"A corrupção é endêmica, está presente nas relações econômicas e de poder, e atinge toda a sociedade. Há um círculo vicioso e é difícil de se combatê-la porque ela ocorre às escondidas, entre quatro paredes, entre corruptor e corrupto. Precisamos plantar uma sementinha para um país melhor, não para os nossos filhos, infelizmente, mas talvez para os nossos netos".
A frase é da procuradora do Ministério Público Federal (MPF) Jerusa Burmann Viecilli, integrante da força-tarefa da Lava-Jato, responsável por um terremoto de grande proporção nas entranhas do poder político e econômico do país e que desvendou um esquema de corrupção na Petrobras envolvendo políticos de partidos do porte do PT, PP, PMDB e PSDB, entre outros, e donos e executivos das principais empreiteiras do país.
Advogado das operações Lava-Jato e Rodin critica delações premiadas
Formada em 2002, pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), foi aqui que Jerusa, como procuradora do MPF, atuou no rumoroso escândalo das carteiras de motorista (operação Rodin) que levou à condenação de professores da própria instituição em que se graduou e atingiu as fundações de apoio Fatec e Fundae.
Na noite da última quinta-feira, no Itaimbé Palace Hotel, Jerusa encerrou o 5º Debate Jurídico promovido pela Faculdade de Direito de Santa Maria (Fadisma), pelo Diretório Acadêmico do Direito da instituição e pela BMR Eventos.
Depois da palestra, a procuradora concedeu entrevista ao Diário. Ela ressaltou que, sem o apoio da sociedade, a Lava-Jato corre o risco de acabar como a operação Mãos Limpas, na Itália.
Auditores fazem pente-fino em dinheiro aplicado em projetos federais em Santa Maria
A procuradora foi coordenadora no Rio Grande do Sul da Campanha 10 Medidas contra a corrupção, que tem como objetivo alterar a legislação e que propõe aumento das penas e a transformação em crime hediondo para a corrupção envolvendo altos valores. Jerusa lamenta as articulações para proteger políticos corruptos.
– Fatos recentes demonstram que, apesar da Lava-Jato, a corrupção não parou – ressente-se Jerusa, sem esconder a frustração de, em muitos casos, assaltantes dos cofres públicos escaparem ilesos.
No encerramento da entrevista, um desabafo sobre a Rodin.
Governo anuncia 57 projetos de concessões e privatização de empresas públicas
– Todo o meu esforço de dias e noites parece não ter dado em nada – confidenciou, sobre o fato de nenhum dos 29 condenados pela Justiça Federal de Santa Maria e dos 22 condenados pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em segunda instância, estar cumprindo pena.
As delações tiveram efeito dominó e foram fundamentais
Diário de Santa Maria – Como a senhora define a Operação Lava-Jato?
Jerusa Viecilli – É um dos grandes casos de investigação de corrupção que se tem notícia, não sei se é o maior do Brasil, mas com certeza é o mais conhecido. A Lava-Jato é um ponto fora da curva. Não há heróis na Lava-Jato, mas sim vários servidores que contribuíram para se chegar onde se chegou.
CNJ decide investigar folha de salários de juízes de todo o país
Diário – Além do número de envolvidos e do volume em dinheiro, o que diferencia a Lava-Jato de outras operações em termos de operacionalidade?Jerusa – Há quatro fatores que fizeram da Lava-Jato uma operação diferente na condução das investigações. Primeiro, a estratégia de fases, que foi o que levou ao acompanhamento da sociedade.

Em segundo lugar, a transparência da operação, com entrevistas coletivas didáticas, a relação com a imprensa. É a primeira operação criminal que tem site oficial com tudo disponível. Em terceiro lugar, destaco a cooperação interna, com os demais órgãos de controle, como Tribunal de Contas da União e Controladoria-Geral da União, entre outros; e também a cooperação internacional, com outros países, como a Suíça. Em quarto lugar, vêm os acordos de colaboração premiada, que também englobam os acordos de leniência feitos com pessoas jurídicas. Os acordos com pessoas físicas investigadas tiveram efeito exponencial. A Lava-Jato usou técnicas especiais de investigação regularmente usadas, mas com equipes exclusivas trabalhando em núcleos. Isso fez toda a diferença para a obtenção de resultados.
O futuro do governo Michel Temer na visão de santa-marienses
Diário – As delações foram fundamentais?
Jerusa – O acordo com o Paulo Roberto Costa (ex-diretor de Serviços da Petrobras, no início da operação) deu a dimensão do esquema de corrupção envolvendo uma estatal brasileira. Há uma situação muito interessante: se o réu sabe que vai ficar impune, ele não faz acordo. As delações tiveram um efeito dominó. Veja a Odebrecht, surgira "m" casos no mundo inteiro. Mas as delações devem ser feitas sempre visando ao interesse público, ao interesse maior da sociedade, e não o do investigado.
Janot pede arquivamento de cinco inquéritos contra parlamentares na Lava- Jato
Diário – Por que é difícil combater a corrupção?
Jerusa – A corrupção sempre é praticada de modo a não ser descoberta, ocorre entre quatro paredes, aparece disfarçada por sofisticados atos de lavagem de dinheiro.
A corrupção é endêmica, atinge a toda a sociedade, tira dinheiro que deveria ser usado para atender direitos essenciais da população. E há a questão da impunidade, os processos prescrevem, as penas são reduzidas.
Raramente réus de colarinho branco são presos e cumprem pena, e quando cumprem não ficam até o fim. Dos processos em que eu tinha atuado até então, só traficantes de droga cumpriram pena. A Lava-Jato é exceção.
Câmara rejeita denúncia contra Michel Temer
Diário– A Lava-Jato corre risco de desmonte?
Jerusa – A Lava-Jato se assemelha muito à Operação Mãos Limpas, na Itália. No dia da final da Copa do Mundo de 1994, foi lançado um decreto enfraquecendo o sistema de combate à corrupção na Itália.
A lei resultou na soltura de mais de 2 mil presos na operação. Por isso, se a sociedade não se insurgir, a corrupção continuará florescendo. A Lava-Jato não tem o poder econômico das elites, das empreiteiras e dos agentes políticos poderosos.
O MPF não foi atingido, mas vemos com certa preocupação a possibilidade de esvaziamento com o fim do caráter de exclusividade das investigações. Nosso temor é a revisão da legislação a ponto de enfraquecer as investigações.
Ex-presidente do BB e da Petrobras é preso em nova fase da Lava-Jato
Diário – O que o MPF espera da Raquel Dodge, nova procuradora-geral da República, pelo fato de sua proximidade com o presidente Michel Temer?
Jerusa - A Dra Raquel tem papel de efetivo combate à corrupção e acreditamos que ela vá dar continuidade ao trabalho do Dr Rodrigo Janot, talvez não com a mesma intensidade. Ela é mais ligada a questões de direitos humanos.