Quando o substantivo encontrou o gerúndio

Daniele Bressan

Segundo Celso Cunha, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, a formal nominal dos verbos no gerúndio exprime, além de outros sentidos, ideia de ação contínua ou simultânea.

Por isso, não se costuma (dentro da norma) “gerundiar” no passado e, tampouco, no futuro.  O valor semântico do gerúndio está associado, principalmente, à presença de eventos que se realizam no presente de forma continuada ou simultânea. Há quem diga ser relativa a ideia de presente e o que se vive agora, na verdade, também já passou. O que existe, então? O passado já foi. O futuro, quando chegar, já será presente. O presente, quando ocorre, já é passado.

O amor é um substantivo. Abstrato, simples, comum e primitivo. Abstrato por depender de outros substantivos para existir. Simples, pois apresenta apenas um radical. Comum por generalizar uma palavra. Primitivo, pois, a partir dele, outras palavras se originam.

E como fica o amor no gerúndio? E como ficam os amantes do passado e os possíveis do futuro?

O que se amou no pretérito já não se ama mais. Parece primitivo, assim como o substantivo amor.

Quando se pensa nesse amor passado, parece simples: deixou sozinho apenas um radical. Passou a se tornar comum, já que não é próprio para ninguém. Além disso, com certeza, esse amor é abstrato, visto que não mais se tem uma imagem concreta para ele e , muito menos, tal sentimento não é associado a um evento sequer.

E os amores futuros? Não me atrevo a tentar construir uma narrativa sobre isso. Quem sou eu “na fila do pão” para decidir o futuro. Nem ao menos o meu.

Por essas e outras que o gerúndio explode os corações no presente. Como você está? “Amando”, responde a adolescente apaixonada. Amando agora, hoje, nesse tempo presente. Amando sabendo que também já amou no pretérito, e que, agora, o amor é outro.

O que será do futuro? “Não sei”, ela responde sorrindo e sem medo de não o saber. E por que o saberia? Até ontem, esse amor amado que a faz amar no presente era um modo subjuntivo- uma dúvida, mas também uma possibilidade.

Antes pensava com o presente do subjuntivo: “se eu amar” ou “talvez eu ame”. Ainda pensava no pretérito imperfeito: “se eu amasse”. Ou se achava a dona do tempo e das coisas fugidias: “quando eu amar”.

Eis que chega a vez do gerúndio reinar nos corações: amando- agora, simultâneo, ação contínua e presente.

Agora me atrevo a deslocar o substantivo amor para “indevidas” (ou não)  classificações: a mocinha que está radiante com o verbo no gerúndio, também reescreve a gramática e torna o amor um substantivo composto, derivado, próprio e concreto.

O amor tem que ser composto-são dois radicais- jamais conseguiria amar sozinha. Tem que ser derivado, pois provém de outros sentimentos. Tem que ser próprio, já que tem um nome e está definido por uma forma de apropriação, não possessiva, mas gregária, conjunta e completa. Acima de tudo, esse substantivo, certamente, é concreto. Afinal de contas, no que se concretiza o amor? No gerúndio!

Aí está a resposta para tudo- ou pelo menos, quase tudo.

O amor está amando. O amor está amando ser amado. O amor está amando ser amado com amor.

Como está? “Amando”, responde a mocinha radiante com seu amor destituído de normas gramaticais e, ao mesmo tempo, contido em todas as regras possíveis do vernáculo. Amando é gerúndio e está nas regras. Amando é presente. É simultâneo. É ação contínua. Pelo menos, por enquanto.

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