entrevista

'Mais da metade dos brasileiros já teve contato com a toxoplasmose', diz especialista da Fiocruz

Dandara Flores Aranguiz

Foto: Gutemberg Brito (divulgação)
Chefe das pesquisas feitas na Fiocruz do Rio, Maria Regia  
(de verde) não recomenda a automedicação, pois os remédios para  a toxoplasmose contêm substâncias agressivas

A pesquisadora Maria Regina Reis Amendoeira chefia o Laboratório de Toxoplasmose outras Protozooses do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) é uma das referências do assunto no Brasil. Na última quinta-feira, ela conversou com o Diário e esclareceu dúvidas em relação à doença. De acordo com estudos liderados por ela na unidade do Rio de Janeiro, pelo menos metade dos brasileiros já teve contato com o protozoário em algum determinado momento da vida e, embora a toxoplasmose não seja extremamente grave, pode causar consequências severas, como lesão ocular, aborto ou, em casos extremos de pacientes imunodeprimidos, até a morte. 

Mesmo assim, segundo a especialista, não há motivos para os santa-marienses se apavorarem, já que cerca de 90% das pessoas que têm contato com o parasita não apresentam sintomatologia.  

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LEIA A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA 
Diário de Santa Maria - Como o protozoário age no organismo humano? 
Maria Regina Reis Amendoeira _ O mesmo protozoário se apresenta em estágios diferentes: cisto, taquizoíto e oocisto. De forma geral, as três formas estão envolvidas na infecção, pois são vários os mecanismos de transmissão. Geralmente o cisto está presente na fase crônica da infecção (assintomática), na musculatura ou tecidos. Normalmente não há um tratamento para a fase crônica, pois não se consegue chegar no cisto e destruir ele. Na fase aguda da infecção (sintomática), o taquizoíto (forma de multiplicação rápida), rompe a célula para entrar em outra, e é nesse momento que o medicamento é eficaz. O oocisto é a forma do parasita que sai com as fezes dos felinos e que pode estar presente no meio ambiente, por isso é fácil de contaminar a água, os alimentos, as hortaliças...

Diário _  Qual o tratamento mais adequado? 
Maria Regina -
O tratamento vai depender da fase em que se apresenta e sempre deve ter acompanhamento médico. Como tratar e quando tratar só o médico é que vai dizer, não é para ninguém sair se automedicando, pois os remédios para toxoplasmose possuem substâncias muito agressivas.  

Diário - O organismo consegue expelir o cisto?  
Maria Regina -
Normalmente, ele fica no corpo para o resto da vida. Se você tiver uma baixa imunidade muito forte pode acontecer de romper o cisto. É uma possibilidade, não é uma certeza. A toxoplasmose não tem um padrão: depende do parasita, do hospedeiro e do meio ambiente. Tudo está influenciando, é toda uma cadeia que influencia a infecção. Na maioria das vezes, quando há um surto com número bastante expressivo de pessoas infectadas, essa contaminação é possível que seja por meio da água, pois é a forma mais fácil de se propagar. Não quer dizer, com isso, que todos os casos confirmados foram infectados com a água. Alguns deles podem ter sido infectados de outra forma. Não é fácil achar a fonte de contaminação, pois são muitas variáveis. 

Diário - É doença comum?  
Maria Regina -
Se eu fizer a sorologia em uma determinada região do país, encontro resultado positivo em 50% ou 60% da população. Mais da metade dos brasileiros já teve contato com com o Toxoplasma gondii, responsável pela toxoplasmose, em algum momento da vida. Mesmo aqueles que não comem carne ou hortaliças cruas podem se contaminar, pois os mecanismos são diversos. Quanto mais você vive, maior a possibilidade de se infectar, por isso um índice maior na fase adulta. Mas a toxoplasmose sempre esteve aí. Então, temos que estar atentos para não apavorar a população. É uma doença que deve ser olhada seriamente, mas é uma doença autolimitada, isso é, na maioria das vezes nem precisa de medicamento.  

Diário - E quem teve a confirmação do diagnóstico?  
Maria Regina -
 As pessoas que estão tendo sorologia positiva na fase crônica (sem sintomas) podem ter se infectado muito tempo atrás. Aproximadamente 80% da população adulta do Sul tem a infecção toxoplásmica na fase crônica, o que não quer dizer que esteja doente. Pessoas em estado de saúde bom não apresentam sintomas. Algumas vezes, os indivíduos imunocompetentes apresentam problema ocular. Mas fazendo o diagnóstico cedo, o tratamento adequado e periódico, pode ser controlado.  

Diário - Então, quando devemos nos preocupar?  
Maria Regina - Cerca de 90% das pessoas infectadas não têm sintomas. Os 10% que têm, apresentam sintomas parecidos com a gripe, como dor no corpo, nas articulações, febre, e em alguns casos inchaço nos gânglios linfáticos (íngua). Os que não têm sintomas, podem vir a ter com o tempo, por isso a importância de se fazer o acompanhamento e continuar com os cuidados e recomendações que os infectologistas dão nesse momento, de surto, em que a atenção precisa ser redobrada.  

Diário - E quais o que a senhora aconselha à população? 
Maria Regina - Ferver a água por 10 minutos, para ter certeza que matou o oocisto, pois ele é muito resistente. Se coar a água fervida em um paninho de cozinha, melhor, pois daí ele fica retido ali. O cloro não adianta, ele mata outras coisas, mas não o oocisto. Também pode beber água filtrada. Esses filtros comuns, de barro, já são eficazes. Não precisa ir correndo comprar água mineral. Lave bem as frutas, verduras, hortaliças, legumes, mas não lave com a água contaminada que não adianta. Evite, neste período de surto pelo menos, comer na rua ou consumir alimentos crus sem saber a procedência. Evite a ingestão de carnes cruas e malcozidas. Gestantes devem evitar trabalhos de jardinagem, pois podem inalar o oocisto que às vezes está na terra. O resto é viver a vida normal, mas sem esquecer de se cuidar. São recomendações para vida inteira, no surto mais ainda.

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