Marcelo Oliveira
Segundo o levantamento, a fome está concentrada em dois polos distintos: nas periferias urbanas, principalmente em lares chefiados por mulheres, população negra de baixa renda, sobretudo, em lares com crianças de 0 a 10 anos. Outro polo é a fome na agricultura familiar: falta comida em 38% dos lares de pequenos agricultores. A pesquisa revelou que os principais fatores que causaram esse cenário foram desmonte de políticas como o Bolsa Família e a má gestão do PNAE, associado ao descaso dos governos quanto a problemas climáticos como as estiagens que o RS sofre sucessivamente.
– Só vamos superar a fome com mobilização social e políticas públicas. Se a fome não entrar no orçamento do Estado, não vamos vencê-la. No final de julho, o Consea realizou uma conferência estadual de segurança alimentar, que envolveu mais de 150 municípios e diversos segmentos como mulheres, população de rua, povos tradicionais, LGBT+, juventude , etc. Até agora, não foram inclusas diretrizes aprovadas na conferência para o projeto de lei orçamentária para o ano que vem e que deverá ser entregue nos próximos dias para a Assembleia Legislativa votar – relata o presidente do Consea/RS, Juliano Ferreira de Sá.
Há pouco mais de um mês, o Consea lançou uma campanha nacional chamada Voto Contra a Fome e Sede, convidando todas as candidaturas estaduais a assumirem esses compromissos para enfrentar o problema. Até o dia 9 de setembro apenas uma candidatura que concorre ao Piratini havia assinado.
“A merenda escolar é, em primeiro lugar, uma questão de dignidade”
Foto: Marcelo Oliveira (Diário/ Arquivo)
O alto número de estudantes que vivem em situação de vulnerabilidade e dependem da alimentação na escola foi agravado pela pandemia. Gabriel Corrêa, líder de políticas educacionais do Todos Pela Educação, é enfático ao mencionar que governos precisam reforçar a merenda escolar:
– É preciso, de uma vez por todas, acabar com a insegurança alimentar dos alunos brasileiros. O governo federal tem de ampliar os repasses do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) a Estados e municípios, mas governos estaduais e prefeituras também têm muito a fazer, investindo mais e melhor na merenda de seus estudantes. A merenda escolar é, em primeiro lugar, uma questão de dignidade.
A fome, que bate na porta da escola é a consequência de um contexto amplo. Cezar Miola, presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (TCE) do Brasil, observa que é consenso entre as organizações internacionais que a América Latina, e, assim, também o Brasil, é uma das regiões de maior desigualdade do mundo, o que se evidencia nos indicadores sociais na concentração de renda e em outros aspectos. Com a pandemia, muitas famílias perderam renda e essas condições se agravaram, deixando-as em situação de vulnerabilidade social e em insegurança alimentar. É sabido que a aprendizagem escolar está fortemente ligada a uma alimentação balanceada. Ou seja, a relevância desse programa é tal que a merenda escolar é considerada a principal refeição do dia para grande parte dos estudantes das escolas públicas brasileiras.
– É importante fortalecer o esforço empreendido no combate à insegurança alimentar, sobretudo com o incremento dos recursos disponibilizados pelo Pnae, garantindo-se produtos saudáveis, “comida quente”, com qualidade e na porção adequada, para todas as meninas e todos os meninos. A fome é inaceitável, e a escola, espaço que deve ser de acolhimento, proteção e cuidado, não pode deixar de atender ao que é vital – reitera Miola.
Segundo o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Rio Grande do Sul (Consea-RS), o governo do Estado repassa R$ 1,16 por aluno. Porém, nutricionistas e especialistas do tema dizem que, no mínimo, deverá ser de R$ 3 por aluno para assegurar uma alimentação adequada na escola.
Fome
No Brasil – 33,1 milões não têm nada para comerOutros 65 milhões passam fome, isto é, estão em situação insegurança alimentar moderada ou graveNo RS – 1,1 milhão não têm nada para comer
*Outros 2,3 milhões passam fome, isto é, estão em situação de insegurança alimentar moderada ou grave
Em Santa Maria – Não há levantamento específico. Além do relato de ONGs e da própria Secretaria de Desenvolvimento Social, houve procura maior por cestas básicas, de 2021 para 2022, e um aumento de 14,4% da população que aderiu ao Cadastro Único, um instrumento de coleta de dados que identifica pessoas de baixa renda. São 28.750 famílias, o que totaliza 66.885 pessoas
Insegurança Alimentar*
Leve – Pessoas que não têm garantia de fazer as próprias refeições. Exemplo: quem utiliza restaurantes populares, cozinhas comunitárias ou conta com doaçõesModerada – Pessoas que não fazem, no mínimo, três refeições por diaGrave – Pessoas que não têm nada para comer
*Segundo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia). A expressão “passar fome” é válida para quem está em situação de insegurança alimentar moderada ou grave
Salas de aulas vazias e alunos que optaram por pagar aluguel e se alimentar
Foto: Eduardo Ramos (Diário)
O maior gargalo dos governos é assegurar a manutenção dos alunos e a qualidade da educação básica. Mas, em todos os níveis, o vazio das salas de aula foi percebido em todos os níveis, inclusive no Ensino Superior.
O professor e economista Mateus Frozza lembra que a educação foi o primeiro setor a fechar suas portas.Os primeiros desligamentos, no primeiro semestre de 2020, foram ocasionados por uma defasagem tecnológica, pois nem todos sabiam transmitir aulas ao vivo, dar o retorno das avaliações e ter disponibilidade.
– Passada a “euforia” das aulas online, as câmaras abertas com sorrisos foram trocadas por longos períodos de silêncio. Os alunos foram aos poucos desistindo, trancando a faculdade. A pandemia, atrelada aos cortes incessantes nas políticas educacionais vigentes (como bolsas de estudos e do ProUni), foi esvaziando as salas de aula e na mesma proporção a sala dos professores. O aluno, que trabalhava no comércio, que foi impactado pela Covid, foi demitido e o que não foi, perdeu a sua comissão, com isso, deixou de frequentar a faculdade, optou em pagar o aluguel e se alimentar. E este aluno ainda não voltou, porque a economia não se recuperou em sua plenitude. Temos uma guerra em vigência e um ambiente político instável – argumenta Frozza.
O economista e professor universitário aposentado José Maria Dias Pereira acrescenta:
– Quando há um contingenciamento ou corte de verbas, o setor mais afetado é quase sempre a educação ou a pesquisa. Recursos da educação básica são liberados de acordo com conveniência política. Basta dizer que já passaram pelo Ministério da Educação quatro ministros.
Hoje, a Taxa de desemprego no Brasil está em 9,3% de acordo com o IBGE, com aproximadamente 12 milhões de desempregados formais, fora os informais que não entram nessa conta. No Rio Grande do Sul, este número representa aproximadamente 7 milhões de pessoas.
PERSPECTIVA
São tradicionais setores que mais empregam na cidade como comércio, serviços, indústria e construção civil, que têm oferecido empregos, cursos ou parcerias. Santa Maria fechou o 1° semestre de 2022 com a criação de 1.591 novos postos de trabalho. Isso representa uma alta de 27% em comparação com os 1.251 empregos do 1° semestre do ano passado. O setor de serviços foi o que mais criou empregos, com um total de 989, seguido por indústria (295) e construção civil (289).
– São setores que estão alimentando as esperanças de ingresso no mercado. Atentos à necessidade de maiores capacitações, recentemente, em parceria com Simmmae (Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Santa Maria), Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e 3ª Divisão do Exército, criamos duas turmas com 50 alunos para qualificação de pretendentes a empregos na indústria local – informa André Agne Domingues, coordenador Regional da Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social / Sistema Nacional de Emprego (Fgtas/Sine).
Desemprego
No RS
7,3%
No Brasil
9,3%
Em Santa Maria
4%**
*Segundo o IBGE** Valor é estimado por economistas
Por Gabriel Marques e Pâmela Rubin Matge
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