entrevista

'Nossa vocação é produzir proteína', diz presidente da John Deere

Deni Zolin

Foto: Deni Zolin (Diário)

Com as projeções de que a China passará os EUA e será a maior potência, focando-se em indústrias, restaria ao Brasil se focar num único setor que conseguirá ser competitivo: o agronegócio. Essa é a constatação do presidente da fabricante de máquinas agrícolas John Deere no Brasil, Paulo Herrmann, que ele defendeu em palestra na UFSM. Para ele, precisamos investir em tecnologia para produzir mais. O motivo: haverá aumento expressivo da procura por alimentos, já que projeções indicam que a população mundial pulará de 7,8 bilhões de pessoas, em 2020, para 10 bilhões em 2050.

Ele diz que o Brasil já é líder mundial em grãos e carnes e comenta que as "bocas e o dinheiro" estarão na Ásia, mas que a China não vai querer comprar nossos produtos industrializados, pois lá se fabrica por menos. Por isso, alega que o agro é onde o Brasil pode ser mais competitivo.

"Esse povo todo nasce com boca, e as bocas estão na Ásia"

"Esse povo todo na China, na Ásia, nasce com boca. Aí está a nossa vocação. UFSM, curso de Agronomia, gente, luz verde, isso aqui é o nosso campo. Vamos olhar para a frente. Às vezes, a gente fica tão preso à economia do dia a dia que a gente acaba perdendo a perspectiva, construindo úlceras por causa do curto prazo, mas vamos olhar o médio prazo. Temos de olhar para a frente, pois aumenta a expectativa de vida, a medicina melhora, vamos viver mais, vamos comer mais, e terá mais gente no planeta. Hoje, temos 7,8 bilhões de pessoas. Nós, na América, só 660 milhões. A grande porção está aqui na Ásia, 4,6 bilhões, 60% da população mundial já é asiática. Começa por aqui, a Ásia tem de entrar na nossa vida."

"Nós temos de estudar a Ásia, fazer férias na Ásia. Esqueçam Miami"

"Nós temos de entender de Ásia, estudar a Ásia, temos de ir para a Ásia, fazer férias na Ásia. Esqueçam Miami e os outlets em Miami, vão para a Ásia, lá que está o futuro. Lá tem hoje 4,6 bilhões de pessoas, e em 2050, 5,2 bilhões de pessoas, metade da população mundial. Então, quando eu tiver de direcionar a minha atividade, 4% está na América do Norte, 8% na América do Sul, 7% na Europa, e 54% estará na Ásia. Primeira conclusão: as bocas estão na Ásia. Nosso negócio é boca. Não somos dentistas que nem o reitor, que também se interessa por boca, mas quando as pessoas nascem com boca, ele dá risada, porque a Odonto está garantida, e a turma da Agronomia também."

"Em 2050, a África vai ter mais 1 bilhão de bocas famintas sem nenhuma estrutura"

"Não tenho preocupação com a Ásia, mas com a África, que vai aumentar 87% a população. Daqui a 30 anos, vai ter mais 1 bilhão de pessoas lá. Então, o que é ruim hoje vai ficar pior. E esses barcos e navios que estão chegando todas as noites no sul da Itália, vai piorar, pois vai ter mais 1 bilhão de bocas famintas sem nenhuma estrutura. Vai demorar muito para sair desse sistema social tribal da África. Isso implica que, para alimentar todo esse povão, ter de produzir 70% a mais. Nós precisamos fazer 70% a mais, mas não se preocupe com o Plano Safra, se vai ser anunciado no dia 12 ou 16, se os juros vão mudar. Vamos sair fora dessas armadilhas de curto prazo. Não que não seja importante, mas nós temos de olhar a perspectiva. E porque vamos ter de fazer isso? Veremos a seguir."

"O dinheiro estará na Ásia. A China está passando voando pelos EUA"

"A consultoria Price Waterhouse Coopers fez estudo para 2050 de quais seriam os países mais ricos do mundo. O Brasil está hoje em 8º e passa para ser o 6º em 2050. O interessante é que a gente vai passar a Alemanha.

Vamos olhar os três da ponta (na foto acima, a posição em 2050 e a atual). O número 3, a Índia, pula de 2,6 trilhões de dólares de PIB, que é hoje, para 28 trilhões. A Índia vai crescer 10 vezes em 30 anos. Então, se você viajar mundo afora, vai sempre achar indianos. Estive em Chicago, e em tudo que é lugar tinha indiano. É o sinal da riqueza, porque isso não acontece em 2050. Já vai acontecendo gradativamente. EUA serão o número 2, essa é a grande briga hoje. A discussão que temos hoje é que o número 2, a China, está passando por eles voando. Vamos ver o número 1 em 2050 (China). É 12 trilhões de dólares hoje e vai pular para 50 trilhões em 2050. Quando vocês veem aquela bola que mostra que mais de 54% da população mundial vai estar lá, vamos olhar o dinheiro deles. Esses dois, China e Índia, vão puxar todo mundo, porque isso vai levar Coreia, Vietnã, Indonésia, Malásia, essa turma está sentada em cima do ouro: 28 trilhões mais 50 trilhões de dólares (da Índia e China), fora os outros. Então, o dinheiro estará na Ásia e as bocas estarão na Ásia.

Esse é o povo do consumo. Esse povo nos ameaça (ao agro) e temos de ter medo deles? Na minha visão, não. A vocação dos chineses é indústria, chinês não quer saber de agricultura. Eles vão fazer e nós vamos consumir. Mostro aqui um distrito industrial que visitei perto de Shangai, cheio de prédios. Um ano atrás, eram lavouras de arroz. A vantagem, do ponto de vista de realização, é que a China decide e faz. Não tem democracia, não discutimos se é certo ou errado. Se eles decidem que a estrada passará aqui, ela vai passar aqui, e se o cara está morando onde será a estrada, ele não amanhece ali. Visitei um distrito industrial com um mil indústrias. Tinha só uma logística. Tudo que entrava e saía ia só por meio dela. Esses caras tinham um poder tão grande que chegavam e diziam: eu quero um navio às 10h, outro às 11h, porque eu encho esses navios. Já aqui, para nós, primeiro eles vão para Buenos Aires, descarregam lá e, se der tempo, eles passam aqui (em Rio Grande)."

"A China dominará o mundo. China é indústria, Índia é tecnologia e serviços"

"A China vai dominar o mundo. Eles estão construindo o que chamam de a nova rota da seda, interligando todos os principais Estados e cidades da China com a Europa, a África e a Ásia. O presidente chinês fala em "One belt, one road" (um cinturão, uma estrada), isso é de um poder, isso muda o mundo. Por isso que o Trump está esperneando. Desculpe, seu Trump, você já perdeu e está vendo uma poeira e não está encontrando onde está o chinês, porque ele já foi. O muro que o Trump está fazendo hoje, o chinês já fez há 2 mil anos. Hoje eles investem em tecnologia e o Trump investe no muro. Esse mapa da nova rota da seda, nós temos de estudar e entender melhor a estratégia, como isso impacta no nosso negócio, como nós vamos tirar proveito disso.

E a Índia, qual a vocação? É o oposto da China. A Índia é da paz, é da reza, é do bem, é da vaca. Se tem uma vaca deitada, não passa nada enquanto ela não levantar e não sair. A estrada não anda. É o país em que a democracia e a religião deles têm muita conversa e muito consenso. E já tem 1,3 bilhão de pessoas lá, e vai para 2 bilhões. Eles fizeram uma opção, e sabe qual é? É tecnologia. A IBM tem hoje, na cidade de Bangalore, mais funcionários do que nos EUA. São 140 mil funcionários na Índia, e 100 mil nos EUA. Você vai a Bangalore e é a cidade da tecnologia, eles investiram em tecnologia e serviços, não agricultura. Fui lá em 2007 quando inauguramos o centro tecnológico da John Deere na cidade de Pune. Começamos em 2007 e temos 4 mil engenheiros. A gente tem 4 indianos ao preço de um norte-americano, e que trabalham muito melhor que o americano. Para cada indiano que sai e que quer alguma coisa na vida, ele competiu com 20 mil outros. Não é como nós aqui. Então, o indiano que vocês encontrarem fora da Índia é coisa boa.

É o país dos contrastes, ao lado da alta tecnologia, tem a alta miséria. É o país do turismo da saúde, em que os planos de saúde europeus fazem todos os exames e mandam para a Índia para os pacientes fazerem ponte de safena, transplante de coração. Então, esse negócio de back office, de fazer folha de pagamento, contabilidade, manda tudo para lá. Eles fazem pela metade do preço. Afinal de contas, um país que ainda tem despachante e cartório, como o Brasil, ainda pode se candidatar para querer ser alguma coisa na área de serviços? Alguém já precisou vender um carro aqui? Tem de reconhecer firma! Pelo amor de Deus, o que é isso? É uma instituição do Império e nós ainda convivemos com isso.

Na Índia, a mecanização é rudimentar, os homens atiram os maços de arroz para as mulheres plantarem com a mão. Não tem vocação à agricultura. A área deles é 1,5 hectare por agricultor. A Índia vai dominar os serviços e vai ser o back office do mundo."

"Em 40 anos, a área plantada no Brasil cresceu 70%, e a produção, 500%"

"Em Santa Maria (UFSM), temos o orgulho de ter um papel extremamente relevante em fazer essa curva crescer. Em 40 anos, fizemos crescer de 37 milhões para 230 milhões de toneladas colhidas no Brasil, mas se vocês olharem a área plantada, ela aumentou de maneira muito pouco representativa, cresceu 70% em 40 anos. São informações importantes que vocês precisam saber na ponta da língua, porque tem muito fake news com relação à agricultura. Olha quanto nós aumentamos a produção: 500%. Ou seja, a tecnologia, a universidade, as nossas escolas, as Embrapas, os institutos de pesquisa agropecuária fizeram isso. Se tivéssemos continuado nessa lenga-lenga de 1978, nós teríamos de colocar 150 milhões de hectares a mais na produção. Então, o grande produto final é a nossa tecnologia, o nosso conhecimento técnico e científico, os nossos profissionais, a nossa academia, a nossa ciência economizou ao meio ambiente 150 milhões de hectares."

"Em laranja, açúcar e café, o Brasil é o 1º em produção e exportação" 

"Em laranja, açúcar e café, o Brasil é o 1º do mundo em produção e em exportação. Em soja, em exportação, já somos número 1 e, no ano que vem, possivelmente passaremos os EUA e seremos os primeiros também em produção. Em suíno, provavelmente seremos o número 1, pois por causa da peste suína, a China está tendo de matar 200 milhões de porcos, e essa proteína eles precisarão comprar de algum lugar. E no milho, é possível que o Brasil passe para número 1 do mundo. É essa a visão que a gente tem de ter. O resto é curto prazo."

"Vocação é sermos produtores de proteína"

"Quando alguém perguntar qual a nossa vocação, ela não é produzir commodities (matérias-primas). É sermos produtores de proteína. Se perguntar o que vocês fazem no Brasil? Nós somos produtores de proteína. E por que proteína é importante? O Diego aqui pesa 80 quilos. Ele precisa de um grama de proteína por quilo por dia, senão ele vai definhar e vou perder esse homem. Então, esse menino tem de comer 80 gramas de proteína por dia, todos nós aqui precisamos comer proteína. Esse é o nosso trabalho. Quanta proteína tem numa coxinha de galinha? Sei lá, 50 gramas. Cada coxinha deve ter uns 20 gramas de proteína. Então, o Diego tem de comer quatro coxinhas por dia. Agora, você imagina os chineses, com quase 2 bilhões de pessoas, tendo de comer quatro coxinhas de galinha por dia. Então, vamos ter de fazer um desenvolvimento genético e fazer um frango de quatro patas, de tantas coxinhas que serão necessárias. Então, chegou um brasileiro, chegou o cara da proteína."

"Brasil preserva 66% do território, e nos EUA, só preservam 20%"

"Outra fake news. Essa história do 'brasileiro que está desmatando', 'vocês são irresponsáveis, vocês não têm filho, vocês estão acabando com o Brasil'. Então, vamos ver como os norte-americanos cuidam das terras deles e ninguém fala mal. Dizem 'o produtor norte-americano é a referência'. Eles têm 20% do território americano protegido, com unidade de conservação e terra indígena. Eles mataram todos os índios, só tem agora em Hollywood, e não teve uma ONG que pegou os caras. E os americanos fazem agricultura em 18% do território, criam os bois em 29% e florestas exploradas, 27%. Então, 20% do território preservados e 74% plantados. Vamos comparar com 'o Brasil que acaba com tudo e da irresponsabilidade ambiental'. Áreas para índios, nos EUA, 2%, aqui, 14%. Se somarmos terras devolutas, reserva legal e APP, o Brasil preserva 66%, e nos EUA, só preservam 20%. Não tem ninguém lá achando ruim ou falando mal.

A revista Granja fez cálculo e transformou esses 21% de áreas de APP em dinheiro. São 240 milhões de hectares, e chegaram à conclusão que valeria R$ 3 trilhões, que estão na mão dos agricultores, preservado, com a responsabilidade de cuidar. E tem outra discussão, que dá para monetizar, transformando em créditos de carbono para o país que não tem reserva. Esse é um tema que os estudantes podem pesquisar de como monetizar em carbono, pois muito se falou e depois se esqueceu.

No Brasil, em 9% do território, fazemos agricultura e florestas, em 21%, pecuária. O Brasil faz agricultura, pecuária e florestas em 30% do território, contra 70% nos EUA. Essa é a realidade, foi levantado pelo Cadastro Ambiental Rural. O problema é que a gente não pega os números e volta para casa de cabeça baixa, envergonhado, mas não temos de ter vergonha de sermos brasileiros, pois quem tem números dessa grandeza e se olhar o gráfico da evolução da produção, temos de erguer a cabeça e olhar esse país como número 1 no mundo no agronegócio. Não tenham vergonha, vocês escolheram o curso mais prestigiado que possa existir, pois produz alimentos. O mundo vai agradecer por vocês terem feito vestibular para Agronomia, Veterinária e outras ciências agrárias. O Brasil é um baita país. Em todas as minhas viagens pelo mundo, eu tenho visto muito coisa por aí, mas é muito raro encontrar um país como o nosso, tão bom, porém, cheio de assimetrias."

"Podemos produzir mais sem afetar o meio ambiente"

"A área de pecuária está subutilizada no Brasil. É só andar por aí para ver um monte de pasto e de campo subutilizado. Melhorando a qualidade de pastagem e a genética, poderíamos colocar mais uma cabeça de gado por hectare. Com isso, poderíamos elevar em 50% a produção e ainda economizar mais 30 milhões de hectares, para plantar mais grãos. Com 3 toneladas por hectare, poderemos aumentar mais 100 milhões de toneladas produzidas no Brasil sem afetar o bioma. Sem mexer nos 66% de áreas protegidas. Ou seja, produzimos hoje 230 milhões de toneladas e podemos chegar a 330 milhões, e tem condições de colocar mais 110 milhões de cabeças de gado sem problemas de prejudicar bioma. Esse deve ser o nosso planejamento estratégico, vocês têm de discutir isso, chamar o professor e verificar essas contas e ver se é possível. É para ali que vamos. Temos de estar todos alinhados na mesma direção. Isso não vai cair do céu."

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