiz enquanto estava na prefeitura, por volta de 1990. Em toda a minha vida acadêmica, sempre pesquisei a educação. Na graduação em História, minha pesquisa era sobre o ensino público na Era Vargas. Quando me aposentei da prefeitura, em 1995, passei em um concurso para técnica administrativa em Assuntos Educacionais, também na UFSM.

Foto: Arquivo Pessoal
Irene lendo para crianças no projeto Magia da Leitura Infantil

Diário - A senhora foi professora no período da Ditadura Militar. As aulas recebiam muitas interferências do governo?

Irene - Até mesmo pelas pesquisas que fiz na faculdade, posso dizer que, no período do Estado Novo, com o Getúlio Vargas na presidência, a influência do governo foi bem maior. No entanto, é claro que, na minha época, tínhamos que enfatizar o nome das autoridades que comandavam o país. As provas vinham prontas da Secretaria de Educação, não era a professora que as elaborava. Certa vez, uma das questões de uma prova questionava qual era o nome do presidente da república, que era o Emílio Garrastazu Médici. Um aluno meu respondeu "Emílio Arrasta Azul Me Disse". Nunca esqueci disso. Eles até sabiam falar, mas alguns não sabiam escrever o nome.

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