“Ter ou não ter filhos?” A resposta envolve mais do que o prazo de validade dos óvulos

Carla Torres

“Ter ou não ter filhos?” A resposta envolve mais do que o prazo de validade dos óvulos

Esta pergunta já passou pelo Jogo de Cintura, e não apenas como tema central. Ela já entrou como assunto correlato em edições que tiveram como tema a liberdade feminina, os direitos da mulher ou mesmo a violência doméstica. Também já rendeu brincadeira, testemunhos de vida, reflexão filosófica, respostas românticas e elaboradas e também curtas e diretas: “não, não terei filhos”. Ponto.

Em minhas manifestações, as respostas possíveis a este questionamento ganham várias vírgulas e raramente ponto final. Estou com 39 anos e, conforme uma conversa recente com o Dr. Felipe Costa, ginecologista especialista em reprodução assistida e professor de medicina, estou na faixa etária limite para eventuais tentativas de engravidar sem preocupações extras. Atualmente os 42 parecem ser os “novos 35” anos impostos à validade de nossos óvulos. Claro, cada caso pode ganhar contornos específicos, variando conforme histórico familiar e pessoal de saúde, assim como fatores associados, como sedentarismo X exercícios físicos, alimentação equilibrada X desregrada, entre outros. A depender das condições financeiras, quem planeja engravidar mais tarde tem a opção do congelamento de óvulos, mais indicada até os 35 anos, ou ainda a possibilidade de recorrer a óvulos doados.

Convidei o Dr. Felipe para falar sobre gravidez em idade avançada no programa Companhia CDN depois que a gravidez de Claudia Raia, aos 55 anos, virou o assunto da semana, em meados de setembro, e foi parar em uma edição de Jogo de Cintura. Naquele dia, o tema referia-se especificamente ao hábito que tantos têm de “dar pitaco” na vida alheia, ou – como no caso – no útero alheio. E foi por sugestão de ouvinte que levei a discussão do caso Cláudia Raia para o âmbito da saúde.

Só que os aspectos orgânicos, por mais complexos que possam ser, concorrem bem de perto com os econômicos, sociais, culturais, psicológicos e emocionais. E com frequência, os fatores orgânicos decorrem destes fatores ou estão ligados a eles. É que não basta ter óvulos e útero em condições. Pra começar, uma gestação exige boa alimentação, coisa que não é acessível a todas as pessoas, sobretudo as assoladas por dificuldades econômicas. Além disto (e também em consequência disto), não é de hoje que o povo brasileiro está entre os mais ansiosos do mundo. E ansiedade em descontrole, claro, não é bom pra ninguém, incluindo quem quer engravidar e quem já carrega uma nova vida em seu ventre. A pandemia, como se sabe, não ajudou o psicológico de ninguém. E lá se vão quase três anos nisto. Quem tinha 39 aos no começo dela, já chegou ao limite. Engravidar daqui para frente torna-se um desafio bem perigoso, afinal.

E por mais que as condições materiais para ampliar a família sejam um ponto fundamental e até mesmo limitante, entre os fatores mais incômodos na discussão sobre ter ou não ter filhos – e que muitas vezes, reconheço, condicionaram-me a ignorar ou adiar esta decisão – estão os de ordem cultural. Afinal, baseado em quê alguém afirma que eu preciso ter filhos para ser feliz “de verdade”? Ora, verdade é uma coisa, realidade é outra. E certamente quem me critica impondo sua verdade não vai estar ao meu lado na minha realidade se um dia eu me tornar mãe de fato, com todas as minhas circunstâncias em potencial.

Tenho acompanhado os debates e estou atenta aos relatos tanto de quem optou pela maternidade, quanto de quem optou por não ser mãe. Este ano também já entrevistei, no Companhia CDN, a influenciadora Niriane Neuman, autora do perfil @naonasci_prasermae, que trabalha fortalecendo a autoconfiança de quem considera ou já decidiu não ter filhos. E a cobrança, sabemos, não se restringe à maternidade. É para nós também que os dedos apontam quando se consideram os aspectos estéticos, seja por estarmos aquém ou além do que seja considerado ideal. A propósito, nascido o filho, não tardam as críticas às marcas que a gravidez deixa no corpo materno, ou ao fato de mães amamentarem em público, por exemplo, já que a imagem do seio ainda é tabu para tantos em qualquer cenário. Em um terreno ainda tão árido para se ser mulher, são admiráveis as redes formadas por mulheres em apoio umas às outras, como é o caso do coletivo Era rede que me faltava, que também já esteve em entrevista comigo em Companhia CDN, e da Confraria do Batom, liderada em Santa Maria por Juliana Quinteiro, a mais nova integrante de Jogo de Cintura.

Observadora que sou, muitas decisões em minha vida têm longo período de maturação, e é possível que a resposta à pergunta “ser ou não ser mãe?” seja mais uma delas. Até o momento, ainda não decidi e estou bem com isto, embora o relógio biológico seja implacável. Decida ou não pela maternidade, e, decidindo por ela, seja eu mãe biológica ou não, isto cabe a mim. Que tempos esses, em que algo tão óbvio ainda precise ser reafirmado constantemente!

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