Escrevo parte dessa coluna no Dia da Consciência Negra, tornado feriado nacional a partir de 2023 e que tem o propósito de dar visibilidade às injustiças históricas que a população negra enfrenta, mas visa, também, ampliar o debate sobre racismo e cidadania, e nesse contexto, a saúde.
+ Entre no canal do Diário no WhatsApp e confira as principais notícias do dia
Há alguns anos, a revista médica britânica The Lancet publicou uma interessante série com o nome América: equidade e igualdade na saúde, abordando a saúde e a assistência médica nos EUA. Essa série destacava como as crescentes lacunas de desigualdade de renda geram aumentos na iniquidade em saúde. E entre os fatores contribuintes: o racismo estrutural.
Composta por cinco artigos, a série considera as maneiras pelas quais o racismo estrutural – a rede sistemática e interconectada de instituições e fatores que levam a resultados adversos de saúde – funciona para exacerbar ainda mais as disparidades existentes e condenava a força insidiosa do encarceramento em massa na perpetuação das desigualdades de saúde para americanos de cor.
Brasil e iniquidade racial
Dezoito anos após a aprovação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), será que o Brasil avançou e melhorou os dados de saúde da população negra no país?
Por lei, a PNSIPN visa promover a equidade em saúde, orientada pelos mais importantes princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) – integralidade, universalidade e participação social; estabelece o racismo como fator preponderante da determinação social de saúde; e tem como marca o combate às desigualdades no SUS, considerando-se as iniquidades em saúde e a promoção da saúde integral da população negra.
Além disso, a PNSIPN tem como um dos seus objetivos específicos “melhorar a qualidade dos sistemas de informação do SUS no que tange à coleta, processamento e análise dos dados desagregados por raça, cor e etnia”. Sendo assim, a subnotificação nos sistemas de informação em saúde é um dos exemplos de como ela não tem sido implementada adequadamente.
Gestão de dados, diagnóstico e compromisso com a igualdade
Das 27 capitais brasileiras, apenas nove (33%) inseriram as ações da PNSIPN nos seus Planos Municipais, promovem formação de combate ao racismo para seus quadros de profissionais e possuem instância específica para monitorar as ações de saúde voltadas à população negra. Está aí um desafio para os novos prefeitos na busca da equidade.
Em outro momento, irei abordar mais dados brasileiros sobre doenças evitáveis e o papel do racismo estrutural. Estudo recente, por exemplo, que analisou a prevalência de tuberculose, HIV/aids e sífilis em Porto Alegre, constatou uma enorme diferença entre brancos e negros.
No período analisado de quase uma década, a taxa de HIV/aids para a população branca reduziu de 117 para 93 por 100 mil habitantes; já para a população negra houve um aumento de 224 para 248 por 100 mil habitantes.
Os números da tuberculose também mostram um aprofundamento da disparidade: enquanto a variação entre brancos foi de 0,8%, a patologia teve aumento entre os negros de 28,6%. E os dados de Santa Maria e região?
Semana Mundial de Conscientização da Resistência aos Antimicrobianos
Teve início a Semana de Conscientização sobre Resistência Antimicrobiana, ou RAM. A capacidade de bactérias, vírus, fungos e parasitas de resistir à ação de medicamentos é considerada pela Organização Mundial da Saúde, OMS, uma crise global urgente.
Como já abordei aqui em outro momento, esse problema faz com que as infecções se tornem difíceis ou impossíveis de tratar aumentando o risco de disseminação de doenças mais graves e morte. Pesquisas indicam que 1,2 milhão de mortes globais todo ano estão diretamente atribuídas às infecções resistentes, sendo 20% crianças menores de 5 anos.
Esses dados fazem com que a resistência aos antimicrobianos esteja entre as 10 principais causas de mortes por doenças no mundo. As consequências são preocupantes e podem ocorrer a longo e médio prazo.
Psoríase: desafios e redução de estigma
Na coluna anterior, citei outra doença que tinha data de celebração em outubro que é estigmatizada e carece de uma abordagem correta: a Psoríase. O espaço da coluna não me permitiu lembrar de outros aspectos importantes relacionados a essa doença.
Hoje, a ciência médica sabe que fatores genéticos, ambientais e emocionais causam o surgimento das lesões avermelhadas e descamativas. É uma doença genética, sendo que 30% dos pacientes sabem ter familiar de primeiro grau com o mesmo problema. Outro fator é a obesidade. O excesso de peso pode aumentar o risco de desenvolver psoríase, e pacientes com psoríase tendem a apresentar peso acima do ideal.
Ainda temos muitos desafios no diagnóstico precoce e no acesso às medicações, o que gera manifestações mais graves da doença. Mas um grande desafio é a redução do estigma associado a doença. Como descrito, a psoríase não é contagiosa, e o contato com pacientes não deve ser evitado. Porém, o preconceito e a vergonha também “vestem os pacientes”, como bem descreve a Sociedade Brasileira de Dermatologia.