data-filename="retriever" style="width: 100%;">
Foto: Fabiano Marques (Diário) / Atriz performática Camila Vermelho
Santa Maria foi a terceira cidade do Estado onde mais mulheres foram vítimas de feminicídio em 2019, ou seja, mortas pelo motivo de serem mulheres. A cidade só ficou atrás de Porto Alegre e Bento Gonçalves, municípios que registraram, cada um, 6 casos. Feminicídio é o termo usado para os assassinatos de mulheres que morrem em razão de gênero. No ano passado, foram quatro mortes. Em todos os casos os companheiros foram apontados como responsáveis e os crimes aconteceram dentro da própria casa das vítimas. Além disso, as quatro vítimas não tinham medidas protetivas contra os agressores. Santa Maria fica em terceiro lugar no Estado, empatada com Caxias do Sul no ranking. Os números são da Secretaria de Segurança Pública e são escancarados pelo Atlas dos Feminicídios, um projeto criado para mostrar os números e incentivar a criação de mais políticas de enfrentamento à violência.
Se falarmos em tentativas de feminicídio, a cidade, em 2019, Santa Maria ficaria em 4º lugar do ranking empatada com Pelotas, com 9 casos registrados. Desde 2014, os números dos dois crimes têm crescido no Estado quase todos anos, exceto em 2017, quando o número de assassinato de mulheres diminuiu. As tentativas só reduziram em 2016, depois, as estatísticas continuaram crescendo.
_ Fugiu totalmente das nossas previsões a quantidade de feminicídios. Nunca havíamos chegado nesse patamar _ observou a delegada Elisabeth Shimomura, da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam).
style="width: 100%; float: right;" data-filename="retriever">Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)
Este é apenas um relato de vítima santa-mariense de violência doméstica, considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um problema de saúde pública global. Somente em 2019, foram 2.856 ocorrências registradas na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) de Santa Maria. Foram 162 prisões em flagrante, 59 prisões preventivas e 1.573 pedidos de medidas protetivas. Os principais crimes foram ameaça e vias de fato (atos de ataque ou violência que ameaçam a integridade física da mulher).
Santa Maria, segundo dados da pesquisa Evidências Sobre Violências e Alternativas (Eva), realizada pelo Instituto Igarapé, que analisa temas relacionados à segurança e desenvolvimento, foi apontada como a cidade mais violenta para as mulheres em 2018. A pesquisa realizada em municípios com mais de 250 mil habitantes destaca que a cada 100 mil mulheres, 776 sofreram violência física. A cidade só perde para Porto Alegre e Macapá, no Amapá .Os números de ocorrências e medidas protetivas, apesar de registrar que nos dois últimos anos.
- Quelen de Medeiros da Rosa, 30 anos foi morta a facadas dentro de casa em 4 de março. O suspeito era companheiro dela e fugiu do local do crime com a filha, de dois anos. Já havia registros policiais de violência relacionados ao homem, mas não medidas protetivas solicitadas por ela. Ele foi preso logo após o crime e permanece na Penitenciária Estadual de Santa Maria (Pesm).
- Uma semana depois, no dia 10 de março, Fernanda Mariane Debus Hofmeisteer, 22 anos, foi enforcada e esfaqueada pelo namorado, que cometeu suicídio logo após o crime.
- Tainara da Silva de Aquino, 25 anos, foi assassinada em 9 de maio. Ela foi morta a tiros pelo marido enquanto os filhos dormiam. Ele foi preso e agora está solto.
- Em novembro, Denise Monfardini, 23 anos, foi esganada pelo companheiro, que também cometeu suicídio.
REFORÇO NA PROTEÇÃO
Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)
style="width: 50%; float: right;" data-filename="retriever">
Desde 2015, Santa Maria conta com a Patrulha Maria da Penha, que faz a fiscalização das medidas protetivas e dá orientações para as vítimas. É a única patrulha especializada do Estado que possui uma sala própria, localizada no 2º Regimento da Brigada Militar, no bairro Tancredo Neves. Desde a criação, 1.277 cadastros foram feitos. Só em 2019, foram 1.305 visitas e 379 vítimas cadastradas. É o maior número registrado em pouco mais de quatro anos de existência.Os responsáveis pelo patrulhamento costumam visitar as vítimas cadastradas durante o período em que a medida protetiva está em vigor. Atualmente, esse trabalho é feito pelos soldados Jaqueline Dalsoto Deponte e Everton Ortiz da Silva.
_ Os homens compreenderam que a lei tem funcionado, por isso a grande maioria respeita a ordem do juiz _ explica a soldado.
Em caso de descumprimento, o homem pode ser preso. A punição é de três meses a dois anos de prisão. As mulheres que se sentirem ameaçadas podem entrar em contato com a Brigada Militar pelos números 180 e pela Escuta Lilás no 0800-541-0803.
Em maio de 2019, um novo espaço para discussão e integração entre todos os setores envolvidos na rede de proteção à mulher. foi criado. O Fórum de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher surgiu a partir da tese de doutorado da enfermeira e professora Laura Ferreira Cortes. A iniciativa é um projeto de extensão do Colégio Politécnico da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e integra a Comissão Estadual de Combate ao Feminicídio. A ideia é desenvolver, neste ano, um curso para a qualificação de policiais civis, militares e Guarda Municipal para atendimento a mulheres em situação de violência.
ATENDIMENTO PSICOLÓGICO E ACOLHIMENTO
No juizado especializado de Violência Doméstica, há um serviço gratuito de atendimento psicológico para as vítimas, que são encaminhadas judicialmente. O serviço funciona com parcerias com universidades e profissionais voluntários. Uma das profissionais, Juliana Coutinho, explica que a violência doméstica funciona como um sistema circular - o chamado Ciclo da Violência Doméstica - que se apresenta em três fases: primeiro há o aumento da tensão no cotidiano (com injúrias e ameaças que criam na vítima uma sensação de perigo eminente); depois ocorre o ataque violento, onde o agressor maltrata física e psicologicamente a mulher (estes maus-tratos tendem a ser uma escalada na sua frequência e intensidade); e por fim, se estabelece a "lua-de-mel", em que o agressor envolve a vítima de carinho, atenção, promessas, pedindo desculpas pelas agressões e prometendo mudar.
O apoio de uma rede de profissionais, de amigos e familiares é essencial para que a mulher perceba que está em uma relação abusiva e violenta, pois, normalmente, estão vulneráveis e fragilizadas. Os agressores também passam por atendimento psicológico, encaminhados pelo juiz. A comarca promove grupos de reflexão sobre gênero para os homens, tendo em vista que a violência perpetuada por eles integra uma estrutura machista que precisa ser desconstruída.
EDUCAÇÃO PARA PREVENÇÃO
É unânime entre as autoridades que a repressão em casos de violência doméstica não é suficiente para que mulheres parem de ser agredidas e mortas. Em Santa Maria, o atendimento psicológico tem sido o foco para que a vítima entenda que está em um ciclo de violência e para que o agressor mude o comportamento.
_ Esses crimes ainda acontecem porque vivemos em uma sociedade machista, onde os homens se acham superiores a nós. Muitas vezes, nem eles têm consciência de que praticam violência, porque somos criados em um mundo onde as normas sociais privilegiam os homens _ esclarece a defensora pública.
Para o juiz da Vara da Violência Doméstica, a naturalização de comportamentos agressivos como prova de amor também precisa ser combatida.
_ Em muitos casos, as mulheres foram criadas em ambientes de violência, vendo o pai praticar abusos com a mãe e, quando crescem, acham que aquilo é comum. O apoio psicológico é o foco para empoderá-las _ garante.
A delegada acredita que reforçar a rede de proteção às vítimas é o caminho, bem como trabalhar a educação de crianças, nas escolas, palestras com esclarecimentos para a comunidade.
_ Infelizmente, nossas políticas públicas são quase inexistentes. Cada instituição ligada à rede tem atuado de forma eficiente, mas por si só, sem o apoio do poder público _ observa Elizabeth.
O ATLAS DOS FEMINICÍDIOS
Escancarar os números para chamar atenção para violência de gênero e, consequentemente, buscar políticas de prevenção é o objetivo desse trabalho. A pesquisa é feita pelas doutorandas da UFRGS Suelen Aires Gonçalves e Cristina Maria dos Reis Martins
, integrantes do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania.
- A ideia central é dar visibilidade e pensar políticas de enfrentamento. A gente sabe que hoje elas são feitas pelas delegacias, a primeira que surgiu para mulher em São Paulo, em 1988, e em Porto Alegre surgiu em 1988. Mas é preciso mais políticas para mudar a realidade de hoje - explica Suelen.
*Colaboraram Gabriela Perufo e Leonardo Catto