Vagão destruído passou por três reformas desde 1937

O poder público de Santa Maria já teria sido alertado para o risco de incêndio do antigo vagão que estava exposto na Gare. Na noite do último domingo, as chamas consumiram o veículo ferroviário construído em solo gaúcho e que recebeu três reformas ao longo de mais de 80 anos. A causa do fogo é investigada pela Polícia Civil.

De acordo com empresário Eduardo Lima, 50 anos, morador de Balneário Camboriú (SC), o vagão histórico pertenceu ao pai dele, o juiz aposentado Joel Furtado Lima, 86 anos. Joel, que hoje vive em Camboriú, atuava em Rio Grande, onde o trem foi fabricado em 1937. A construção ocorreu dentro das oficinas da antiga Viação Férrea do Rio Grande do Sul (VFRGS), fato que estava registrado em uma placa de bronze no interior do vagão.  

Paralelo à carreira de juiz, Joel fazia um trabalho de levantamento histórico da rede ferroviária e chegou a receber a Medalha Mérito Ferroviário, em 1994. Segundo Eduardo, o pai custeou do próprio bolso duas reformas do vagão. A primeira ocorreu em 1980 e, a segunda, em 1994. Depois, a Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) usou a estrutura até ser comprada pelo governo do prefeito Cezar Schirmer (MDB), para ser integrado ao projeto de preservação do patrimônio histórico do município.

- Meu pai ficou bem abalado ao saber do incêndio - lamenta Eduardo.  


Por conta do apego pelo veículo que pertenceu ao pai, o empresário afirma que, em 2018, esteve em Santa Maria para ver como estava o vagão e descobriu que já havia sido totalmente saqueado. 

- Já havia sinal de fogo ali dentro. Comuniquei à Guarda Municipal e, inclusive, alertei que iam acabar botando fogo. Espero que o Ministério Público seja acionado, pois foi utilizado recurso público para a última reforma - diz Eduardo. 

Segundo o empresário, o termo correto para o veículo ferroviário que pegou fogo é "carro", e não "vagão", pois não transportava cargas. No caso do bem que foi incendiado, era um carro administrativo. Eduardo explica que o veículo de prefixo 03 ficou conhecido como "carro do juiz", por ter pertencido a seu pai.

GALINHAS 

A estrutura contava com oito compartimentos: sala de visitas, sala de reuniões, três quartos, dois banheiros e uma cozinha. Eduardo conta que os carros eram fabricados para transportar os engenheiros chefes que viajavam para inspecionar as linhas. Como ficavam muito tempo fora de casa, podiam levar as famílias.   

Na época, havia deficiência de sistemas de refrigeração e, por isso, embaixo do carro havia um galinheiro, onde eram levadas galinhas vivas para serem consumidas como alimento nas viagens.

Restauração levou oito meses para ficar pronta

Conforme o empresário Sérgio Lemes, da empresa SL Manutenções, que fez a reforma do vagão da Gare para a prefeitura, em 2013, o serviço durou oito meses. O carro foi desmanchado e teve toda a madeira trocada.  

- Revitalizamos toda a estrutura e deixamos tudo funcionando, desde o ventilador à bateria até o fogão a lenha. O carro tinha, inclusive, água quente, que funcionava pelo sistema de serpentina ao alimentar o fogão a lenha - conta.  

Lemes diz que não lembra o valor pago pela administração. A assessoria de imprensa da prefeitura também não soube informar o valor gasto com a restauração.

Para o vice-presidente da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), Marlon Ilg, hoje, o mais correto é destinar materiais ferroviários a ONGs e entidades não governamentais, como a ABPF.  

- Como preservacionista, acredito que o maior erro é que estes bens históricos estejam nas mãos do poder público. Sabemos que as prefeituras e governos não têm competência para cuidar destas áreas - afirma.

Ilg visitou a Gare em dezembro do ano passado e fez observações sobre o estado de conservação do patrimônio ferroviário.  

- Lamentamos muito a perda de mais um importante carro administrativo. Realmente, dói ver algo tanto valor histórico virar cinzas, mas da forma que estava largado, sem cuidado algum, certamente viraria cinzas. Esperamos mais agilidade nos governos para que possamos auxiliar na preservação desses bens históricos. Um vagão deste deveria estar mais seguro, embaixo de uma cobertura - observa.

A ABPF atua há 42 anos cuidando do acervo histórico ferroviário em esferas nacionais. A sede nacional da entidade fica em Campinas (SP). 

União concede posse da Gare ao município

Na segunda-feira, um dia depois de o vagão histórico da antiga estação ferroviária ter sido destruído pelo fogo, a União concedeu à prefeitura de Santa Maria a cessão de uso de forma ampliada da Gare.  

A partir dessa autorização, com a posse sobre o espaço, o município poderá buscar parceiros na iniciativa privada para a manutenção e a revitalização do patrimônio ferroviário. Em entrevista à coluna de Deni Zolin de 24 de junho deste ano, o prefeito Jorge Pozzobom (PSDB) disse que a autorização do governo federal é para que sejam promovidas atividades culturais e comerciais na antiga estação. Isso permitirá que a prefeitura possa repassar a Gare a uma entidade ou empresa para que reforme o prédio e o explore para atividades diversas. "Não tem outro caminho a não ser entregar a Gare à iniciativa privada. Por mim, já tinha resolvido isso no primeiro dia de governo, mas a burocracia é enorme", afirmou. 

O QUE DIZ A PREFEITURA 

A prefeitura de Santa Maria esclarece, por meio da Guarda Municipal, que não tem registro de nenhuma ocorrência em anos anteriores de fogo dentro do vagão que foi incendiado. As ocorrências são em função de invasões de grupos. Por isso, por várias vezes, o vagão já teve de ser isolado e até fechado para evitar de os grupos pernoitarem no espaço.

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