Tecnologia

As bolhas sociais e a morte do diálogo


No início deste mês, ressurgiu em minhas redes sociais um artigo da internet sobre como identificar os amigos que curtem um determinado político reacionário brasileiro. Digo que "ressurgiu" porque essa notícia já tinha circulado na época das últimas eleições. Resumindo o artigo: basta clicar em um link específico para mostrar uma página que lista todos os seus amigos que curtem o tal político.

Alguns dos usuários que compartilharam a notícia e que repudiavam aquela figura pública se questionavam: devo excluir os amigos que seguem a página do tal político reacionário? Esse dilema também apareceu nas duas últimas eleições gerais (a federal de 2014 e a municipal de 2016). Com frequência, via amigos anunciando que excluiriam aqueles que ousassem defender um político contrários a seus valores ou interesses, tanto os da direita quanto os mais à esquerda.

Afinal, vale a pena excluir os amigos que pensam diferente de mim? Bem, se eu os excluísse, provavelmente a minha linha do tempo se converteria em uma leitura muito mais agradável, pois o conteúdo estaria mais de acordo com meus interesses pessoais. Excluindo-os, eu tiraria da minha frente as opiniões que me desagradam, leria muito mais publicações que confirmam e reforçam minhas atuais crenças e criaria um ambiente sem visões contrárias às minhas próprias visões. O problema é que o mundo real não é assim.

Não quero ditar regras sobre como você deveria construir seu ambiente virtual privado, mas, se me perguntassem o que eu acho desta prática, eu a condenaria imediatamente. Por mais que eu, particularmente, desaprove de forma veemente as ideias reacionárias daquele político aludido no começo do texto, não vou deixar de seguir aqueles que o defendam. A razão por trás disso é simples: a excessiva seleção e filtragem das minhas fontes de informação podem me levar à perigosa armadilha da bolha social.

Os filtros-bolhas nas páginas de busca

Já faz um tempo que se discute o problema dos filtros-bolha nas páginas de busca, como no caso do Google. Funciona assim: após um período utilizando a internet, os sites de busca passam a me "conhecer" melhor e, desta maneira, passam a me indicar resultados mais próximos aos meus interesses pessoais. Em outras palavras, depois de me conhecerem melhor, os computadores filtram o conteúdo da internet para mim, retirando aquilo que teoricamente não me interessa e deixando a navegação muito mais significativa e relevante.

Embora os filtros possam me trazer resultados mais relevantes, o exagero nestas filtragens gera o que chamamos de filtros-bolhas: ao evitarmos entrar em contato com a informação que não nos interessa diretamente, passamos a viver em uma "bolha" de informações, de ideias e de opiniões muito semelhantes às nossas. Entretanto, o mundo real é formado por uma grande mistura de ideias e opiniões diversas, inclusive aquelas que são bem diferentes das minhas.


As bolhas de polarização nas redes sociais 

Os filtros-bolha começaram a funcionar nos sites de pesquisa há um bom tempo, mas foi nas redes sociais que eles encontraram terreno fértil. O Facebook, por exemplo, oferece a possibilidade de curtirmos, compartilharmos e comentarmos os conteúdos ali publicados, e toda vez que interagimos desta forma com algum conteúdo, o site calcula nossos interesses pessoais e leva esse cálculo em consideração no momento em que filtra quais conteúdos serão mostrados de forma prioritária nas nossas linhas do tempo.

Então, se você segue uma tendência política X e costuma curtir, comentar e compartilhar publicações dessa tendência, o Facebook passará a mostrar mais publicações da tendência política X em sua linha do tempo, criando a falsa impressão de que o mundo segue majoritariamente tendência política X, já que escondeu de você boa parte das opiniões opostas.

Aí está a grande armadilha da bolha: ela cria uma falsa percepção sobre como é, de fato, o nosso mundo. Por isso, muita gente se mostrou surpresa com o resultado das últimas eleições presidenciais: como pode 50% da população ter votado no candidato A, se quase 100% da minha rede social apoiava o candidato B? A verdade é que o Facebook escondia de você boa parte das publicações favoráveis ao candidato A.

Você tem total liberdade em filtrar suas fontes de informação nas redes sociais para, assim, tornar a sua navegação mais agradável e prazerosa, mas eu pergunto: é realmente saudável para você criar uma bolha que distorce a sua própria percepção sobre o mundo?

Bolhas nas redes sociais levam à radicalização

Ao deixarmos de consumir informações que não dizem respeito aos nossos interesses pessoais, deixamos de saber sobre a atual situação do outro, deixamos de entender o outro, deixamos de conviver com o outro. Ao deixarmos de conviver com o diferente, desaprendemos a tolerar, e a intolerância é um prato de entrada para a radicalização.

Por isso, as bolhas foram as grandes responsáveis pela crescente radicalização nas redes sociais. Se eu consumo apenas informações que confirmam minhas próprias opiniões, é claro que eu vou me sentir muito mais confiante sobre estas opiniões e, consequentemente, me sentirei completamente respaldado pela minha bolha para criticar acirradamente as opiniões contrárias. Afinal, aqui dentro da minha bolha, o mundo inteiro pensa como eu, certo? Daí, entre a crítica acirrada e os xingamentos pessoais, há apenas um passo de distância.

Sem a capacidade de tolerar o diferente e com radicalização de ideias, fica impossível construir diálogos nas redes sociais. Você, caro leitor, já deve ter percebido isso em sua própria linha do tempo. Como se já não bastasse esse grave problema, o que ando percebendo é que esta radicalização está não apenas transbordando nas redes sociais, mas também se derramando sobre as interações do mundo real.

Estoure sua bolha e expanda seus horizontes

Sair das nossas bolhas sociais tem um preço amargo, mas suas vantagens são mais importantes para nossas vidas, como cidadãos.

O preço a ser pago é o da desagradável situação em ler comentários radicais com xingamentos a pessoas que têm visões ideológicas parecidas com as minhas. Ou seja: de forma indireta, sou xingado por "amigos" da rede social, principalmente em época de eleição. Ainda assim, resisti em excluir estas pessoas e, hoje, com uma linha do tempo mais diversa, consigo formular uma percepção mais real sobre o que as pessoas ao meu redor pensam.

Sei que há muitas pessoas que apoiam aquele político reacionário porque querem mais segurança, mas que, no fundo, discordam de suas ideias moralistas. Já no outro espectro político, sei também que há muitas pessoas que apoiam o político populista porque querem mais igualdade social, mas que, no fundo, discordam de suas negociatas políticas. Devo mesmo excluir os amigos que desejam mais segurança ou mais igualdade social?

Claro que muitas destas pessoas se descontrolam e publicam comentários desmedidos, mas sei que, no fundo, a maior parte delas quer mesmo é soluções para problemas que afetam suas vidas pessoais. Se não houver diálogo entre os diferentes, logo estas pessoas podem passar, respectivamente, à defesa de ideias moralistas ou de negociatas políticas. É somente no diálogo tolerante que conseguimos reforçar as ideias construtivas que temos em comum.

Minha sugestão é: estoure suas bolhas sociais e expanda seus horizontes. Procure ter acesso a ideias e opiniões divergentes. Tente compreender as necessidades dos outros. Você não precisa necessariamente aceitar a opinião contrária, mas também não precisa se alienar sobre a existência destas opiniões. Em último caso, ignore as publicações que você não concorda, mas tenha consciência de que elas existem em pessoas próximas a você. O mundo lá fora é bem mais amplo e mais diverso que a sua bolha, e uma hora você vai precisar dialogar e conviver com os habitantes deste mundo.


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