Talvez não nos falte só tempo, mas também generosidade

Carla Torres

Talvez não nos falte só tempo, mas também generosidade

O Setembro Amarelo começou no país em 2014, por iniciativa do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Dia 10 de setembro é o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. Com mais de um caso registrado por hora, o Brasil tem aí um problema de saúde pública que pode ser evitado na base da conversa, mas sobretudo da escuta

Em maio deste ano, tivemos uma edição de Jogo de Cintura em que a pergunta tema foi “Nós estamos escutando, ou apenas ouvimos?”. Numa rápida passada pelo dicionário, fica clara a diferença entre uma coisa e outra: ouvir relaciona-se ao sentido da audição; já escutar depende de prestar atenção, entender o que se ouve. Naquele programa, refletimos sobre se nossas relações diárias não estariam tendo, afinal, muito ouvido e pouca escuta. Num contexto assim, a distância que se cria entre nós e o outro pode ser um abismo. E nesta distância, muitas vidas podem se perder, e parece que estão, mesmo, se perdendo.

O irônico é que o ouvido que pouco escuta muitas vezes pertence a quem quer todas as atenções para si. Alguns inclusive são muito caridosos do portão para fora de casa, mas deixam a própria família falando com as paredes. Pois é bom avisá-los que a caridade começa em casa. Fora dela, a pessoa que anseia por escuta é frequentemente um colega ou um vizinho, aquele a quem inclusive não se faz questão de cumprimentar. Ouve-se a chefia, porque é preciso manter o emprego; ouve-se o cliente porque ele tem todas as respostas para o negócio decolar, mas o tempo para o irmão, o filho, o cônjuge, os avós, os tios ou os amigos é cada vez mais raro. “E agora, José?” Agora, José, Maria, Aninha e Joãozinho estão engolindo os sapos, as frustrações e o choro, pois até o famigerado “papo de elevador” saiu de moda, mas a máxima do “tempo é dinheiro” continua super “in”.

Pois, para além da filosofia do “time is money”, dos blockbusters do cinema e das séries, do iPhone e do formato dos nossos telejornais, entre outras coisas, estamos compartilhando também com os Estados Unidos a tendência de aumento nas taxas de suicídio nas últimas duas décadas. Isto enquanto o mundo registra queda em torno de 30% nestes números. Claro, dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que o aumento da depressão e da ansiedade durante a pandemia por Covid-19 prejudicaram o mundo inteiro nesse sentido, mas por aqui e nos EUA só acentuaram uma crescente que já se delineava.

E “enquanto todo mundo espera a cura do mal e a loucura finge que isso tudo é normal”, como diz Lenine, talvez seja, mesmo, tempo que nos falte pra perceber, mas não apenas isto. Talvez falte dedicar realmente ao outro pelo menos um pouco do que gostamos de receber, ou, seguindo o mandamento, “amar ao próximo como a nós mesmos”. A propósito, para a suicidóloga Karina Okajima Fukumitsu, “não tem coisa mais generosa do que oferecer nosso próprio tempo”.

Depois das várias tentativas de suicídio da mãe e de mortes trágicas na família, ela conheceu a fundo as dores envolvidas no suicídio também por meio da pesquisa acadêmica. Psicóloga, ela tem doutorado e pós-doutorado em psicologia pela USP e, entre outras atividades, coordena a Pós-Graduação em Suicidologia: Prevenção e Posvenção, Processos Autodestrutivos e Luto da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS).

Escritora, professora e podcaster, suas ideias sobre prevenção ao suicídio e promoção de vida fazem coro com as de profissionais da saúde mental de Santa Maria, como os psicólogos Thadeu Lucca, Suséli dos Santos e Diógenes Chaves, além da assistente social Rizieri Buzzatte, em entrevistas dadas à rádio CDN e à TV Diário: pode acontecer com qualquer pessoa. O falar e o escutar estão na base da prevenção.

Rizieri, que é servidora pública da Secretaria da Saúde de Santa Maria e atua no Santa Maria Acolhe, inclusive faz uma analogia que ajuda a entender o que acontece quando a pessoa é recebida: “Ela chega como uma mola bem apertada. Numa ponta da mola, está o gatilho; na outra ponta, está o que ela quer fazer.

Quando ela chega para falar, a gente vai expandindo essa mola de uma forma consciente, pra distanciar o gatilho do ato, pra evitar a explosão. À medida que a pessoa fala do que sente ou da confusão de sentimentos, de seus porquês, de coisas que aconteceram ou acontecem, a mola vai se soltando, se expandindo, e não explode.

A partir da fala deste primeiro momento, avalia-se o risco, entende-se se é preciso internação, se é preciso consulta psiquiátrica pra ajudar na medicação e pra saber se tem sintomas de depressão, se é ansiedade, se ela tem traços bipolares”.

Claro, nós que não temos formação específica não teremos a escuta qualificada que profissionais como psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais oferecem, mas certamente podemos prestar os “primeiros-socorros” numa acolhida que pode começar com um “Oi, como está?”, passar por um “Como posso ajudar?” e ir mais longe, chegando a um reconfortante “Conta comigo”, um abraço e finalmente na orientação para que a pessoa procure ajuda profissional. Esse contar conosco pode ser uma escuta atenta e interessada, sem julgamento no olhar e muito menos respostas do tipo “Ah, mas eu passei por algo assim e tô aqui”, “Eu te entendo” ou “Sei pelo que você está passando”. Lembremos que o foco do processo de escuta é a dor do outro, e só a própria pessoa sabe pelo que está passando. O lugar de fala é dela e a vida a ser salva também. Ative a escuta e aja com generosidade, a mesma que você espera do outro quando precisa dele.

Para buscar atendimento e mais informações em Santa Maria:

Centro de Valorização da Vida (CVV): Funciona 24h por dia. O telefone é 188UBS’s (Unidade Básicas de Saude) e Pronto-atendimentos (PA’s) e CAP’sCAPS Ad II Cia do Recomeço: De segunda a sexta-feira, das 8h às 18h. Telefone: (55)3921-1099CAPS Ad II Caminhos do Sol: De segunda a sexta-feira, das 8h às 18h. Telefones: (55)3921-7144 e (55)3921-7281CAPS II Prado Veppo: De segunda a sexta-feira, das 8h às 18h. Telefone: (55)3921-7959CAPS i II O equilibrista: De segunda a sexta-feira, das 8h às 18h. Telefone: (55)3921-7218Santa Maria Acolhe: Rua Treze de Maio, 35. De segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 13h às 17h. Telefones: (55)3219-2322 e (55) 9 9164-4154.

Para saber mais, acesse:

www.setembroamarelo.comPodcast “Se tem Vida, tem Jeito”, podcast de Karina Okajima Fukumitsu

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